terça-feira, 17 de março de 2015

Macroscópio – Os factos são sagrados, as opiniões livres. E hoje é dia de opiniões

José Manuel Fernandes
É uma velha máxima do jornalismo que hoje aplicaremos à letra: “Os factos são sagrados, as opiniões livres”. E serão opiniões livres as que hoje citaremos. Opiniões variadas.

Vou começar pelo Brasil e pelas manifestações deste fim de semana. E faço-o começando por um texto do El Pais, ¿Y ahora, qué? Juan Arias, depois de descrever as impressionantes manifestações de domingo onde se pedia o fim da corrupção e a demissão de Dima Rousseff, deixava o seguinte conselho:

Como mínimo, Dilma debería mañana mismo rehacer su gobierno, empezando por reducirlo a la mitad. Hoy con 39 ministros, es mayor que el de los gobiernos de Estados Unidos, Alemania juntos. Es el país después de China, con mayor número de ministros del mundo con un gasto federal de 377. 000 millones de reales, El gobierno necesita de pocos ministros pero a la altura de la crisis en la que está inmerso, con un corto circuito con el Congreso y con la opinión pública y una economía agonizante.

Não foi isso que Dilma fez. Preferiu vir dizer que a corrupção é uma “velha senhora”, no fundo dizendo que é coisa antiga, que não nasceu com o seu PT. Rodrigo Constantino, um influente e polémico colunista brasileiro (em breve sairá um livro seu em Portugal, “Esquerda Caviar”), não gostou nada e tratou de reagir de forma muito frontal em A corrupção é uma senhora idosa…:

Quando o PT insiste na tecla de que a corrupção vem de antes – o óbvio ululante – está apelando para um relativismo que ignora suas particularidades. Em primeiro lugar, o PT cresceu com a bandeira ética, alegando justamente que era diferente dos demais. Ou seja, sua traição seria maior, pois seu discurso se mostrou hipócrita, canalha, enganador, e é no mínimo curioso e irônico que sua grande linha de defesa hoje seja argumentar que é igual aos outros partidos. Em segundo lugar, não é verdade que o PT seja “apenas” como os outros, tão corrupto quanto os demais. O PT é mais corrupto, vide a magnitude dos escândalos durante sua gestão (…). E pior: reage de forma diferente quanto à corrupção de seus membros, (…) muitas vezes os tratando como heróis injustiçados.

As manifestações de domingo no Brasil foram também o meu ponto de partida para um texto - Hollande, Dilma, Syriza, até o Podemos: o que sobra se não a desilusão? – onde reflito sobre aquilo a que chamo “a tragédia da esquerda”: “Acreditou em Hollande, em Dilma, no Syriza, e agora choca com a realidade. Os “puros” também são impuros e também se rendem ao “neoliberalismo”. É tempo de grandes desilusões”. É assim que concluo essa reflexão:

É que se houve uma esquerda que ajudou a salvar o capitalismo dos seus excessos muito contribuindo para os nossos Estados Providência, aquilo de que hoje mais precisamos é de quem nos ajude a salvar esse mesmo Estado Providência dos excessos de uma esquerda que ainda não parece ter percebido que 2015 não é 1965 e ainda menos 1917.

Claro que foi um texto que, mesmo partindo do Brasil, andou sobretudo pela Europa. Pelo que é à Europa e aos seus problemas que regresso nas próximas sugestões:

· O Financial Times escreveu hoje um editorial muito violento contra a decisão da Comissão Europeia de perdoar à França as multas que esta teria de pagar por falhar por mais dois anos as metas do défice. Em France comes up short on its budget deficit - Failure to fine the country is really an indictment of the EU’s rules, defende-se que “Europe is troubled by its imbalances. These are not just the fault of smaller, deficit countries, and they should not be the only ones under censure. Dual standards fray the already weak fabric of European solidarity. “Too big to fine” is just as corrosive to the eurozone as “too big to fail” has been in banking.”

·  Também em editorial, Japan’s Devaluation Warning for Europe (para assinantes) o Wall Street Journal conta-nos a má experiência do Quantitative Easing no Japão para alertar a Europa para os erros aí cometidos: “The main explanation for Japan’s stagnant business investment and falling real wages is Mr. Abe’s failure to enact the “third arrow” of reform. Businesses face the same disincentives to invest as ever—overregulation, high taxes, protectionism and lack of competition. The unreformed labor market is a particular offender. Job creation is concentrated on part-time workers as companies shy away from hiring full-timers who come with onerous restrictions on firing. That explains why real wages aren’t rising despite a tight labor market. The same lack of reform typifies the eurozone.

·   O famoso Nouriel Roubini escreveu para o Project Syndicate e o Jornal de Negócios publicou um texto que se inicia com uma pergunta: A forma negativa de crescer? O seu ponto de partida é muito interessante: “A política monetária tornou-se cada vez mais heterodoxa nos últimos seis anos, com os bancos centrais a implementarem políticas de taxas de juro zero, flexibilização quantitativa, flexibilização do crédito, orientação sobre as políticas monetárias e intervenção ilimitada nas taxas de câmbio. Mas agora chegámos ao instrumento de política mais heterodoxo de todos: as taxas de juro nominais negativas.

·  Num registo mais político, Paulo Rangel escreve no Público sobre os vários cenários de crise que se abrem na Europa: O plano B (e C e D e E e F e G). Depois de considerar que “É absolutamente crucial que as autoridades e as elites portuguesas se encontrem preparadas para desenvolvimentos surpreendentes e porventura dramáticos do cenário europeu e internacional”, o eurodeputado do PSD explana os diferentes “planos” necessários para cada uma das potenciais crises: saída da Grécia do euro; guerra na Ucrânia; implosão da Espanha, caso triunfem os diferentes nacionalismos peninsulares; terrorismo fundamentalista; eleições britânicas e eventual referendo sobre a saída do Reino Unido do euro; e, por fim, triunfos eleitorais dos diferentes populismos de esquerda e de direita nas eleições que se aproximam. Como lista de preocupações, não é pequena.

·   No mesmo jornal, um outro colunista, João Carlos Espada, interrogou-se sobre O regresso dos extremos na Europa? A sua sugestão é que “a direita e a esquerda democráticas fariam bem em parar para reflectir. E, em vez de se atacarem mutuamente por dá-cá-aquela-palha, fariam melhor em recordar o seu compromisso comum com a liberdade e a democracia. E poderiam talvez iniciar uma reflexão comum sobre as origens do crescimento dos extremos na Europa — da extrema-direita em França, ou da extrema-esquerda na Grécia e em Espanha, por exemplo.”

·  Termino recuperando um texto recente de Timothy Garton Ash no Guardian, Europe is being torn apart – but the torture will be slow. Gosto especialmente desta passagem: “But in creating a monetary union without a fiscal or political one, Europeans put the cart before the horse – and now the horse is not ready to get in front of the cart. National democracy therefore stands in a growing tension with European integration. Some leaders of the European institutions in Brussels see this. (…) But there is not much they can do about it, because power mainly lies with democratically elected national governments. Let me be clear: given the choice between democracy and a paternalistic, top-down, Euro-Leninist version of European integration, I will choose democracy every time. (…) The trouble is that the structural problems of the eurozone require a transnational European democratic solidarity of fellow citizens which does not exist between different nationalities in the eurozone, and is not in prospect any time soon.”

Como este Macroscópio já vai longo, termino com uma sugestão completamente diferente, com um texto que chama a atenção para um drama que pouco relevo teve na imprensa portuguesa. Faço-o através de uma crónica de Raquel Abecasis na Renascença: Como é possível? Eis o que ele escreve:

Mais um dia, mais um banho de sangue cristão derramado em duas igrejas paquistanesas. O duplo atentado em Lahore, a segunda cidade do Paquistão, provocou pelo menos mais 14 mortos e 78 feridos. (…) Num mundo globalizado em que, mais do que negócios e conhecimento, devíamos globalizar uma civilização, há seres humanos a serem mortos com requintes de barbárie por causa da religião que professam ou porque representam uma cultura em que todos os seres humanos são iguais. Se isto não é suficiente para nos inquietar e para fazer soar todas as campainhas no nosso mundo confortável, não sei o que será.

Só posso assinar por baixo, e penso que muitos dos meus leitores o fariam também. Por me despeço hoje de forma diferente: descansem, leiam, mas não deixem de se interrogar: Como é possível? 
Título e Texto: José Manuel Fernandes, 17-3-2015

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