Cesar Maia
1. Na campanha de 2002, analistas nacionais e de outros países
projetavam um quadro sombrio com a vitória de Lula. Três conclusões eram
consensuais: a inevitável irresponsabilidade fiscal; o afrouxamento
inflacionário; e a ocupação da máquina do Estado pela máquina do PT. Em função
disso, Duda Mendonça redigiu e Lula assinou e divulgou a Carta ao Povo Brasileiro,
onde assumia compromissos de responsabilidade econômico-financeira.
2. Com Palocci no ministério da Fazenda, o governo Lula foi
afirmando os compromissos da Carta aos Brasileiros. Na verdade, essa não era a
natureza nem a disposição do PT. As condições políticas e institucionais não
permitiam outros caminhos, sob o risco de desintegração econômica e impasse
político.
3. No final de 2003, a TV Globo, com uma câmera oculta (ou com
gravação amadora de quem estava na reunião e repassou à TV Globo), divulgou um
vídeo do discurso do poderoso ministro José Dirceu para a militância que estava
exaltada com medidas que o partido havia criticado por muito tempo.
4. Dirceu foi claro: A 'correlação de forças' não permite, neste
momento, avançarmos como gostaríamos. Por isso, nesta primeira etapa,
adotaremos medidas conservadoras para dentro e aplicaremos nossas ideias e
nosso programa para fora (leia-se política externa). A explicação de Dirceu
agradou a militância. O tempo confirmou Dirceu e mostrou que eram apenas ações
táticas e que a estratégia continuava a mesma.
5. Em 2004, o governo/PT começou a aplicar a “ética
revolucionária”, ou seja, desvio de recursos públicos ou privados para
financiar a “revolução” (ou seja, a garantia de maioria absoluta no parlamento
para implementar o que desejasse), não é roubo, mas “expropriação”. A primeira
grande operação de “expropriação” foi o mensalão. Em conversas informais a
partir do estouro do escândalo, o argumento dos dirigentes era: o dinheiro não
é para ninguém, ninguém está se apropriando de nada, é para garantir o poder
num parlamento burguês de deputados e senadores corruptos. Isso é diferente do
que fazemos, argumentavam. Esse dinheiro serve ao povo, concluíam.
6. Ultrapassados os obstáculos e o primeiro choque de opinião
pública durante a CPI, já em 2006, ano eleitoral, a máquina governamental
ocupada pelo PT e dinheiro desviado sem limites prepararam a eleição de 2006,
usando todo tipo de recursos; de propaganda (Gobells ficaria envergonhado),
agressões, mentiras, etc. Outra vez, no governo, em 2007, e com a máquina
ocupada, o poder de Lula e do PT se tornou absoluto.
7. Apenas uma pequena minoria parlamentar não aderiu e os grandes
grupos e setores econômicos passaram a defender o governo Lula, sem nenhum
pudor. Com a correlação de forças (ver Zé Dirceu) totalmente favorável, foi
implementando o Estado Total, conceito caro ao nazismo. A partir daí, a Carta
aos Brasileiros foi rasgada. A “expropriação” passou a ocorrer na maior empresa
brasileira, a Petrobras/fornecedores, nas grandes obras, nos amplos
subsídios...
8. Os fundamentos macroeconômicos foram jogados no lixo, a “ética
revolucionária” prevaleceu, afinal não havia oposição nem política, nem social
(os sindicatos no governo), nem empresarial. A crise de 2008 foi respondida com
um keynesiasnismo de consumo que só visava o PIB, a economia perdeu
competitividade, a situação fiscal foi deteriorando e respondida com fraudes
contábeis, o setor externo desintegrando com recordes de déficit corrente...
9. Mas num mundo globalizado, as expectativas têm caráter
internacional. A crise econômica foi sendo antecipada pelo mercado e a
velocidade de agravamento saiu de controle. A correlação de forças foi mudando
e se expressou na eleição presidencial. Dilma volta ao primeiro capítulo e
tenta, através da designação de um Pallocci ainda mais ortodoxo (Levy),
reverter este quadro. Era tarde.
10. A operação Lava-Jato é assumida por um juiz independente
(reveja Jean Louis Trintgnant [foto] – juiz de instrução no filme Z, de Costa Gravas).
Não há mais por onde “negociar”. A “expropriação” passa a ser chamada por seu
nome próprio: corrupção. Os valores dão dimensão internacional.
11. Os parceiros (políticos, empresariais, jornalísticos,
sociais...) lavam as mãos.
12. As previsões de 2002 se confirmaram. O tempo desmontou as
fraudes. Era um castelo de cartas – House of cards – que ruiu.
Título e Texto: Cesar Maia, 5-2-2015
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