Paulo de Almeida Sande
Há o risco de ficar tudo
imobilizado, a Rainha não fazer o discurso constitucionalmente obrigatório do
dia 27 de Maio e o Reino Unido “belgificar-se”, sem governo para os tempos mais
próximos.
São cada vez mais as vozes que
apostam num longo período de paralisia política após as eleições de
quinta-feira 7 de Maio. Todas as sondagens concordam: conservadores e trabalhistas estão virtualmente empatados.
O resultado é imprevisível e o futuro imediato indefinido. Em causa está muito
mais do que a tradicional eleição de representantes de um país, neste caso do
Reino Unido, e a consequente escolha de um governo.
Na próxima quinta-feira, é o
“english establishment” – o regime político inglês – que está em causa, escreve Robert Tombs no Newstatesmen, como nunca esteve desde que
em 1640 os escoceses ameaçavam a coroa de Carlos I (e Portugal se livrava dos
Filipes). O que está em causa é Westminster e a tradicional partilha do poder
entre “tories” e trabalhistas; é a hipótese de um parlamento paralisado, um governo
sem maioria estável; é a legitimidade e autoridade da classe política, como em
quase todo o mundo ocidental; é a manutenção dos actuais líderes; é o possível
referendo à continuidade do Reino Unido na União Europeia (UE); é o peso
damoclesiano de um partido escocês estruturalmente independentista, a ameaçar o
“scotexit” (do Reino), e de um partido britânico independentista, somado à
indecisão de David Cameron, a ameaçar o “britexit” (da UE); é a economia, entre
a austeridade – e a suspeita de novos cortes dos tories – e a dúvida da
capacidade dos trabalhistas em controlar despesas.
Na próxima quinta-feira está
em causa o futuro do regime político inglês, a presença do Reino Unido na UE, a
continuação do Reino unido, o futuro dos ingleses e dos europeus. Os jornais
ingleses já escolheram: o Economist apoia Cameron, primeiro-ministro e líder
dos “tories”, o Guardian escolhe o trabalhista Ed Miliband. O que pode
então suceder?
O mais provável, apesar de
tudo, parece ser a vitória conservadora por pequena diferença. São necessários
326 deputados para uma maioria nos Comuns e as sondagens mais recentes apontam
para 265 a 275 eleitos por trabalhistas e conservadores (ligeira vantagem
destes).
No caso de uma vitória
conservadora curta, a solução de governo pode ser a renovação da coligação com
os liberais-democratas de Nick Clegg (após a renúncia de Gordon Brown em 2010,
Cameron e Clegg formaram o primeiro governo de coligação no Reino Unido desde a
2ª Guerra). Mas a experiência aconselha cautela e não é certo que “tories” e
liberais estejam dispostos a repeti-la. Opõem-se os mais conservadores entre os
conservadores (caso do influente comité 1922, constituído sobretudo pelos
chamados “backbenchers”) e há vozes discordantes entre os liberais, contra o
referendo à continuidade do Reino Unido na UE, mantido em aberto por Clegg. Sem
esse acordo, David Cameron pode tentar governar em minoria, nem que seja para
obter a repetição das eleições. A jogada é arriscada, mas Cameron joga neste
escrutínio o seu futuro como líder do partido (o polémico Boris Johnson, mayor
de Londres, está à espreita).
Se vencerem os trabalhistas,
fica também longe de resolvido o problema. Ed Miliband pode receber o apoio dos
liberais, pois Clegg afirma-se equidistante dos favoritos e disponível para
negociar com o vencedor, ainda que a sua aposta principal pareça ser renovar a
coligação com os “tories”. Haveria ainda a possível aliança com o partido
nacional escocês, agora de Nicola Sturgeon, polémica por colocar os
independentistas no coração da governação britânica e com capacidade para
influenciar os termos da devolução de poderes ou, até, futuras evoluções no
sentido da independência; mas o pacto a que Cameron chamou “diabólico” por
destruir a nação foi rejeitado publicamente há uma semana por Miliband. É carta
fora do baralho (?).
Entre as muitas consequências
das eleições de quinta-feira, dois assuntos predominam e merecem (deviam
merecer) toda a atenção. Um é a continuidade do Reino Unido na União, a que
chamarei por facilidade de linguagem referendo europeu, o outro a continuidade
da Escócia no Reino Unido, o referendo escocês (os leitores talvez partilhem o
meu espanto pelo pouco que se falou do primeiro na campanha). Eis a leitura
possível das consequências das várias alternativas, sem naturalmente presumir
dos resultados dos referidos referendos:
Os conservadores vencem com
minoria e coligam-se com os liberais (e talvez com o partido unionista do
Ulster ou até o UKIP): o referendo europeu é certo, segue-se o referendo
escocês. Ou os conservadores vencem e governam em minoria: prováveis, num prazo
curto, novas eleições, com os “tories” a esperar obter maioria. Seriam essas as
eleições decisivas, claro.
Vencem os trabalhistas e
coligam-se com os liberais e/ou o SNP (improvável, podendo incluir os verdes):
não há referendo europeu ou escocês, mas o grau de devolução de poderes seria
importante (maior no caso de uma coligação exclusiva com o SNP). A longo prazo
potenciaria o “scotexit”. Ou Miliband exclui um acordo com os parceiros potenciais
e arrisca governar sozinho: grande instabilidade do executivo, que dificilmente
completaria a legislatura.
Possível mas pouco viável é a
hipótese do partido em segundo (sobretudo se for o trabalhista) vir a governar,
caso apresente uma solução de governabilidade que o vencedor não assegure.
A única coisa certa é ninguém
fazer ideia nenhuma do que se vai passar, escreve James Graham no The Guardian: na manhã de 8 de Maio,
afirma, muitos virão dizer que sabem alguma coisa, mas não é verdade, ninguém
sabe nada… ainda que o próprio Graham escreva – ele sabe – que a 8 de Maio quem
controlar a narrativa terá a chave do futuro do Reino Unido. Ganham os “tories”
e governam com os lib-dem? Ganham os trabalhistas e governam com os lib-dem?
Ganham uns ou outros e governam sozinhos por algum, pouco, tempo, até novas
eleições, muitos milhões de libras depois (e depois logo se vê)? Ou fica tudo
imobilizado, a Rainha não faz o discurso constitucionalmente obrigatório do dia
27 de Maio e o Reino Unido “belgifica-se”, sem governo para os tempos mais
próximos?
E há referendo e ganha a
Europa e a união do Reino? Há referendo e perde a Europa e a união do Reino? Não
há referendo e ganha a Europa e a união do Reino? Ou não havendo referendo
perdem todos, europeus e britânicos?
Assim se joga, numas singelas
eleições além-Mancha, o futuro de todos nós, europeus. Tempos estranhos, estes?
Mas não foi sempre assim?
Título e Texto: Paulo de Almeida Sande, Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Observador,
5-5-2015
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