Mário David
Para nós, parceiros europeus,
com elas chega a hora de exigir ao Reino Unido que esclareça de uma vez por
todas a sua vontade de permanecer ou não na União Europeia.
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Foto: Ana Freitas/Lusa |
Numa das mais antigas
democracias mundiais realizam-se hoje eleições legislativas. E para nós,
parceiros europeus, com elas chega a hora de exigir ao Reino Unido que
esclareça de uma vez por todas a sua vontade de permanecer ou não na União
Europeia.
Tenho perfeita consciência que
esta ideia vai ser catalogada no que se considera politicamente incorreto, que
nenhum político experiente e cauteloso ousa afirmá-lo em público e muito menos
escrevê-lo!
Mas os nossos amigos
britânicos cansaram-nos! A nós, portugueses, seus parceiros na mais velha
aliança europeia, brindaram-nos no passado com o Ultimato do Mapa Cor-de-Rosa.
Cento e trinta anos mais tarde a fórmula é mais refinada, e de ultimato passaram
a chantagem, potenciada por terem a melhor escola diplomática do mundo!
Convém recordar aos cidadãos
do Reino Unido a essência da União Europeia: um conjunto de Estados e de Povos
que aderem a um projeto de partilha voluntária de soberania. Palavras sobre
cujo significado não temos que nos alongar, por tão direto e transparente!
E a que temos assistido nas
últimas décadas? A uma permanente chantagem de Londres sobre o projeto e
parceiros da UE!
Desde o “quero o meu dinheiro
de volta” da Sra. Thatcher, perspetivado numa altura em que o Reino Unido era
um importante contribuinte líquido do sorvedouro que representava a Política
Agrícola Comum. Reembolso britânico esse que se perpetua em todos os quadros
financeiros plurianuais da EU, mesmo quando há muito deixaram de ser
contribuintes da PAC!
Foi a autoexclusão do Euro, do
espaço de Schengen, os entraves a uma política externa, de segurança e de
defesa comuns, única forma de projetar a UE à escala global! Para cúmulo, a
exclusão da aplicação das nossas políticas sociais, com a agravante de, embora
o Reino Unido não participe nas votações sobre esta matéria no Conselho, sob a
capa de que os Deputados Europeus não representam os seus países mas o conjunto
de todos os cidadãos europeus (tão bela e útil ingenuidade!), os seus Deputados
em Estrasburgo tem todo o direito de participar no processo legislativo,
podendo inclusivamente fazer votar disposições que possam distorcer a
concorrência a favor das suas indústrias, fingindo querer apenas beneficiar os
trabalhadores europeus mas tais normas não se aplicando aos trabalhadores
britânicos!
A incerteza sobre o resultado
é grande, entre Conservadores e Trabalhistas as sondagens são demasiado
próximas. E seguramente teremos uma substancial descida dos liberais e um
crescimento dos antieuropeus do Ukip. Muito menos podemos antecipar como será a
tradução em mandatos dos votos hoje expressos. Com o seu anacrónico sistema
eleitoral de “First past the post”, em teoria um partido com apenas 30% dos
votos mas que ganhe todas as circunscrições teria 100% dos Deputados! Prevê-se
sim, por exemplo, que depois do malogrado referendo escocês os deputados da
Escócia, onde tradicionalmente os trabalhistas elegiam número substancial de
Deputados, possam agora ser eleitos todos pelo Partido Nacionalista Escocês.
O que poucos parecem duvidar é
que o próximo governo de Sua Majestade será de coligação. As combinações e
cenários possíveis são inúmeros, e não interessa aqui analisá-las. O tema aqui
é sobre a palavra chantagem. E ela não vem de Nigel Farage e do seu Ukip que
tem expressamente como bandeira a saída da UE. Vem sim de David Cameron que,
seguindo uma linha oportunista e populista em ziguezague procurando agradar a
alguns eurocéticos, promete um referendo sobre a permanência do Reino Unido na
União Europeia para 2016. Será que alguns políticos não percebem que quando
entram por caminhos já ocupados por outros, o eleitorado prefere sempre o
original à fotocópia?
É certo que Cameron já adiou
no passado a data desse mesmo referendo. Num acordo de Governo que venha a
fazer com outros que não o Ukip, poderá aproveitar essa oportunidade para
voltar a protelar essa definição. Mas nós não!
Caso o Partido Conservador
venha a liderar o próximo Governo de Londres, os outros 27 Estados Membros, os
nossos Povos, as Instituições Comunitárias, têm o direito, direi mais, têm a
obrigação de exigir uma imediata clarificação da sua posição. Para que esperar
então por 2016? Referendo já!
A União Europeia não é uma
prisão nem uma decisão irreversível. Só cá deve estar quem quer (e são tantos
os que querem aderir!). E só faz falta quem cá está! E que fique bem expresso a
opinião pública britânica que não são os 27 que vão mudar as regras para que o
Reino Unido se mantenha na UE! Pelo contrário, na situação em que vivemos, o
progresso de 500 milhões de cidadãos necessita de mais coesão, de mais
aprofundamento, de mais integração, de falar mais em uníssono, de mais
“Europa”!
Lamentamos que todo o capital
político que um Primeiro-Ministro Britânico deveria ter para ajudar a melhorar
a UE, tornando-a mais democrática, amiga dos cidadãos e das empresas e menos
burocrática, tenha sido desperdiçado por tanto populismo de David Cameron. A
sua opinião é hoje muito pouco ouvida na Europa.
E que fique bem claro também
que não há meias-tintas: ou ficam e participam de boa-fé, ou saem de tudo e
ficam “orgulhosamente sós” – como sabemos nunca deu bom resultado!
Lamentaremos uma eventual
saída do Reino Unido! Pela sua grandiosa história, pelo que fizeram pela
liberdade do nosso Continente, pela sua importância demográfica, económica e
financeira. Mas preferimos isso a esta chantagem permanente, a um impedir a
consolidação de um projeto.
Por isso, amanhã, é hora de
dizer basta!
Título e Texto: Mário David, Ex-Secretário de Estado
dos Assuntos Europeus, Observador,
7-5-2015
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