José Milhazes
Os ataques do PCP ao Bloco trazem à
memória a guerra lançada pelo ditador soviético Estaline contra a
social-democracia europeia nos anos 30 do século XX, uma das causas da chegada
de Hitler ao poder.
Não é por proximidade
ideológica, mas por mero interesse profissional que à quinta-feira leio
“religiosamente” o “Avante”, órgão do Comité Central do Partido Comunista
Português, e constato que, do ponto de vista ideológico, os comunistas
portugueses em nada se afastaram de Estaline no que respeita ao combate contra
o Bloco de Esquerda, seu actual parceiro no apoio ao governo de António Costa.
No último número desse jornal,
tal como aconteceu em números anteriores, o Bloco de Esquerda e os seus aliados
internacionais são um dos principais alvos do ataque dos comunistas
portugueses. Na crónica internacional “Ilusões e luta”, pode ler-se: “Na Grécia
e França, importantes lutas marcam a actualidade. Governos auto-proclamados de
esquerda – ou até da «esquerda radical» – estão a concretizar as políticas
anti-laborais e anti-sociais do grande capital financeiro. Mas a resistência
tem-se manifestado nas ruas e em greves, organizada pelo movimento sindical e
organizações políticas ligadas à defesa dos interesses de quem trabalha, e não
aos interesses de quem lucra”.
E para que não fiquem dúvidas,
o autor acrescenta: “Na Grécia é o governo da «esquerda radical do Syriza – tão
promovido por certa esquerda europeia, como o BE, que se pendurava ao pescoço
de Tsipras nos dias de glória eleitoral para depois fazer de contas que nem
sabia quem fosse – que está a promover mais um feroz ataque ao martirizado povo
grego. Desta vez com uma «reforma» do sistema de pensões. De proclamado
opositor e resistente aos ditames da UE, o governo Tsipras tornou-se num fiel
executante das políticas de austeridade da Comissão Europeia, Banco Central
Europeu e FMI. Mas o governo Tsipras foi mais além, colaborando com o belicismo
imperialista”.
No plano da política interna
portuguesa, isto apenas destaca que o Bloco de Esquerda é um dos principais
adversários e concorrentes do PCP, mais perigoso até do que os chamados
partidos de direita: CDS/PP e PSD. Os comunistas receiam entrar numa rota
irreversível de extinção, cujo processo poderá favorecer o BE.
Este tipo de ataques do PCP ao
BE traz à memória a guerra lançada pelo ditador soviético José Estaline contra
a social-democracia europeia nos anos 30 do século XX, uma das causas da
chegada de Adolfo Hitler ao poder na Alemanha. Foi então que surgiu o termo
“social-fascismo”, criado por Moscovo para denegrir a esquerda democrática na
época.
Mais tarde, como é sabido, o
“feitiço virou-se contra o feiticeiro” e o termo “social-fascista foi utilizado
pela extrema-esquerda portuguesa para atacar o partido de Álvaro Cunhal.
No plano externo, é “comovente”
(mas não surpreendente) a admiração que o Partido Comunista Português nutre por
dirigentes como Vladimir Putin. O “Avante” noticia: “Segunda-feira, 9, a Praça
Vermelha foi palco de um impressivo desfile envolvendo cerca de 10 mil
militares (pela primeira vez participou um esquadrão feminino de cadetes), 135
veículos e 71 aviões. O presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, apelou à
construção de «um novo bloco de segurança internacional para derrotar o
terrorismo», que considerou uma séria ameaça contemporânea””.
Não vamos perder tempo a
comentar o facto de manifestações dessas terem como único objectivo demonstrar
força militar, pois, caso contrário, o Kremlin faria melhor canalizar os meios
financeiros gastos nestes espectáculos para o apoio aos veteranos russos da
Segunda Guerra Mundial, muitos dos quais recebem pensões miseráveis e não têm
meios para tratar da sua saúde.
Fica-se com a sensação de que
os comunistas portugueses esperam que Vladimir Putin volte a ressuscitar dos
mortos a União Soviética, esperança completamente vã. É verdade que o dirigente
russo tem algumas coisas de comum com os líderes comunistas soviéticos: é
autoritário, usa e abusa do discurso “anti-imperialista”, ou seja,
anti-americano para justificar todos os males do seu próprio país e do mundo em
geral, esperando assim desviar a atenção dos russos do estado em que se
encontra a Rússia.
Mas, na realidade, a política
social e económica por Putin realizada assemelha-se muito à da extrema-direita
autoritária, nomeadamente ao salazarismo. Ele criou na Rússia um sistema
corporativo que faria inveja a qualquer ditador. Basta olhar para o estado do
movimento sindical russo, completamente controlado pelo Kremlin. Se são raras
as notícias sobre greves e conflitos sociais na Rússia, isso não se deve à
prosperidade económica e social, mas à acção de um aparelho repressivo cada vez
maior e mais brutal.
Dito isto, só encontro uma
explicação para este fenómeno e ela já não é nova: os extremos tocam-se.
Voltando à guerra entre o PCP
e o BE, os militantes desta última organização têm mais sorte do que os seus
congéneres soviéticos, nomeadamente Lev Trotski, porque Portugal não corre,
pelo menos por enquanto, o risco de ver os comunistas chegarem ao poder. Se tal
desgraça acontecesse, receio que seria desenterrado o famoso pica-gelo
utilizado por Estaline para liquidar o seu mais directo adversário na luta pelo
poder: Trotski.
Título e Texto: José Milhazes, Observador,
14-5-2016
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