domingo, 28 de agosto de 2016

A triste ironia da queda de Dilma Rousseff – traduzindo o Editorial do Le Monde

Primeiro, recebi do portal “Notícias ao Minuto”, edição Brasil (tem também a edição portuguesa com as mesmíssimas características: títulos sensacionalistas, muitas vezes não correspondentes ao texto!): Jornal francês 'Le Monde' questiona: golpe ou farsa?.

Curiosamente, os dois jornais escrevem “farsa”.

18 de agosto de 2016, foto: Eraldo Peres/AP

Humm… não é segredo para ninguém que esse jornal francês é de orientação ideológica esquerdista. Well, mas tudo bem, então procurei o original do editorial em busca frenética da afirmação “Queda de Dilma ou é golpe de Estado ou é farsa.” Achei algo parecido na última frase do texto, eu disse, na última frase do texto. Já lá vamos.

Eis a minha tradução do texto do Le Monde. Original aqui ou aqui.

Faço-a apelando aos meus conhecimentos da língua francesa, de improviso, digamos. Isso quer dizer que porventura algum vocábulo pode ter, gramaticalmente, um significado diferente do meu ‘improviso’.

“Primeira mulher presidente do Brasil, Dilma Rousseff vive seus últimos dias no cume (cúpula) do Estado. O resultado do seu processo de destituição, aberto na quinta-feira, 25 de agosto, no Senado, não traz nenhuma dúvida. A menos (que aconteça) um golpe de teatro, a protegida do bem-amado presidente Lula (2003-2010), suspensa das suas funções em maio, será definitivamente apeada do poder em 30 ou 31 de agosto.

Dilma Rousseff cometeu erros políticos, econômicos e táticos. Mas a sua exclusão, motivada por acrobacias contábeis às quais ela se dedicou assim como outros presidentes, não passará à posteridade como um episódio glorioso da jovem democracia brasileira.

Para descrever o processo corrente, os seus seguidores evocam “um crime perfeito”. O impeachment, na Constituição brasileira, tem todos os trunfos da legitimidade. (No original está ‘atours’). Ninguém, na verdade, veio desalojar Dilma Rousseff, reeleita em 2014, pela força das baionetas. A antiga guerrilheira ela mesma usou de todos os recursos legais para se defender, em vão. Impopular e inábil, Dilma Rousseff  diz-se vítima de um ‘golpe de Estado’ fomentado por seus adversários, pela mídia, e em particular pela televisão Globo, às ordens de uma elite econômica preocupada em preservar os seus interesses pretensamente ameaçados pela sede de igualitarismo do seu partido, o Partido dos Trabalhadores.

A ovelha negra de uma parte dos Brasileiros
Esta guerra no topo desenrolou-se sobre um fundo de revolta social. Depois dos ‘anos felizes’ de prosperidade econômica, de avanços sociais e do recuo da pobreza sob os dois mandatos de Lula, chegou, desde 2103, o tempo das reivindicações econômicas. O acesso ao consumo, a organização da Copa do Mundo, depois os Jogos Olímpicos não eram mais de natureza a satisfazer o povo. Este queria além do ‘pão e jogos’: escolas, hospitais, uma polícia confiável.

O escândalo em grande escala do grupo da petrolífera Petrobras acabou por escandalizar um país maltratado por uma crise econômica sem precedente. Em pleno desespero, uma parte dos Brasileiros fez do juiz Sérgio Moro, responsável pela operação ‘Lava Jato’, o seu herói e da presidente a sua ovelha negra.

A ironia é que se a corrupção fez descer às ruas milhões de brasileiros nestes últimos meses, não será por causa disso que cairá Dilma Rousseff. Pior: os artesãos da sua queda não são, eles próprios, anjinhos. O homem que lançou o processo de destituição, Eduardo Cunha, antigo presidente da Câmara dos Deputados, é acusado de corrupção e de lavagem de dinheiro. A presidente do Brasil é julgada por um Senado, cujo um terço dos eleitos é, segundo o site Congresso em Foco, objeto de investigações criminais. Ela será substituída pelo seu vice-presidente, Michel Temer, portanto suposto de estar inelegível durante oito anos por ter ultrapassado o limite autorizado de despesas de campanha eleitoral.

O braço-direito de M. Temer, Romero Jucá, antigo ministro do Planejamento do governo interino, foi desconcertado em maio por uma escuta telefônica do mês de março na qual ele reclamava explicitamente uma “troca de governo” para barrar o caminho da operação judicial ‘Lava Jato”. Se não existe golpe de Estado, existe, pelo menos, fraude. E as verdadeiras vítimas desta tragicomédia são, infelizmente, os Brasileiros."
(S’il n’y a pas coup d’Etat, il y a au moins tromperie. Et les vraies victimes de cette tragi-comédie politique sont, malheureusement, les Brésiliens.)
Le Monde, 26-8-2016

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