domingo, 20 de janeiro de 2019

[As danações de Carina] A vaga dos acabados

Carina Bratt

Gosto de observar a vida, o cotidiano das pessoas, o que fazem, como vivem, como se comportam no dia a dia. Foi num destes exames que, ao me debruçar (não sobre os que moram em palácios e vivem nababescamente), sobre uma comunidade carente de São Paulo, uma irmandade, ou como queiram rotular, uma confraria tão grande, tão imensa que em 2015, acabou virando trama de novela, no horário das sete da noite, na Rede Globo. Faço referência, evidentemente ao folhetim “I love Paraisópolis”, com Caio Castro e Bruna Marquezine.

Maurício Destri, Bruna Marquezine e Caio Castro
Percebi, nesta minha vigília, que este pessoal de baixa renda, os menos favorecidos pelos benfazejos da ventura, os não ricos, ou ainda, os que não têm as alegrias e as felicidades plenas dos abastados, estas criaturas literalmente são as que mais sabem viver, ou sobreviver ou se comportarem diante desta sociedade de hipócritas que as esmaga e as abate, fazendo com boa parte desta mesma agremiação resista bravamente e ao deus dará, notadamente à espera de um milagre que nunca se concretizará.

Embora o mundo ao redor destas almas sofridas seja o mais devastador possível, os milhares de espoliados e arrasados, os mais dignos de penas, estes indivíduos demolidos pelos insucessos e pisoteados pela contramão do destino, não se entregam, não se deixam levar pela carência ou pela falta do básico e do essencial para seguirem firmes e fortes após uma gama enorme de azares e contratempos. Eles pelejam em frente, cabeças erguidas, sem esmorecerem, sem titubearem, sem entregarem os pontos.

Reparei que o mesmo infinito magnânimo que os contempla lá do alto, todos os dias, o sol abrasante que calcina e rejuvenesce o mesmo ar ameno e saudável que traz a tranquilidade e a chuva aprazível e benigna, a prosperidade que faz mudar o quadro das cidades, as noites estreladas que abraçam os casais românticos e embalam os apaixonados, literalmente são idênticos.

Em pulo paralelo, a mesma paz que contempla os nascidos em berços de ouro, ou dito de forma mais clara, aqueles seres dotados dos bolsos cheios, dos que se alimentam das tragédias e insucessos dos flagelados e ulcerados pela fachada infame dos dissabores e estorvos, desfrutam do mesmo apogeu. De forma diferente, claro, todavia, as benesses são as conhecidas, sem tirar nem pôr.

Nesta multiplicidade de eventos funestos, nesta agitação desordenada, igualmente neste distúrbio fuzuezado e bulicioso, depreendi que os protagonistas desprovidos de todos os privilégios e prerrogativas, os divorciados de todos os direitos existentes, são os mais felizes. Isto mesmo, minhas caras amigas e leitoras. OS MAIS FELIZES E PRÓSPEROS. Os mais abençoados e premiados ou admirados pelo Criador. 

Descobri ainda, em ótica similar, olhando e anotando o diário e o habitual, que os modestos e súplices são os que mais sabem recriar ou refazer anfemeramente a própria sorte miserável. Melhor explicado. 

Reinventado, de forma criativa e inovadora, o que os ricos simplesmente jogam fora. Vejamos alguns exemplos destes desperdícios, que os miseráveis, ao nosso redor, oferecem vida nova através do incomum do REAPROVEITAMENTO.

Das velhas toalhas de banho, ou de rostos, dos lençóis e das fronhas, surgirão excelentes panos de chão. Das latinhas de cerveja, ou das embalagens de extratos de tomates, entrarão em cena meia dúzia ou mais de copos, ou porta-lápis, ou ainda “apetrechos” para armazenamentos de tubos de dentifrícios e escovas de dentes.

Das inutilizadas blusas de marca e saias das quais as “aborrecentes” deixaram ao acaso do esquecimento, pintarão, no pedaço, panos para tirar o pó dos móveis. Dos envoltórios de manteiga, ou margarina, desabrocharão lindos tupperwares. Das garrafas de refrigerantes, certamente virão à tona jarras de água para geladeiras caindo aos pedaços com as portas (que de tão velhas vivem) escoradas em cadeiras ou pedaços de paus.


Dos invólucros de sorvetes, potinhos para guardar feijão, arroz sobras de carne e outros restos de alimentos não consumidos no almoço, que servirão para o jantar. Das sacolinhas de supermercados, as latas de sujidades em cima das pias ou aos pés das portas, despontarão saquinhos novos que conterão os dejetos a serem dispensados aos caminhões de lixo.

Dos cabos de vassouras, arrimos para secarem roupas à guisa de varais. Das carcaças de computadores, bibelôs para enfeitarem as estantes das salas. Das bolsas velhas, pastas para os filhos levarem os cadernos para as escolas. Dos velhos refrigeradores, depósitos para quinquilharias em fundos de quintais.         


Compreendi, nestas minhas especulações, que o resgate, ou o socorro para o meio ambiente está nas mãos dos não recompensados com as garras da opulência, ou da abastança. Resumindo, amigas leitoras, só os pobres têm a solução definitiva para a salvação do meio ambiente. Estes nossos amigos (à margem da sociedade, ou da solidariedade, verdadeiramente) sabem como achar aqueles espaços a esmo, ou escondidos, para RECICLAREM aquilo que, para muitos, se tornou antiquado.
Título e Texto. Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 20-1-2019

NOTA TRISTE DE RODAPÉ: gostaríamos de registrar dois falecimentos que, infelizmente, precisamos nos fazer presentes e, claro, muito nos entristeceram.

O primeiro, na sexta-feira, dia 18, do cantor Marciano [foto], em São Caetano do Sul, São Paulo, que fez história ao lado de João Mineiro e, desde 2015, com o falecimento de José Rico, ao lado do sertanejo Milionário.


E ontem, sábado, 19, aqui no Rio de Janeiro, do músico Marcelo Yuka fundador da banda O Rappa.

Às famílias enlutadas, as nossas mais sinceras condolências.
Carina Bratt e Aparecido Raimundo de Souza

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