terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Pela nova Europa fora

Nuno Rogeiro

Resolvi colocar a mochila às costas e revisitar os sítios onde se diz estar em construção uma Nova Europa: populista, nacionalista, alérgica à imigração descontrolada e às reguadas de Bruxelas. Eis um relato impressionista do que vi, ouvi e senti. Já não se pode ignorar aquela realidade com um simples resmungo

Andar por Roma, Budapeste [foto], Varsóvia e Viena, no começo de 2019, é percorrer símbolos de uma Europa que foi conquistada por símbolos politicamente incorretos.


A sul e a oeste, os velhos partidos continuam a governar, no meio de abstenção galopante nas urnas, e coletes de várias cores nas ruas. No centro, a hora é de deputados, autarcas, dirigentes associativos e ministros relativamente jovens, com um brilhozinho nos olhos, que dizem querer varrer as velhas perversões governamentais: corrupção, peculato, compadrio, secretismo, verborreia, autismo, “elitismo”, discricionariedade e ineficácia.

Enquanto meridionais e ocidentais permanecem no centro político, o centro geográfico vira “à direita”, ou pelo menos a alguma coisa que não cheira à velha “esquerda”.

Ideias gerais desta Nova Europa: ordem e limpeza nas ruas, trabalho intenso, mas bem remunerado, meritocracia, prioridade aos nacionais nas atenções sociais e assistenciais do estado, recuperação de línguas comuns, fim das chamadas “opressões fiscais, orçamentais e financeiras”, regresso às “tradições” pátrias, regionais, locais, municipais.

Nalguns burgos nota-se mais a influência religiosa, e um retorno a assuntos de espiritualidade, noutros trata-se antes de um tradicionalismo laico, ou até do que um eleito italiano chama “cosmopolitismo nacional” e “comunitarismo secular”.

Nalguns dos estados da Nova Europa – sobretudo Polônia e Hungria – há tensões entre governos temporários e eleitos, que se consideram missionados e mandatados para “limpar” velhos vícios, e estruturas permanentes, como as magistraturas. Uns dizem não ter tempo a perder, os outros afirmam que tem sempre de haver tempo procedimental. Uns exibem a legitimidade das urnas e do “poder popular”, os outros a legitimidade dos freios e contrapesos instituídos, e das constituições originárias.

Noutros – casos da Itália e Áustria – há “pactos de regime” em que os vários órgãos do Estado se colocam (momentaneamente) de acordo para sanar males gerais, da ruína das velhas infraestruturas ao controlo férreo da imigração clandestina, da luta contra a máfia à reforma de impostos e taxas, da modernização administrativa ao investimento público “útil” no desenvolvimento.

Apesar de todos estes Estados terem na origem dos novos regimes movimentos de “ressurreição”, “redenção”, “salvação nacional”, não se sente nas ruas um frenesim militante. Tudo surge até como um conjunto de transformações “normais” e tecnocráticas, temperadas por décadas de urbanismo e urbanidade, com continuada pluralidade de caras, discussões, ideias e palavras. Parecem mais regimes de putativos bons pais de família, do que sistemas guiados por caudilhos, condottiere, heróis trágicos ou aventureiros.

Varsóvia e Budapeste chegaram a este comboio mais cedo, Viena e Roma mais tarde. Mas todas parecem representar “modelos” em construção, onde os locais assumem uma espécie de “retoma de controlo” dos seus destinos, a que não chamam “egoísmo”, e que não só não consideram retrógrado ou reacionário, mas necessário, evidente, revolucionário e progressista.

Por outras palavras, estas cidades simbolizam Estados que reclamam eles mesmo um estatuto de modernidade, sofisticação, paz civil, produtividade, riqueza, justiça e iluminismo. A Nova Europa acha que deixou para trás todo o oposto: lixo físico, moral, intelectual, económico e social. Não deseja a morte, mas uma nova vida. Não quer guerras longínquas em nome de outros, mas combates internos por melhor educação, transporte, poder de compra e serviços.

Esta Nova Europa, através dos seus filhos, declara-se incompreendida e difamada a sul e a oeste. Afirma que continua a manter liberdades civis e direitos políticos, sociais e económicos, mas define-os e aplica-os de forma própria.

Parece segura de si e mostra as suas raízes. Convém perceber o que ali se passa.
Título e Texto: Nuno Rogeiro, SÁBADO, nº 767, de 10 a 16 de janeiro de 2018
Digitação: JP

2 comentários:

  1. Sua narrativa foi impecável ao ponto de fazer o leitor viajar junto ao texto. Parabéns e agradeço pela viagem!

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  2. Finalmente no Brasil a rule of law pelas mãos do Ministro Sérgio Moro. Thank you, Bolsonaro!

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