Nuno Rogeiro
Resolvi colocar a mochila às costas e
revisitar os sítios onde se diz estar em construção uma Nova Europa: populista,
nacionalista, alérgica à imigração descontrolada e às reguadas de Bruxelas. Eis
um relato impressionista do que vi, ouvi e senti. Já não se pode ignorar aquela
realidade com um simples resmungo
Andar por Roma, Budapeste [foto],
Varsóvia e Viena, no começo de 2019, é percorrer símbolos de uma Europa que foi
conquistada por símbolos politicamente incorretos.
A sul e a oeste, os velhos partidos continuam a governar, no meio de abstenção galopante nas urnas, e coletes de várias cores nas ruas. No centro, a hora é de deputados, autarcas, dirigentes associativos e ministros relativamente jovens, com um brilhozinho nos olhos, que dizem querer varrer as velhas perversões governamentais: corrupção, peculato, compadrio, secretismo, verborreia, autismo, “elitismo”, discricionariedade e ineficácia.
Enquanto meridionais e
ocidentais permanecem no centro político, o centro geográfico vira “à direita”,
ou pelo menos a alguma coisa que não cheira à velha “esquerda”.
Ideias gerais desta Nova
Europa: ordem e limpeza nas ruas, trabalho intenso, mas bem remunerado, meritocracia,
prioridade aos nacionais nas atenções sociais e assistenciais do estado,
recuperação de línguas comuns, fim das chamadas “opressões fiscais, orçamentais
e financeiras”, regresso às “tradições” pátrias, regionais, locais, municipais.
Nalguns burgos nota-se mais a
influência religiosa, e um retorno a assuntos de espiritualidade, noutros
trata-se antes de um tradicionalismo laico, ou até do que um eleito italiano
chama “cosmopolitismo nacional” e “comunitarismo secular”.
Nalguns dos estados da Nova
Europa – sobretudo Polônia e Hungria – há tensões entre governos temporários e
eleitos, que se consideram missionados e mandatados para “limpar” velhos
vícios, e estruturas permanentes, como as magistraturas. Uns dizem não ter
tempo a perder, os outros afirmam que tem sempre de haver tempo procedimental.
Uns exibem a legitimidade das urnas e do “poder popular”, os outros a
legitimidade dos freios e contrapesos instituídos, e das constituições
originárias.
Noutros – casos da Itália e
Áustria – há “pactos de regime” em que os vários órgãos do Estado se colocam
(momentaneamente) de acordo para sanar males gerais, da ruína das velhas
infraestruturas ao controlo férreo da imigração clandestina, da luta contra a
máfia à reforma de impostos e taxas, da modernização administrativa ao
investimento público “útil” no desenvolvimento.
Apesar de todos estes Estados
terem na origem dos novos regimes movimentos de “ressurreição”, “redenção”,
“salvação nacional”, não se sente nas ruas um frenesim militante. Tudo surge
até como um conjunto de transformações “normais” e tecnocráticas, temperadas
por décadas de urbanismo e urbanidade, com continuada pluralidade de caras,
discussões, ideias e palavras. Parecem mais regimes de putativos bons pais de
família, do que sistemas guiados por caudilhos, condottiere, heróis trágicos ou aventureiros.
Varsóvia e Budapeste chegaram
a este comboio mais cedo, Viena e Roma mais tarde. Mas todas parecem
representar “modelos” em construção, onde os locais assumem uma espécie de
“retoma de controlo” dos seus destinos, a que não chamam “egoísmo”, e que não
só não consideram retrógrado ou reacionário, mas necessário, evidente,
revolucionário e progressista.
Por outras palavras, estas
cidades simbolizam Estados que reclamam eles mesmo um estatuto de modernidade,
sofisticação, paz civil, produtividade, riqueza, justiça e iluminismo. A Nova
Europa acha que deixou para trás todo o oposto: lixo físico, moral,
intelectual, económico e social. Não deseja a morte, mas uma nova vida. Não
quer guerras longínquas em nome de outros, mas combates internos por melhor
educação, transporte, poder de compra e serviços.
Esta Nova Europa, através dos
seus filhos, declara-se incompreendida e difamada a sul e a oeste. Afirma que
continua a manter liberdades civis e direitos políticos, sociais e económicos,
mas define-os e aplica-os de forma própria.
Parece segura de si e mostra
as suas raízes. Convém perceber o que ali se passa.
Título e Texto: Nuno Rogeiro, SÁBADO, nº 767, de 10 a 16 de janeiro de 2018
Digitação: JP
Sua narrativa foi impecável ao ponto de fazer o leitor viajar junto ao texto. Parabéns e agradeço pela viagem!
ResponderExcluirFinalmente no Brasil a rule of law pelas mãos do Ministro Sérgio Moro. Thank you, Bolsonaro!
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