Ferreira Gullar

Minha história com o PT é
indicativa desse esforço por ver as coisas objetivamente. Na época em que se
discutia o nascimento desse novo partido, alguns companheiros do Partido
Comunista opunham-se drasticamente à sua criação, enquanto eu argumentava a
favor, por considerar positivo um novo partido de trabalhadores. Alegava eu
que, se nós, comunas, não havíamos conseguido ganhar a adesão da classe
operária, devíamos apoiar o novo partido que pretendia fazê-lo e, quem sabe, o
conseguiria.
Lembro-me do entusiasmo de
Mário Pedrosa por Lula, em quem via o renascer da luta proletária, paixão de
sua juventude. Durante a campanha pela Frente Ampla, numa reunião no Teatro
Casa Grande, pela primeira vez pude ver e ouvir Lula discursar.
Não gostei muito do tom
raivoso do seu discurso e, especialmente, por ter acusado "essa gente de
Ipanema" de dar força à ditadura militar, quando os organizadores daquela
manifestação - como grande parte da intelectualidade que lutava contra o regime
militar - ou moravam em Ipanema ou frequentavam sua praia e seus bares. Pouco
depois, o torneiro mecânico do ABC passou a namorar uma jovem senhora da alta
burguesia carioca.
Não foi isso, porém, que me
fez mudar de opinião sobre o PT, mas o que veio depois: negar-se a assinar a
Constituição de 1988, opor-se ferozmente a todos os governos que se seguiram ao
fim da ditadura -o de Sarney, o de Collor, o de Itamar, o de FHC. Os poucos
petistas que votaram pela eleição de Tancredo foram punidos. Erundina, por ter
aceito o convite de Itamar para integrar seu ministério, foi expulsa.
Durante o governo FHC, a coisa
se tornou ainda pior: Lula denunciou o Plano Real como uma mera jogada
eleitoreira e orientou seu partido para votar contra todas as propostas que
introduziam importantes mudanças na vida do país. Os petistas votaram contra a
Lei de Responsabilidade Fiscal e, ao perderem no Congresso, entraram com uma
ação no Supremo a fim de anulá-la. As privatizações foram satanizadas,
inclusive a da Telefônica, graças à qual hoje todo cidadão brasileiro possui
telefone. E tudo isso em nome de um esquerdismo vazio e ultrapassado, já que
programa de governo o PT nunca teve.
Ao chegar à presidência da
República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio. Não
obstante, para espanto meu e de muita gente, conquistou enorme popularidade e,
agora, ameaça eleger para governar o país uma senhora, até bem pouco
desconhecida de todos, que nada realizou ao longo de sua obscura carreira
política.
No polo oposto da disputa está
José Serra, homem público, de todos conhecido por seu desempenho ao longo das
décadas e por capacidade realizadora comprovada. Enquanto ele apresenta ao
eleitor uma ampla lista de realizações indiscutivelmente importantes, no plano
da educação, da saúde, da ampliação dos direitos do trabalhador e da cidadania,
Dilma nada tem a mostrar, uma vez que sua candidatura é tão simplesmente uma
invenção do presidente Lula, que a tirou da cartola, como ilusionista de circo
que sabe muito bem enganar a plateia.
A possibilidade da eleição
dela é bastante preocupante, porque seria a vitória da demagogia e da farsa
sobre a competência e a dedicação à coisa pública. Foi Serra quem introduziu no
Brasil o medicamento genérico; tornou amplo e efetivo o tratamento das pessoas
contaminadas pelo vírus da Aids, o que lhe valeu o reconhecimento internacional.
Suas realizações, como prefeito e governador, são provas de indiscutível
competência. E Dilma, o que a habilita a exercer a Presidência da República?
Nada, a não ser a palavra de Lula, que, por razões óbvias, não merece crédito.
O povo nem sempre acerta. Por
duas vezes, o Brasil elegeu presidentes surgidos do nada -Jânio e Collor. O
resultado foi desastroso. Acha que vale a pena correr de novo esse risco?
Ferreira Gullar, Folha de São Paulo, 05-09-2010
Vão!
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