Luís Almeida Martins
É engraçado como as coisas são. A palavra “luso”
(e o seu feminino “lusa”), que tanto pode ser substantivo como adjetivo, serve
desde há muito de sinónimo a “português”. Os Espanhóis, sobretudo, utilizam-na
muito na imprensa quando querem referir-se a estes seus vizinhos, que somos
nós: el gobierno luso, la capital lusa…
Talvez a generalidade das pessoas, sem refletir muito no assunto, julgue que se
trata de uma abreviatura de “lusitano”. Mas passa-se exatamente o contrário.
Luso é anterior aos lusitanos.
De que Luso estamos a falar? Aparentemente, de uma
figura da mitologia greco-latina, de um filho de Baco, o deus do
Vinho. Significará isto que os Portugueses são todos uns bêbedos? Claro que
não. O facto de este nosso lendário progenitor ser filho de Baco deve-se ao
acaso ou, quando muito, a uma coincidência. E pode mesmo derivar de um erro de
tradução de obras mitológicas latinas onde autores romanos como Plínio, o Velho, e Varrão atribuíam a Baco a
conquista do ocidente da Hispânia. Nesses textos, lusus pode significar “jogo”, “brincadeira” ou “diversão”, e não
ser um nome próprio. Estaria assim a falar-se da conquista da região como de um
“divertimento do pai Baco”. E daí a confusão com “Luso de pai Baco”, ao que
parece por culpa do humanista português André de Resende, que no século XVI, terá traduzido a coisa mal.
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O retrato de Camões por Fernão Gomes, em cópia de
Luís de Resende. Este é considerado o mais autêntico retrato do poeta, cujo
original, que se perdeu, foi pintado ainda em sua vida.
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Bem ou mal traduzido, o que importa é que Luís de Camões logo a seguir pegou na ideia e a desenvolveu
largamente no seu celebérrimo poema épico Os Lusíadas. Daí em diante, o enigmático Luso
“tornou-se” mesmo o fundador de Portugal. Coisa que, aliás, veio a dar um jeito
enorme durante o período da anexação do país à Coroa espanhola (1580-1640),
quando importava reivindicar para este retângulo uma autonomia, uma antiguidade
e uma paternidade respeitáveis. E haveria coisa mais venerável e séria do que
um país fundado pelo filho de um deus – mesmo que esse deus fosse o do
vinho?...
Perguntar-se-á então: se toda esta confusão é
muito posterior, de onde vêm os nomes Lusitânia aplicado pelos Romanos a uma
das suas províncias da Península Ibérica e Lusitanos a um dos povos que a
habitavam? Pode vir da expressão celta Lus
Tanos (“Tribo de Lus”), mas não se sabe ao certo, tanto mais que os
próprios Lusitanos não se reviam nesse nome.
Certeza, só uma: Luso, filho de Baco, nunca
existiu. E baco também não, claro. O melhor será mesmo mudarmos de assunto.
Título e Texto: Luís Almeida Martins, in
“365 DIAS com histórias da HISTÓRIA de PORTUGAL”, páginas 23 e 24.
Digitação e Edição: JP
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