domingo, 7 de outubro de 2012

Luso, o "fundador" de Portugal

Luís Almeida Martins
É engraçado como as coisas são. A palavra “luso” (e o seu feminino “lusa”), que tanto pode ser substantivo como adjetivo, serve desde há muito de sinónimo a “português”. Os Espanhóis, sobretudo, utilizam-na muito na imprensa quando querem referir-se a estes seus vizinhos, que somos nós: el gobierno luso, la capital lusa… Talvez a generalidade das pessoas, sem refletir muito no assunto, julgue que se trata de uma abreviatura de “lusitano”. Mas passa-se exatamente o contrário. Luso é anterior aos lusitanos.

De que Luso estamos a falar? Aparentemente, de uma figura da mitologia greco-latina, de um filho de Baco, o deus do Vinho. Significará isto que os Portugueses são todos uns bêbedos? Claro que não. O facto de este nosso lendário progenitor ser filho de Baco deve-se ao acaso ou, quando muito, a uma coincidência. E pode mesmo derivar de um erro de tradução de obras mitológicas latinas onde autores romanos como Plínio, o Velho, e Varrão atribuíam a Baco a conquista do ocidente da Hispânia. Nesses textos, lusus pode significar “jogo”, “brincadeira” ou “diversão”, e não ser um nome próprio. Estaria assim a falar-se da conquista da região como de um “divertimento do pai Baco”. E daí a confusão com “Luso de pai Baco”, ao que parece por culpa do humanista português André de Resende, que no século XVI, terá traduzido a coisa mal.

O retrato de Camões por Fernão Gomes, em cópia de Luís de Resende. Este é considerado o mais autêntico retrato do poeta, cujo original, que se perdeu, foi pintado ainda em sua vida.
Bem ou mal traduzido, o que importa é que Luís de Camões logo a seguir pegou na ideia e a desenvolveu largamente no seu celebérrimo poema épico Os Lusíadas. Daí em diante, o enigmático Luso “tornou-se” mesmo o fundador de Portugal. Coisa que, aliás, veio a dar um jeito enorme durante o período da anexação do país à Coroa espanhola (1580-1640), quando importava reivindicar para este retângulo uma autonomia, uma antiguidade e uma paternidade respeitáveis. E haveria coisa mais venerável e séria do que um país fundado pelo filho de um deus – mesmo que esse deus fosse o do vinho?...

Perguntar-se-á então: se toda esta confusão é muito posterior, de onde vêm os nomes Lusitânia aplicado pelos Romanos a uma das suas províncias da Península Ibérica e Lusitanos a um dos povos que a habitavam? Pode vir da expressão celta Lus Tanos (“Tribo de Lus”), mas não se sabe ao certo, tanto mais que os próprios Lusitanos não se reviam nesse nome.

Certeza, só uma: Luso, filho de Baco, nunca existiu. E baco também não, claro. O melhor será mesmo mudarmos de assunto.
Título e Texto: Luís Almeida Martins, in “365 DIAS com histórias da HISTÓRIA de PORTUGAL”, páginas 23 e 24.
Digitação e Edição: JP

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