sexta-feira, 26 de outubro de 2012

PPP em Portugal. "Havia crédito, havia megalomania e a factura era para pagar depois"

Ana Suspiro
Mariana Abrantes de Sousa foi controladora financeira do Ministério das Obras Públicas no primeiro governo de Sócrates

Foto: Rodrigo Cabrita
A economista Mariana Abrantes de Sousa será das pessoas em Portugal que melhor conhecem o universo das parcerias público-privadas (PPP). O seu percurso profissional passa pela banca comercial que financiou a Lusoponte, concessionária da Ponte Vasco da Gama, até ao Banco Europeu de Investimentos (BEI) e ao Estado, onde assumiu funções de controladora (controller) financeira no Ministério das Obras Públicas de Mário Lino e Paulo Campos, do governo de José Sócrates. Hoje segue o tema com paixão no seu blogue (PPP Lusofonia). Na hora de apurar responsabilidades pela aventura portuguesa das PPP não poupa o Ministério das Finanças, então liderado por Teixeira dos Santos, que falhou no controlo da despesa de uma factura que era adiada, nem o Banco Europeu de Investimentos (BEI), que financia sem correr o risco e sem assumir a responsabilidade por apoiar projectos não viáveis.

Participou no projecto da Lusoponte, a que chamam a primeira PPP portuguesa. Um ano depois de assinado, o contrato teve de ser revisto.
Eu trabalhava no BPA e estive envolvida no projecto da Ponte Vasco da Gama. Fazia a ligação entre a banca nacional e a estrangeira. Quando o governo começou a aumentar as portagens – que deviam duplicar – aconteceu o buzinão e o bloqueio na ponte. Pouco tempo depois houve uma crise financeira que fez subir as taxas de juro, tornando o projecto insustentável do ponto de vista financeiro. Para prosseguir foi preciso reequilibrar, isto é, compensar a perda de receita e o aumento dos custos financeiros.
Nessa renegociação já era visível a assimetria entre Estado e privados?
Sim. Eu estava do lado dos privados. O Estado tinha uma equipa pontual, o Gattel, onde estavam pessoas bastantes boas e assessores estrangeiros. Mas eram menos e estavam a fazer tudo pela primeira vez. Estavam a aprender enquanto faziam.
()
O facto de os contratos só começarem a ser pagos a partir de 2014 contribuiu para esse descuido?
Claro. Se eu não tenho de pagar este ano, não tenho de introduzir no Orçamento deste ano. O tráfego e a valia económica do projecto são quase académicos porque eu não tenho de pagar já. Foi aí que as Finanças falharam. É essa factura que estamos todos a pagar. Fizemos projectos com baixa valia em termos de tráfego. Não era possível prever a dimensão da crise que hoje se vive, mas a quantidade de PPP que fizemos causou parte do problema. Quando se continuou a fazer projectos de quarta e quinta prioridade, o custo-benefício ia ser fraco.
Qual é a sua explicação para se ter avançado tanto nas estradas?
Havia dinheiro.
Havia dinheiro ou crédito?
Havia crédito, havia megalomania e a factura era para pagar depois. Se sai de casa com 20 euros, gasta 19 euros se for poupada. Há pessoas que saem com 20 e gastam 29. Ninguém tinha como sua a responsabilidade de pensar no tráfego porque os projectos passaram a depender de pagamentos por disponibilidade. É uma solução má. Qual é a solução para projectos com tráfego insuficiente? É não os fazer.
()
Ana Suspiro, jornal “i”, 26-10-2012
Leia a íntegra da entrevista aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-