Nome de guerra: André Guedes
Onde nasceu: Rio de Janeiro, Brasil
Onde estudou: Escola Normal Carmela Dutra e Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
Que faculdade?
Meteorologia, mas só fui até o segundo período. A Universidade
era em horário integral e eu precisava trabalhar.
Quando começou a trabalhar?
Comecei a trabalhar em 1968
como Professor Primário (ensino fundamental). Tive outras profissões.
Foi no Rio que deu aulas?
Sim, foi no Rio de Janeiro que
dei aulas.
Por quanto tempo deu aulas?
Por mais ou menos oito anos.
Por mais ou menos oito anos.
Que outras profissões? Podemos saber?
Sim. Deixei o magistério e fiz
concurso para Controlador de Tráfego Aéreo. Fui trabalhar no Controle de
Aproximação (APP Brasília) no CINDACTA. Fiquei lá por, mais ou menos, três anos,
quando ingressei na VARIG no setor de ‘Manuais de voo’.
Qual era exatamente a função do setor
‘Manuais de Voo’?
‘Manuais de voo’ cuidava da parte operacional dirigida aos
pilotos das aeronaves. Eram manuais com rotas, planos de voo, descrição
cartográfica dos aeroportos de todo o mundo que os pilotos consultavam sempre
durante os voos. Alertava sobre obras nas pistas de taxiamento e restrições em
rota, etc...
A minha parte era o NOTAM (Notice To Airmen). Eu fazia as traduções
de mensagens internacionais de rádio sobre essas advertências e atualizava para
os voos que partiam do Galeão. Não tínhamos e-mails nessa época.
Era um setor muito procurado por outras companhias aéreas que
operavam no Galeão.
Por que era procurado?
O que lhe faz dizer que a
“Varig sempre foi muito respeitada por
sua competência nesse setor.”?
Porque trabalhei nele algum tempo e pude constatar a seriedade
de como esses Manuais tinham de chegar perfeitos e atualizados às mãos dos
pilotos. Eram cartas de navegação com procedimentos de pouso e decolagem de
todos os aeroportos onde a Varig operava. Um mínimo erro num desses manuais e
poderia comprometer um voo. Os Comandantes confiavam nesse trabalho. Esses
manuais eram consultados pela Cabine de Comando a todo instante. Hoje, não sei
como deve ser feito isso. Talvez não se necessite mais de um setor assim. Os
Computadores fazem tudo.
A Varig era respeitada em todos os setores.
Uma empresa séria e competente em tudo que fazia. Era mais
procurada para informações (suas lojas) no exterior, que os próprios Consulados
do Brasil. Todo o setor de terra da Varig era muito profissional, as outras
empresas sabiam disso e confiavam nos trabalhos produzidos pela empresa no
Brasil. Excelência nos serviços.
Ficou no setor de Manuais
até quando?
Fiquei no setor de Manuais de voo, uns dois anos, mais ou menos,
até ingressar no voo como Comissário de bordo.
O que o levou a se
transferir para o voo?
Na verdade, sempre fui apaixonado por aviões e velocidade. Me
criei num subúrbio do Rio chamado Marechal Hermes. Nesse lugar existe até hoje
a Base Aérea do Campo dos Afonsos, de forma que cresci vendo os aviões da
Aeronáutica fazendo acrobacias na pista. Passava horas olhando tudo aquilo.
Naturalmente, eu deixei o magistério e fui atrás dos aviões.
Primeiro me formei como Controlador de voo, depois em terra na Varig...
Minha sala de trabalho em terra na Varig era no Galeão e eu
ficava vendo os jatos desfilando pela pista da minha janela... Quando surgiu a
oportunidade, não deixei passar. Me inscrevi para ser Comissário de voo... e
deu certo... Eu já estava a meio caminho de trabalhar dentro dos aviões. Aviões
da Varig, então... era um sonho sendo realizado.
Em princípio, nas entrevistas
eliminatórias para o Curso de Comissários, eu fui indicado para fazer o curso
de Pilotos da Companhia. Eu tinha uma formação técnica muito boa como
Controlador de voo e eles me queriam comandando. Mas eu expliquei que minha
missão não era dentro de uma cabine de comando e sim, interagindo com pessoas
dentro do avião.
Então, começa o curso de comissários quando?
Em março de 1979.
Primeiro voo na base São Paulo
em julho do mesmo ano.
Ah, então você foi para base SAO?
Minha turma se formou e alguns
puderam optar entre ficar na base RIO (na ponte aérea) ou ir para a base SAO
que era o forte dos voos nacionais. Como eu queria voar todos os equipamentos
disponíveis na época (737/727 e o Electra), não pensei duas vezes e fui.
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Minha turma de 1979... sobraram
poucos. Nos reunimos sempre que temos chance. Eu, Angela Freire, Martha Lee, Yara
Maria e Lídio José... em 2015
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Nem conhecia Sampa. Gostei
muito de viver por lá. Não tem a irreverência do Rio, mas era uma cidade
incrível.
A base SAO era bem diferente
da base Rio. Levei algum tempo para me adaptar porque sempre havia a comparação
entre as duas bases. A de Sampa se dizia mais profissional e sofri algum bullying
por ser Carioca.
Ficou quanto tempo em São Paulo?
Dois anos mais ou menos. Em
1982 fui transferido para a base Rio para voar no DC-10 em voos
intercontinentais.
1982, o DC-10 estava separado do Jumbo (as
tripulações)... Penso que foi nesse admirável avião que voamos juntos...
Com certeza. Isso mesmo. DC-10 e 747 separados. Sabe o que mais
gostei quando fiz meu primeiro voo para o exterior? O quarto individual no
hotel. Como me senti bem não tendo de dividir o quarto. Foi uma conquista.
Sim. E você lembra para
onde foi esse primeiro voo?
Inesquecível. RG 810: Miami com dois dias inativos. Marina Park
Hotel na Biscayne Boulevard. Nessa
época, o DC-10 voava junto com o A-300. As tripulações eram fixas, só garotada
abaixo dos trinta anos. Cada voo era uma festa.
Não entendi “o DC-10 voava junto com o A-300”...
Sim. O DC-10 se
separou do 747 e com a chegada do A300 quem voava o DC10 também voava o A300.
Por isso nossos voos para Miami eram assim com dois, às vezes três dias
inativos. Voávamos para Caracas direto e para Miami via Caracas.
Só os mais antigos voavam o
747. A garotada ficou no DC-10/A300.
O A300 ficou com a Cruzeiro
posteriormente, e então o DC10 passou a voar sozinho. Pouco tempo depois, com a
chegada dos MD11 juntou tudo, menos o A300 que em seguida foi embora ando lugar
aos 767. Eu fiquei no Jumbo/MD 11.
Era confuso mesmo. Mudava a
toda hora. Depois juntou tudo: MD11/747/767/DC10.
Desses todos qual o avião preferido?
Avião preferido... hummm... o
MD 11, quase empatado com o 747.
Quais os pernoites de que mais gostava?
Pernoites... deixa ver...
Paris.
Paris, Lisboa e Frankfurt (leia-se
Mainz).
O que mais gostava de fazer nessas cidades?
Em Lisboa eu tinha amigos que
me pegavam no hotel Penta. Era um voo com três dias inativos feitos no glorioso
707. Em Lisboa eu simplesmente me sentia em casa. Quase deixei a aviação para
viver por lá nos anos 80. Lisboa era vida.
Paris eu andava a pé... era um
prazer andar pelas ruas de Paris, respirava cultura por todos os lados.
Em Mainz também adorava
passear pelas margens do Reno e pelo centro histórico da Cidade. Sem contar com
a gastronomia dessas três cidades.
Hummm... “quase deixei a aviação para viver por lá”... paixão pela cidade ou
por pessoinha?
Pela cidade mesmo... Viver em
paz, sem medo de caminhar pelas ruas. Vidas passadas, com certeza.
Sabe,
Dirnei, eu comparo diariamente o Rio com Lisboa, ou melhor, com a grande
Lisboa. Evidentemente que eu não vou andar às 3h da manhã por ‘determinados’
locais de Lisboa, nem de Paris, nem de Mainz... Aliás, a única cidade onde andei
às 3h da manhã na maior, estava com a minha mulher, foi Hong Kong.
Ainda me causa uma boa surpresa o respeito que os automobilistas
têm com o pedestre. Aqui eles param para o pedestre atravessar. Quando vou ao
Rio, fico estarrecido.
Caixas eletrônicos estão na calçada. Bancos ainda não se
transformaram em fortalezas feudais.
Em Lisboa (acredito que nas outras cidades também) turistas
caminham despreocupados com o smartphone na orelha, a câmera fotográfica de
centenas de euros pendurada no pescoço e o iPad pendurado no cinto. E outros
detalhes.
Não sei até quando...
Deus permita que Portugal nunca chegue ao nível de barbárie que
se transformou o Brasil. Não tenho nenhum prazer em viver aqui. Não posso nem
ficar em casa tranquilo. Vivo trancado e com medo... isso não é lugar para se
viver. Estou perto dos 70 anos e o jeito é encarar esse terror. Não sei se
conseguiria recomeçar em outro lugar.😢
Aqui nós andamos nas ruas com a sensação de estarmos sendo
caçados... a qualquer momento você pode se deparar com um bandido disposto a te
matar... por puro prazer de tirar sua vida... é o inferno.
Você concluiu qual é a diferença entre a
‘violência urbana’ no Rio de Janeiro e, por exemplo, a ‘violência urbana’ em
Lisboa. No Rio de Janeiro mata-se por um celular, uma nota de 50 reais, uns
tênis... Em Lisboa, ainda existem ladrões (ou assaltantes), que querem
roubar/assaltar. Eu mesmo fui assaltado por dois homens, de raça negra, quando
entrava na portaria do meu prédio. Eu estava com o meu falecido amigo, Kenzo,
abri a porta do prédio e me abaixei para abrir a caixinha de correspondência,
quando senti a gravata e os puxões nos finos cordões de ouro e na pulseirinha...
mas não senti medo de morrer.
Meu amigo, estamos perto dos 70 anos.
Alguns, como nós, brincamos com a nossa idade... eu fiz o cartão de idoso da
RioCard e logo mandei a foto para a família. Minha próxima ‘conquista’ será o
Cartão de Idoso para botar no painel do carro do meu filho quando formos, por
exemplo, à Feira de São Cristóvão... 😊
Mas a realidade é implacável e sentida diariamente...
Mas a realidade é implacável e sentida diariamente...
Sobre Paris tenho a mesmíssima opinião: cultura por todos os lados.
Não sei como está, como se apresenta Paris atualmente, tenho severas
dúvidas. Mas costumo dizer que Paris é o exemplo de cidade maravilhosa. Com
exceção de uma ÚNICA beleza natural, o Rio Sena, a beleza de Paris foi
construída pelo Homem.
Concordo plenamente. Com esses
problemas de imigrantes invadindo a França, já não sei se ainda é aquela cidade
fantástica. Sem preconceitos, por favor... é um fato que vem acontecendo e
modificando muito a Europa.
Dei uma informação errada a
você. O DC 10 não voava com o A300, era o 707. Quando o A300 chegou se fundiu
com o que ainda restava do 707...
Mudando de assunto e ficando no tema, você é um ‘demitido’ ou
‘aposentado’?
Eu sou aposentado sem Aerus.
Não cheguei a voar o 777.
Você se aposentou quando?
Aposentei em novembro de 2001.
Saí no PDV... a Varig já apresentava sinais de que as coisas não iam muito bem.
Chegou a voar em dezembro de 2001? Quais os voos que você pediu na
última escala?
Não voei em dezembro de 2001.
Saí no início de novembro.
Pedi e ganhei três voos para
Paris.
Hummm... peixão!
Você recebeu todas as promissórias?
Recebi tudo o que tinha
direito. A Varig me pagou tudo.
“a Varig já apresentava sinais de
que as coisas não iam muito bem”. Que sinais?
Os sinais de que as coisas não
andavam bem eram muitos... Determinadas coisas já não embarcavam. Mudança na
carta de vinhos (para inferior), escalas mais apertadas com poucas folgas,
fechamento de lojas físicas, mudança nos hotéis de pernoite (para pior)...
Isso foi me desmotivando e
acabei por aceitar o PDV. Eu já voava como Chefe de Equipe.
Na sua percepção, a quem e/ou ao quê cabe a maior responsabilidade pelo
fechamento da empresa?
Antes eu creditava toda a
culpa à má gestão na Varig. Havia muito desperdício e abusos. Depois vi que
tinha o dedo podre da política nessa história.
Segundo li num livro sobre a
falência da Varig, um partido político que almejava vencer foi ao presidente da
empresa pedir dinheiro para a campanha, o que foi negado porque a empresa
estava operacional, mas não tinha como colaborar. Então, prometeram vingança...
Em parte, sim. Tenho saudades
mais da Varig como um todo do que propriamente do voo.
A Varig tinha tentáculos.
Atuava em várias partes e até um banco chegou a ter, o Banco Varig.
Um serviço médico de dar
inveja a muito hospital de primeira linha no Brasil. Uma Fundação, (Rubem
Berta), que assessorava os funcionários em quase tudo. Uma Associação de
Comissários (ACVAR) que cuidava de meus interesses junto à Empresa... O voo era
a cereja do bolo.
Você trabalharia na aviação de hoje?
Definitivamente não. Não me
enquadraria na aviação de hoje. E se trabalhasse seria por pura sobrevivência
financeira.
Como vai o Brasil e o Mundo?
O mundo nunca esteve tão
turbulento. Parece que as pessoas resolveram se odiar sem fronteiras.
O Brasil é um vulcão pronto
para explodir. A violência se espalhou como rastilho de pólvora. Um País a
beira do caos social, com uma população hipnotizada. Os jovens só se preocupam
com redes sociais e smartphones. Os valores se inverteram. A vida humana vale
pouca coisa no Brasil atual. Não gosto de viver aqui, mas agora com quase 70
anos tenho de me conformar em terminar meus dias por aqui. Nem vou comentar a
política...
A pergunta que não foi feita?
Não me ocorre uma pergunta no
momento, mas, sintetizando minha vida no voo (onde passei a maior parte) foi
bastante positiva. Conheci e aprendi muitas coisas. Talvez me lamente por não
ter aceitado ficar dois anos na base Los Angeles como muitos ficaram.
Pude melhorar sensivelmente em
todos os sentidos. Participei de outras culturas e aprendi muito.
Eu era
um brasileiro puro sangue, que jogava papel nas ruas, não tenho vergonha de
dizer isso.
Viajar me fez um ser humano
melhor, mais civilizado, educado e refinado.
Agradeço a Deus pela
oportunidade.
Muito obrigado, Dirnei!
Conversas anteriores:
Obrigado,Jim. Espero ter correspondido. Se as coisas melhorarem,quem sabe eu consigo ir ao Encontro dos Variguianos aí em Lisboa!?
ResponderExcluirEu é que agradeço a sua disponibilidade. E espero muito revê-lo em maio de 2018.
ExcluirForte abraço./-
Muito bom Dirnei. Bela entrevista. Saudade dos vôos, pernoites e estas conversas.
ResponderExcluirAbraço.
Heitor Borges
Caro André Guedes, lembro de Vc, apesar de termos tido uma Aviação diferente, pois eu voava B747, por interesses da Empresa, mas tivemos alguns momentos em comum, seus colegas de turma, maravilhosos, tenho saudades de todos. A década de 80 na Aviação foi fantástica, mundialmente, a vida era vivida!
ResponderExcluirMainz, Paris, Lisboa, Rio, Nyc, andávamos sim, altas horas nas ruas com plenitude de vida, hoje não mais, aqui no nosso Brasil, porque mundo afora ainda se faz isto.
Sabes, eu também aderi ao PDV em 2001 após o 11 de setembro, quando fiz 50 em novembro e com 50 pude aposentar pelo Aerus, não perdi a oportunidade, pois se tivesse esperado fazer 55 teria perdido tudo, também como CE e recebi todas as “promissórias”, não tinhas Aerus?
Concordo plenamente, que “voar” ou viajar, conhecer os continentes, nos fez um ser humano muito melhor e mais Feliz!
Parabéns pela Entrevista!
Parabéns ao Blog, por entrevistar pessoas bacanas, que sempre nos acrescentam muito!
Abraços Fraternos,
Heitor Volkart
Muito boa entrevista do André Guedes, Parabens. Um grande abraço Jim. E vc, meu amigo Volkart, nunca te esqueço, tô te devendo umas fotos, faz tempo,mas gostaria de bater um papo contigo pelo Skipe, me manda teu email.
ExcluirMuito boa , a entrevista com o Dirnei . Fez uma brilhante carreira .
ResponderExcluirCompartilho o pensamento dele: também não retornaria à aviação para trabalhar ... hoje estamos mais na idade de aproveitar as delícias que o mundo oferece.
Creio ter uma certa lembrança do rosto do Dirnei.
Grande abraço.
Sidnei Oliveira
Não me cansarei de agradecer àqueles e àquelas que acederam serem 'entrevistadas' pela revista. Não só pela excelência das suas respostas e pela consequente promoção da revista, mas também, muito importante, não sei como dizer, pelo destemor em concordar conversar conosco.
ResponderExcluirPorque, gente querida, de dez convidados, NOVE recusam!
Jim querido , como sempre excelente a sua escolha. Dirnei,foi um comissário completo . Um grande colega,generoso e amigo!Fiquei feliz pela entrevista,saudades ...bjs
ResponderExcluirObrigado, Lucia!
ExcluirBeijos de carinho./-
Troca de ideias acontecendo aqui:
ResponderExcluirA Varig ganhou uma indenização bilionária. Para onde deve ir o dinheiro?