sexta-feira, 5 de julho de 2024

Não sabemos o que será da França

João Távora

Ontem, os britânicos, mergulhados numa crise económica e social profunda, despacharam o partido conservador depois de 14 anos de governo e trágicas asneiras dando uma maioria assinalável aos trabalhistas para governar os seus destinos. Claro que os Whigs, para obterem esta vitória esmagadora, trataram primeiro de correr com os radicais e elegeram uma liderança moderada, que se deu ao luxo de conquistar eleitorado conservador ansioso por sinais de mudança.

Já em França o futuro é algo difícil de prever, que os franceses há muito cuidaram de cortar a cabeça ao rei. Mas há um padrão que se adivinha inevitável: depois das eleições no domingo, nas principais cidades do país, haverá muitas montras destruídas, automóveis queimados e pedras a voar. Tudo aponta para a vitória do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen e da jovem promessa Jordan Bardella, porventura sem maioria absoluta, para enfrentar uma “barragem republicana” liderada pelo partido de Macron, que não teve pudor de nela incluir a esquerda radical com propostas tão ou mais radicais quanto a extrema-direita. Tudo isto seria grave se não fosse trágico, se considerarmos a panela de pressão que é a França nos nossos dias, com as finanças descontroladas e reivindicações dos extremos impossíveis de satisfazer. 

Execução de Robespierre e seguidores, em 28 de julho de 1794. Autor anônimo.
(Exécution de Robespierre et de ses complices conspirateurs contre la liberté et l'égalité : vive la Convention nationale qui par son énergie et surveillance a délivré la République de ses tyrans (estampe anonyme, 1794).

Talvez os irredutíveis franceses estejam habituados a este ambiente caótico e um milagre à beira do precipício adie o descalabro, que rapidamente se estenderia à União Europeia. Incapazes de encontrar pontes e consensos, os franceses há muito tempo dessacralizaram o poder e os seus símbolos, e vão malbaratando “repúblicas” à procura duma receita que apazigue o seu frémito fraturante, quem sabe herdado da Revolução. Foram demasiadas cabeças cortadas. Como dizia um “macronista” parisiense citado no Observador, “Ao início, um Presidente é sempre muito popular. Depois perde essa popularidade. Foi assim com Sarkozy, com Hollande, agora com Macron. Temos sempre este impulso de querer cortar a cabeça ao Rei.” A questão dos franceses há muito que não é política ou ideológica. Trata-se de uma insatisfação existencial, espiritual.

Espero que Portugal, que deve muito da sua cultura política a esta França revoltada e histriónica, ganhe logo à noite a eliminatória aos Galos. É que o futebol tapa muita coisa, e nós por cá também temos as nossas questões irresolúveis.

Título e Texto: João Távora, Corta-fitas, 5-7-2024

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