Aparecido Raimundo de
Souza
NA PRAÇA em frente à
pequena igrejinha de Nossa Senhora das Candongas Aflitas, o relógio colocado
recentemente pela prefeitura, marca o tempo como quem não se importa com ele.
As pessoas vão e vem. Passam apressadas, umas pelas outras, três ou quatro saem
da recém terminada missa do padre Faustulóbio. Cinco ou mais, logo adiante,
deixam o mercado com sacolas plásticas abarrotadas de compras.
Em comum, sem tirar
nem pôr cada uma dessas almas carregam a sua ligeireza sofreguida, como se
fosse um segredo perigoso que precisa ser guardado a sete chaves. E aqui, entre
o vai e vem que apenas se entrelaça por força das correrias dessas criaturas, vejo
surgir um sentimento estranho: o ódio adulterado, ou melhor explicado, a face
conturbada das malévolas trazidas em cada coração que bate descompassado.
Esse ódio, é um ódio
cru, destemperado e insosso. Não aquele que explode em gritos ou socos. Na
verdade, esse agastamento é um mal disfarçado, um enfado repulsivo, camuflado
com perfume barato, vestido de boas maneiras, a maioria dessas maneiras
entrelaçadas de palavras polidas. Um ódio meio assim neurastênico que sorri,
que aperta mãos, que diz “bom dia” por dizer, enquanto na surdina do seu “eu”
mais profundo, trama quedas e baques silenciosos.
Esse ódio fustigoso
não queima de imediato. Eu corroí devagar, sem pressa, “come pelas beiradas”,
se distende como ferrugem em ferro esquecido. Se adultera, misturado com
conveniências e vaidades. Se dilata e se torna quase invisível. E por isso, se
faz mais letal e perigoso. Mais fulminante e agressivo, pelo fato de não se
reconhecer no primeiro olhar.
Ele parece cordial, se
mostra justo, se molda perfeito até ao conhecido como racional. Eis alguns
exemplos: na fila da padaria, na mesa do jantar, no cotidiano das redes
sociais, ele se infiltra. Um comentário irônico, por exemplo, uma piada que não
se faz ou não se coaduna só numa piada, uma crítica que veste a máscara da
preocupação. Tudo contribuí para o ódio adulterado não gritar: o ódio
adulterado, aliás, não faz barulho, apenas sussurra.
E esse sussurro,
repetido mil vezes, acaba virando verdade para quem não presta muita atenção.
No final da tarde, quando o sol se despede atrás dos telhados da igreja do
padre Faustulóbio, mesma forma das casas e prédios no longevo da avenida,
percebo que o danado do ódio tipo “as sete vidas de um gato” se transformam
literalmente como uma sombra: e, como tal, ele só existe porque há luz.