Porta aberta para a desinformação
Né Ladeiras
A entrevista do Expresso,
conduzida por Luís M. F. Faria, a Avi Shlaim, é um retrato doloroso de como uma
conversa sobre Israel pode transformar-se numa repetição de certezas sem
qualquer confronto. É evidente a falta de preparação do jornalista, que escuta
afirmações altamente controversas e omissões gritantes como se estivesse diante
de verdades consensuais. Em vez de questionar ou desafiar o que é dito,
limita-se a acolher um discurso político disfarçado de história. E é justamente
nessa ausência de perguntas que tudo se torna possível.
O mito dourado do mundo
árabe pré 1948
Shlaim descreve o mundo árabe
antes de 1948 como um lugar de convivência harmoniosa, sem antissemitismo e sem
conflitos estruturais. Esta imagem sentimental ignora séculos de estatuto de
dhimmi, que colocava judeus e cristãos como súbditos de segunda classe,
sujeitos a impostos específicos e restrições civis. Ignora episódios
documentados de violência, como o pogrom da Farhud, em Bagdade, que em 1941
marcou o colapso da segurança judaica no Iraque. Ignora o massacre de Aden, em
1947, e vários motins antijudaicos que ocorreram em toda a região. Ignora leis
anti-judaicas aprovadas em países árabes antes mesmo da criação de Israel. Nada
disto é referido por Shlaim e nada disto é perguntado por Luís M. Faria, que
aceita sem escrutínio uma visão romântica construída à custa de omissões
sérias.
A falsa história da fuga
dos judeus do Iraque
Shlaim sugere que a saída dos
judeus do Iraque foi provocada por acções sionistas destinadas a criar pânico,
ignorando que esta acusação já foi desmontada por historiadores
judeus-iraquianos (Elie Kedourie, Shmuel Moreh), e ocidentais (Martin Gilbert, Bernard Lewis, Norman
Stillman), por documentação oficial. A verdade mostra perseguição crescente
antes das bombas, legislação discriminatória, revogação de cidadania, confisco
de bens e ameaças constantes desde a década de trinta. A comunidade judaica iraquiana
não fugiu por propaganda, mas por violência real e sistemática. O jornalista
não recorda este contexto, não questiona a versão de Shlaim e deixa um ponto
decisivo da história transformado num mito conveniente.
O exílio silencioso de
oitocentos e cinquenta mil judeus
A lacuna fabricada não termina
aqui. Entre as décadas de quarenta e setenta, mais de oitocentos e cinquenta
mil judeus foram expulsos, ou forçados a fugir, de países árabes como Iraque,
Egipto, Líbia, Síria, Iémen, Tunísia, Argélia e Marrocos. Estas comunidades
existiam na região muito antes do Islão e perderam tudo durante ondas
sucessivas de violência, perseguição e legislação repressiva. Israel recebeu a
maioria como cidadãos. Hoje, sensivelmente metade dos judeus israelitas tem
origem árabe ou mista. Este facto destrói, por completo, a teoria repetida por
Shlaim de que Israel é um projecto colonial europeu implantado no Médio
Oriente. O jornalista não menciona nem questiona este dado elementar.