quinta-feira, 24 de abril de 2025

Caiu o sigilo: relatório revela como o INSS facilitou o golpe contra aposentados

Gazeta do Povo

A Controladoria-Geral da União (CGU) retirou o sigilo de um relatório sobre descontos não autorizados de benefícios de aposentados e pensionistas. O documento descreve os principais achados de uma auditoria sobre o INSS e foi concluído em setembro do ano passado, mas só foi publicado após a deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.

O relatório escancara fragilidades dos controles internos do INSS que podem ter facilitado a ocorrência de fraudes. Conforme a CGU, quase R$ 8 bilhões, retirados dos pagamentos do INSS a seus beneficiários, foram repassados a entidades privadas entre 2016 e 2024 – e grande parte do repasse provavelmente ocorreu sem autorização. O escândalo levou à demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.

Os valores descontados de aposentados e pensionistas eram repassados a associações que supostamente prestavam serviços aos beneficiários – como assistência jurídica, descontos em redes de farmácias, cobertura para exames médicos, serviços residenciais e auxílio-funeral.

Porém, após quase 1,3 mil entrevistas com aposentados e pensionistas de todo o país, a CGU constatou que a grande maioria deles não era realmente filiada a tais entidades (caso de 95,9% dos entrevistados) e não tinha autorizado qualquer débito (97,6%).

"Dos 1.273 entrevistados, apenas 52 informaram estar filiados a uma entidade, e 31 que autorizaram o desconto", aponta o texto.

Com dificuldade para conferir os extratos de pagamento, 72,4% dos beneficiários nem mesmo sabiam que estavam sofrendo descontos em sua aposentadoria ou pensão. E os que tinham conhecimento relataram dificuldade para cancelar os débitos indevidos.

Mesmo na análise de um subgrupo de 90 aposentados e pensionistas para os quais as entidades apresentaram documentação ao INSS, 81,1% negaram ter autorizado o desconto e 80% negaram filiação. Para a CGU, isso releva que as assinaturas podem ter sido recolhidas sem que o beneficiário conhecesse sua finalidade, ou mesmo que as documentações tenham sido fraudadas.

Relatos de entrevistados indicaram que muitos não teriam como ter assinado documentos devido a deficiência, doença grave ou mesmo residência no exterior. Também há casos onde as assinaturas não foram reconhecidas.

Outro problema: entidades que firmaram convênio com o INSS têm muitos associados em estados diferentes de suas sedes, o que provavelmente dificultava o acesso aos serviços oferecidos por elas – mesmo que eles fossem de fato prestados.

Em 2023, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) há havia indicado a possibilidade de irregularidades. O relatório do ministro Aroldo Cedraz enviado ao INSS na época, ao qual a Gazeta do Povo teve acesso, apontou "preocupante descontrole nesses processos".

Segundo o documento, o departamento do INSS responsável por fazer a fiscalização das entidades e dos descontos era formado por apenas “um chefe de divisão e dois servidores”.

Total descontado de aposentados quintuplicou em três anos

A auditoria da CGU foi motivada por um crescimento súbito e atípico no montante dos descontos de mensalidades associativas, que quase triplicaram em dois anos, passando de R$ 536,3 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023.

Segundo projeção do relatório, o total descontado em 2024 poderia chegar a R$ 2,6 bilhões – mas provavelmente passou disso, pois em entrevista coletiva após a Operação Sem Desconto foi citado um valor de R$ 2,8 bilhões no ano passado.

Ou seja, num intervalo de três anos (2021 a 2024), o total descontado dos beneficiários do INSS foi multiplicado por cinco. Os dados informados pela CGU revelam que, antes disso, os débitos tinham fluxo bem mais estável: entre 2016 e 2021, o montante registrado a cada ano oscilou entre R$ 400 milhões e R$ 600 milhões, aproximadamente. 

Outro número que disparou recentemente foi o de pedidos de cancelamento de débitos: eles saltaram de 22 mil em julho de 2023 para 192 mil em abril de 2024.

Segundo a CGU, o número de entidades conveniadas ao INSS e o total descontado de aposentados e pensionistas desde 2016 foram os seguintes:

2016: 15 entidades conveniadas, R$ 413,2 milhões descontados

2017: 22 entidades, R$ 460 milhões

2018: 20 entidades, R$ 617 milhões

2019: 21 entidades, R$ 605 milhões

2020: 19 entidades, R$ 511 milhões

2021: 15 entidades, R$ 536 milhões

2022: 22 entidades, R$ 706 milhões

2023: 27 entidades, R$ 1,3 bilhão

2024: 33 entidades, R$ 2,8 bilhões

Descontar do aposentado do INSS era fácil; bloquear o débito, não

"Ante as fragilidades de controle identificadas, os resultados sinalizam que os beneficiários encontram mais dificuldades para bloquear os descontos do que as entidades para implementá-los, indicando fragilidade na proteção dos direitos dos beneficiários", diz o relatório.

"Considerando que estes beneficiários são, em sua maioria, idosos, a proteção a seus direitos expressa no Estatuto do Idoso não está sendo realizada a contento", afirma outro trecho do documento.

O relatório destaca outro ponto crucial: "Não basta ao beneficiário solicitar o cancelamento do desconto; é necessário fazer novo requerimento para que o benefício seja bloqueado para novos descontos". Segundo a CGU, apenas 96 (48,7%) dos beneficiários que solicitaram cancelamento de débito não autorizado também solicitaram o bloqueio.

Quais as principais falhas detectadas nos controles do INSS

As principais falhas constatadas pela CGU na auditoria sobre o INSS foram:

ausência de fiscalização e auditoria adequada dos procedimentos de desconto;

fragilidade nos procedimentos de celebração de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com as entidades, que não asseguram a integridade dos procedimentos adotados por elas. O INSS chegou a alegar que exigir demonstração de capacidade operacional das entidades infringe a liberdade de associação;

não arquivamento ou ausência de validação da documentação de autorização apresentada pelas entidades em ambiente acessível ao INSS;

reduzida equipe técnica para atuar no processo de acompanhamento e controle desses descontos;

fragilidades relacionadas à inclusão desses descontos na folha de pagamento do INSS. Os descontos podiam ser realizados pelas entidades "sem qualquer tipo de análise por um servidor do INSS";

digitalização de serviços do INSS sem o devido aperfeiçoamento dos controles internos, o que elevou os riscos de descontos indevidos;

dificuldades impostas aos beneficiários para identificar os descontos, já que o extrato de pagamento não é mais enviado impresso e requer acesso ao aplicativo ou site Meu INSS ou visita a agência da Previdência Social. Dos entrevistados, 72,4% declararam não saber que estavam sofrendo descontos mensais;

dificuldades impostas aos beneficiários para utilizar as ferramentas digitais (como o Meu INSS), limitando sua capacidade de identificar e cancelar descontos indevidos. Uma parcela significativa dos entrevistados desconhecia (42,4%) ou nunca utilizou (25,1%) o aplicativo Meu INSS;

dificuldades enfrentadas pelos beneficiários para solicitar o cancelamento de um desconto indevido, incluindo requisitos (nível ouro no gov.br, número do benefício, nome da entidade) e informações incorretas (como ser orientado a procurar a entidade que recebeu o dinheiro);

necessidade de um novo requerimento para bloquear o benefício para novos descontos após solicitar o cancelamento, algo que menos da metade dos beneficiários que cancelaram fizeram;

ocorrência de novos descontos sendo inseridos após um pedido de cancelamento de um desconto anterior;

assinatura de novos ACTs após a suspensão de repasses ocorrida em 2019 e apesar do conhecimento sobre denúncias recorrentes e falta de capacidade operacional para acompanhamento;

limitação na adoção de medidas cautelares (como suspensão de descontos e avaliação da adequação) frente ao aumento acentuado dos requerimentos de cancelamento, suspendendo novas adesões apenas para algumas entidades e por curto período;

falta de informações detalhadas sobre providências para revalidar ou validar a autorização dos descontos já existentes (um "estoque" de cerca de 7,7 milhões de beneficiários), ou para suspender cautelarmente esses descontos ou apurar irregularidades já comunicadas.

INSS disse à CGU estar melhorando fluxos e controles dos descontos

O INSS, em manifestação à CGU, informou que já estava em curso "um pleno processo institucional de revisão e robustecimento dos fluxos e controles dos descontos associativos, viabilizado com o lastro normativo da publicação da Instrução Normativa PRES/INSS nº 162, de 14 de março de 2024".

Segundo o relatório, o órgão apresentou medidas já adotadas ou previstas, como:

a exclusão e criação de trava para não permitir averbação em benefícios não elegíveis (implementada em 10/04/2024);

suspensão cautelar de novas inclusões/adesões (implementada em 20/04/2024);

bloqueio geral de benefícios concedidos antes de 09/2021 (implementada em 16/05/2024) em 129.197.135 benefícios;

limitação de todos os descontos associativos a 1% do teto do RGPS (cadastrada em 19/07/2024, prevista para folha de 09/2024);

exclusão de descontos apontados pela CGU (Implementada em 25/07/2024); e

futura entrada em funcionamento do sistema de biometria da Dataprev (Prevista para 09/2024). O INSS argumentou que a exigência de assinatura eletrônica avançada e biometria para novas autorizações "tem o condão de prover um elevado nível de confiabilidade técnica às novas averbações".

Contudo, a CGU ressalta a falta de informações detalhadas sobre as providências a serem adotadas para a revalidação da autorização dos descontos anteriormente implementados ou a validação da documentação porventura existente e que suporte esses descontos – o que afeta cerca de 7,7 milhões de beneficiários.

Segundo o relatório, tampouco foram apresentadas informações acerca de eventual suspensão cautelar dos débitos em relação aos benefícios que compõem o denominado "estoque" ou iniciativas para apuração das irregularidades já comunicadas ao INSS.

A CGU reitera, no texto, a importância do INSS definir parâmetros adequados e suficientes para garantir a existência de documentação suporte e a "fidedignidade das autorizações que teriam permitido consignações pretéritas à implementação de biometria".

A controladoria também discorda da alegação do INSS de que exigir demonstração de capacidade operacional das entidades infringe a liberdade de associação, citando a Lei nº 13.019/2014, que regula parcerias da administração pública com a sociedade civil e prevê tal exigência em seu art. 33, inciso V, alínea c.

O que a CGU recomendou ao INSS 

Diante da "criticidade da situação" revelada pelos resultados das entrevistas, a CGU fez uma série de recomendações, incluindo:

o bloqueio cautelar e imediato de novos descontos associativos;

o aprimoramento de procedimentos de formalização, acompanhamento da execução, suspensão e cancelamento de ACT com entrevistas amostrais e cancelamento automático para quem não autorizou;

a avaliação da pertinência de suspensão cautelar de descontos de mensalidades associativas de entidades que apresentaram elevados riscos de descontos indevidos;

a definição de procedimentos para a suspensão e/ou o cancelamento de ACT a partir de critérios de risco; e

a necessidade de validar a autorização dos beneficiários, inclusive para o "estoque" existente.

Título e Texto: Gazeta do Povo, 24-4-11h51

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