Mesmo garantidas por lei, informações básicas sobre os presos do 8 de janeiro seguem escondidas por trás de sigilos ilegais e negativas formais
David Agape Foto: Joedson Alves/Agencia Brasil
Quantas pessoas ainda estão presas por ordem do Supremo Tribunal Federal em decorrência dos atos de 8 de janeiro de 2023? A resposta oficial, reiterada por STF, Ministério Público Federal e Polícia Federal, é o silêncio — sustentado por sigilos vagos, negativas formais e procedimentos burocráticos que contornam a Lei de Acesso à Informação (LAI). Na prática, o sistema de Justiça esconde os números do encarceramento político mais significativo da história recente do país.
A apuração partiu de uma
missão aparentemente simples, que recebi da equipe do Estúdio Quinto Elemento,
que preparava um especial de Páscoa sobre o tema: quantas pessoas ainda estão
presas por decisão do STF nos inquéritos relacionados ao 8 de janeiro? (INQs
4879, 4880, 4921, 4781 e Petição 11028.)
A busca revelou algo maior do
que a ausência de dados: nenhuma instituição está disposta a prestar contas,
mesmo sobre informações básicas e consolidadas. Todas as tentativas de obter os
números foram recusadas com justificativas frágeis ou ilegais. O levantamento
também expôs um sistema que trata presos políticos como números invisíveis.
Ainda assim, o esforço coletivo por transparência começou a surtir efeito: a
simples organização dos casos mais graves pressionou autoridades e resultou na
soltura de ao menos três pessoas.
Esta reportagem reconstrói os
bastidores desse apagamento institucional e documenta o que o Judiciário
brasileiro se recusa a dizer em voz alta: quem ele prende — e por quanto tempo.
A busca que rompeu o
silêncio
O primeiro passo de uma reportagem investigativa é buscar informações em reportagens já publicadas na imprensa tradicional. Entretanto, não encontrei os dados em nenhuma fonte atualizada ou oficial. Perguntei então a colegas jornalistas. Eli Vieira, que atualmente escreve no Portal Cláudio Dantas, me informou que o deputado federal Marcel Van Hattem (NOVO-RS) havia solicitado a informação à assessoria parlamentar da Procuradoria-Geral da República. Abordei a assessoria do deputado, que confirmou a solicitação, mas até o momento desta publicação, a informação também não havia sido fornecida pela PGR.
Em seguida, entrei em contato
com advogados que acompanham o caso diretamente, na tentativa de acessar
números parciais. Conversei com Ezequiel Silveira, advogado e representante da
ASFAV (Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro). Ele confirmou o
que já se suspeitava: ninguém possui a informação consolidada, nem mesmo a
própria associação.
Silveira contou que já pensou
em organizar um censo com os nomes e perfis dos presos, mas esbarrou na
resistência dos próprios detentos e de suas famílias, que temem que a exposição
pública de suas situações possa resultar em retaliações ou dificultar progressos
nos processos judiciais.
Sugeri a Silveira que, se um
levantamento geral era inviável, ao menos listássemos os casos mais graves —
uma espécie de amostragem humanizada para romper o apagamento. E foi o que
fizeram. A ASFAV elaborou uma lista com 20 nomes, acompanhada por um relatório de mais de 500 páginas,
denunciando casos de doenças graves, idosos encarcerados, mães com filhos
pequenos e pacientes psiquiátricos em prisão prolongada.
O material foi enviado
formalmente ao deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, que
o utilizou para embasar o requerimento de criaçãode uma subcomissão especial na Comissão de Segurança Pública. A
subcomissão foi aprovada em 1º de abril de 2025, com o objetivo de investigar
violações de direitos humanos no contexto dos presos do 8 de janeiro e
pressionar pela tramitação do PL da Anistia, ainda travado na presidência da
Casa.
Poucos dias depois, em 9 de
abril, Zucco também encaminhou um ofício ao ministro Alexandre de Moraes solicitando a extensão das decisões de prisão
domiciliar concedidas a três réus do 8 de janeiro — Jaime Junkes, Eliene Amorim
de Jesus e a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos — a todos os demais presos em situação
semelhante. O documento listava os 20 casos graves reunidos pela ASFAV e
sugeria a criação de uma força-tarefa no STF para garantir celeridade no
julgamento dos presos e evitar novas tragédias como a morte de Cleriston
Pereira da Cunha, o Clezão — vítima de negligência institucional, após o
ministro Alexandre de Moraes não deliberar a tempo sobre seu pedido de prisão
domiciliar, mesmo com parecer favorável do Ministério Público.
Poucos dias depois da entrega
do relatório e da formalização da subcomissão, ministros começaram a conceder
liberdades. Entre os beneficiados estão Marcos Alexandre Machado de Araújo,
preso desde abril de 2023 e internado na ala psiquiátrica; Sérgio Amaral
Resende, com pancreatite necrosante, hérnia umbilical e anemia profunda, que
teve sua soltura determinada em 18 de abril de 2025, enquanto esta reportagem
era finalizada; e o caso mais emblemático: o pastor Jorge Luiz dos Santos.
Preso desde o próprio 8 de
janeiro de 2023, Jorge Luiz, de 59 anos, foi condenado a 16 anos e 6 meses de
prisão mesmo sofrendo de hipertensão grave e sopro cardíaco grau 6, condição
que impede o controle da pressão arterial por medicamentos. Em 15 de abril, a
situação chegou ao limite: um laudo pericial apontou a necessidade de cirurgia
cardíaca imediata e alertou que o ambiente prisional era inadequado para o
tratamento e recuperação. Ainda assim, o procurador-geral da República, Paulo
Gonet, manifestou-se contrariamente ao pedido de prisão domiciliar humanitária.
Cabia, então, ao ministro Alexandre de Moraes a decisão final.
A pressão popular e
institucional surtiu efeito. Na mesma data, Moraes revogou a prisão preventiva
de Jorge Luiz e autorizou que ele cumprisse prisão domiciliar monitorada por
tornozeleira eletrônica, com proibição do uso de redes sociais. A decisão, fundamentada
nos artigos 66 e 117 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84), atendeu à
urgência do caso.
Quando o Estado fecha todas
as portas
Outro caminho que percorri
para obter a resposta foi recorrer à Lei de Acesso à Informação (LAI). Como
repórter, eu já havia feito diversos pedidos ao STF por meio da assessoria de
imprensa, sempre sem sucesso. Desta vez, optei por acionar o mecanismo legal
previsto na LAI,
que obriga órgãos públicos a fornecerem informações de interesse coletivo ou
geral, conforme determina o art. 5º, XXXIII da Constituição Federal e os
artigos 7º e 10 da própria lei.
Criada em 2011 (Lei nº
12.527), a LAI é um dos pilares da transparência no Brasil. Ela garante que
qualquer cidadão possa solicitar informações públicas a órgãos dos Três
Poderes, sem necessidade de justificativa — inclusive pela internet.
Enviei então pedidos para três
instituições diretamente envolvidas nas investigações e julgamentos dos atos de
8 de janeiro:
·
STF (Gabinete do ministro Alexandre
de Moraes);
·
MPF (Ministério Público Federal);
·
PF (Polícia Federal, via Ministério
da Justiça).
O conteúdo dos pedidos era
simples e direto: Quantas pessoas seguem presas em decorrência dos atos de 8 de
janeiro? Não pedi nomes, processos, sentenças, nem dados pessoais. Apenas um
número consolidado.
O primeiro a responder foi o
gabinete do ministro Alexandre de Moraes, que informou que o pedido “não se
trata de solicitação de informação”, alegando que tudo que envolve processo
judicial deve ser tratado conforme o regimento interno do Tribunal. No mesmo
dia, protocolei recurso em 1ª instância. Argumentei que a solicitação dizia
respeito a um dado objetivo e de interesse coletivo, e que a negativa violava
dispositivos centrais da Lei de Acesso à Informação — especialmente o artigo
7º, parágrafo 3º, que garante o direito de acesso a dados estatísticos e
consolidados, mesmo em casos de sigilo parcial. Também citei o artigo 5º,
inciso XXXIII da Constituição, que assegura o direito à informação, e o artigo
37, que determina a publicidade como princípio da administração pública. O
recurso foi indeferido com a mesma justificativa genérica. Para piorar, o
sistema não habilitou a opção de recurso em 2ª instância, violando o art. 16 da
própria LAI, que garante expressamente esse direito.
A resposta do MPF veio poucos
dias depois, também em tom evasivo. Informaram que os números de inquérito
apresentados não correspondiam a procedimentos internos da instituição.
Afirmaram ainda que, por se tratarem de inquéritos judiciais em trâmite no Supremo,
caberia à autoridade judicial ou à autoridade policial o fornecimento dessas
informações. E concluíram que, como eu não havia encaminhado nenhum anexo que
permitisse localizar os dados, o pedido seria finalizado por “inviabilidade de
atendimento”. A negativa do MPF foi acompanhada de uma tentativa sutil de
empurrar a responsabilidade para outro órgão, prática recorrente quando o tema
é sensível.
Na prática, o MPF alegou que
os inquéritos mencionados não estariam sob sua jurisdição direta. No entanto,
essa justificativa não se sustenta. O Ministério Público Federal tem
participação em todos esses processos — oferece denúncias, se manifesta em audiências,
apresenta pareceres e atua ativamente como parte nos julgamentos. Dizer que não
possui essas informações ou que não tem como localizá-las é, no mínimo, uma
forma de evitar responder a uma pergunta simples e incômoda: quantas pessoas
seguem presas por força do próprio sistema judicial federal, com o qual o MPF
colabora diariamente?
Essa resposta, ainda que
protocolar, escancara uma realidade incômoda: ao afirmar que os inquéritos não
tramitam internamente, o MPF revela que não os reconhece como parte da sua
esfera de controle ou responsabilidade — por estarem sob jurisdição direta do
STF. Isso explicita um dos pilares das ilegalidades dos chamados inquéritos do
fim do mundo: o esvaziamento do Ministério Público como titular da ação penal,
contrariando o sistema acusatório previsto na Constituição e no Código de
Processo Penal. Em vez de exercer sua função de fiscal da lei e promotor da
ação penal, o MPF se limita a acompanhar decisões já tomadas por um único
ministro, deixando o Judiciário acumular as funções de investigar, acusar e
julgar — como denunciado no relatório que
produzi para o IFPE.
Já a Polícia Federal respondeu
que os dados estão sob sigilo, mas não apresentou qualquer base legal
específica, grau de sigilo, autoridade classificadora ou prazo de restrição —
como exige o art. 30 do Decreto nº 7.724/2012, que regulamenta a LAI. Além disso,
orientou que o pedido fosse feito presencialmente em uma unidade da PF,
contrariando o art. 10 da própria lei, que assegura o exercício do direito de
acesso por meio eletrônico.
Todos os órgãos ignoraram um
dispositivo fundamental da LAI: o artigo 7º, §2º, que garante o acesso à parte
não sigilosa de uma informação, mesmo quando parte dela estiver sob segredo,
permitindo a divulgação por meio de extrato ou certidão parcial.
A recusa sistemática,
acompanhada de justificativas frágeis, demonstra um padrão de opacidade
institucional, onde o sigilo se torna uma blindagem contra a transparência — e
não uma exceção prevista em lei.
A resposta que não existe
As instituições públicas
resistem sistematicamente a fornecer qualquer dado consolidado sobre os
detidos. Nenhum órgão apresentou sequer uma estimativa aproximada. Diante da
recusa do Estado em informar, resta a alternativa mais primitiva: levantar os
nomes um a um, verificar decisões judiciais dispersas e cruzar as listas de
presos e soltos até restar quem ainda está em cárcere. É um trabalho hercúleo,
impreciso e indigno de um Estado democrático de direito. Mas, em 2025, essa é a
única via possível para acessar um dado elementar: quantas pessoas seguem
presas por ordem direta de um ministro do Supremo Tribunal Federal. A população
terá que fazer o que o sistema de Justiça se recusa a fazer.
A recusa sistemática em
informar, amparada por sigilos vagos e desprovidos de fundamento, não é um
desvio pontual — é parte de um padrão. Um padrão que vem sendo chamado por
juristas e defensores de direitos fundamentais de lawfare: o uso do
aparato judicial como instrumento de perseguição política. Os números não são
apenas ocultados. Eles são tratados como ameaça, porque evidenciam a
desproporção das prisões, a seletividade das penas e o uso do direito penal
como forma de silenciamento. A ausência de dados, portanto, não é uma falha
burocrática. É a face invisível de um sistema que abandonou a imparcialidade
A resposta continua oculta — protegida por sigilos, sem justificativa, e sem qualquer traço de transparência.
Título, e Texto: David Agape, Substack, 18-4-2025
Guilherme Spader:Parabéns pelo excelente trabalho. Não desista, você vai encontrar muita resistência do sistema, mas também vai encontrar, mesmo dentro do próprio sistema, quem esteja disposto a ajudar, por que essa causa - transparência - é muito justa.
Fernando L Moraes:
Excelente trabalho Jornalístico, Parabéns!!
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Editorial mais do que vexatório, asqueroso
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ResponderExcluirAINDA BEM QUE A INVAAVACALHASÃO de 8 de janeiro não foi no Brauzzzil. Se fosse em terras brasileiras, (em Braspília) por exemplo a nossa justisssçççaaa já teria revelado quantos ainda estão presos, quantas já saíram e quantos vão amargar os ossos até que a verdade venha à tona. Por aqui nós temos o fabuloso STF (Salafrários Trocadores de Futricas), o MPF (Maníacos Pulando na Feijoada) e obviamente a PF (Papagaio Falador). Três entidades espíritas que resolvem as coisas mais difíceis do planeta, e o melhor de tudo, em tempo recorde. Sem precisar incomodar a alma de Chico Xavier EM SEU PARNASO DE ALÉM TÚMULO. E um detalhe muito importante. Nem careceria de trazer à baila a honnnnrrrraaaaddddiiiíssssiiiiissssiiiiimaaaa LAI (Ladrões Assustadores de Inocentes). Sem mencionar também, mas já o fazendo, o fato que a nossa Constitiuuitição Fedebemmal é lavada, perdão, é levada muito a sério. Como tudo por aqui não anda, voa, nem precisaremos mencionar a PGR, ou (Procuradorqueria de Gatunos Roedores). Como dissemos, logo no início, ainda bem que a invasão do dia 8 de janeiro não ocucucurreu em nosso Brauuzzzil, FoiI em passárgada. Por estas bundas, perdão, por estas bandas, a noça lei é justa. Aqui as coisas não esperam acontecer, emperram, mas, a trancos e barrancos, se vê a seleção. Só falta o técnico. Temos um presisendente onesto, o país está nos trilhos e esses por aí, que falam mal, que esbravejam, não conhecem ou nunca ouviram falar do Grande Fungador Juscelino, aquele homem que comprou o planalto central inteiro, deu vida a uma cidade eróica nobre e acolhedora, passando, pasmem, um Kubitschek sem fundos.
Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.