O Congresso não vota a LDO, mas aumenta o Fundo
Eleitoral para R$ 4,9 bilhões. Enquanto isso, os Estados Unidos enfrentam o
shutdown por não aprovarem o orçamento
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Arte: Kiko |
A diferença é gritante e a
distância que separa as duas situações é quilométrica. De um lado está o
Congresso dos Estados Unidos. Do outro, o Parlamento brasileiro. Atenção! A
intenção, aqui, não é discutir diferenças políticas e ideológicas entre as duas
instituições nem analisar o relacionamento de cada uma delas com os demais
poderes de seus respectivos países. O que está em debate é o comportamento do
Poder Legislativo diante de um dos mais importantes papéis reservados para ele
tanto pela lei americana quanto pela brasileira. Esse papel é o de dar a
palavra final sobre o orçamento e os critérios para o gasto do dinheiro do
povo. Nesse quesito, com todas as imperfeições que pode haver no país
norte-americano, o placar está pelo menos 7 a 1 para os Estados Unidos.
Falemos, primeiro, do caso
brasileiro. Na terça-feira da semana passada, 30 de setembro, a Comissão Mista
de Orçamento do Congresso, que reúne trinta deputados e dez senadores, decidiu,
mais uma vez, adiar a votação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), que orientará os gastos federais em 2026.
A agilidade, que tem faltado em relação a essa pauta fundamental para a
sociedade, sobra em quando a questão diz respeito aos bolsos dos políticos. No
mesmo dia em que adiaram a votação da LDO, os membros da Comissão deixaram
claro que empurrarão goela abaixo da sociedade uma conta indigesta, de pelo
menos R$ 4,9 bilhões.
Ela chegará na forma do Fundão Eleitoral que irrigará com dinheiro do povo as campanhas eleitorais do ano que vem. Os membros da Comissão também disseram que, para 2026, exigirão outras regalias. Entre elas, a que dá à execução das emendas parlamentares — uma bolada que, no próximo ano, deverá alcançar quase R$ 60 bilhões — preferência em relação a todas as demais despesas da União. Como sabem que o dinheiro federal anda curto para tanta despesa, querem assegurar que o deles esteja garantido. Afinal, como diz o ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
O orçamento é, por definição,
a peça mais importante de qualquer administração e diz respeito a todos os
setores da atividade pública — não mas parece que apenas às rubricas de
interesse dos parlamentares são tratadas como prioridade. É ele que alimenta os
programas propostos pelo governo e define os critérios de distribuição do
dinheiro dos impostos que o Estado arrecada da sociedade. Elaborado
inicialmente pelo Executivo com base na previsão de receitas para o exercício
seguinte, a LDO é submetida ao Legislativo, que, dentro dos limites definidos
em lei, pode alterá-la da forma que julgar mais conveniente. Depois de
aprovada, essa Lei orienta a elaboração do Orçamento Geral da União, que deve
ficar pronto antes do início do próximo exercício — ou seja, até o dia 31 de
dezembro de 2026.
Esse prazo, no entanto, raramente é respeitado. O orçamento para 2025, por exemplo, só foi aprovado no dia 30 de março. Ou seja, o país passou três dos doze meses do ano pagando as despesas da máquina pública com base no orçamento do ano anterior. E este ano? Será que Suas Excelências encararão com mais seriedade a obrigação de cuidar de uma lei tão importante? Pelo andar da carruagem, isso parece pouquíssimo provável.
A previsão original para 2026
é de uma receita líquida de R$ R$ 2,57 trilhões e uma despesa primária de R$
2,6 trilhões — além de um crescimento de 2,44% do PIB e uma inflação de 3,6%.
Feitas as contas e definidos os critérios de gastos, a expectativa do governo é
de um resultado fiscal positivo de R$ 34,5 bilhões — o que equivale a 0,25% do
PIB. Só tem um problema: a possibilidade desse resultado ser alcançado em ano
eleitoral, como será 2026, é mais do que remota.
Pelo que se vê, o cenário
fiscal para o próximo ano não é dos mais animadores — e a população pode se
preparar para as consequências desse desarranjo orçamentário que, como o
brasileiro está cansado de saber, tem reflexos na inflação, na taxa de câmbio e,
claro, nos juros. Pior: a previsão crescente de gastos, as promessas de
isenções tributárias populistas (até despesas com pets, com a contratação de
personal trainers e com viagens ao exterior eles querem livrar dos impostos) e
o anúncio de mais gastos indicam que o governo pode até prometer superávit, mas
não parece disposto a permitir que ele aconteça. Tudo indica que o Congresso,
que a princípio seria o responsável por impedir o déficit, fará tudo o que
estiver a seu alcance para evitar que sobre algum dinheiro no caixa federal no
final do próximo ano.
SHUTDOWN — A proposta do governo sobre os gastos do próximo ano foi
elaborada pelo Ministério do Planejamento e entregue à Comissão de Orçamento no
dia 15 de abril. Desde então, está sob análise do relator, deputado Gervásio
Maia (PSB/PB). A votação do texto final, que deveria ter acontecido no primeiro
semestre, agora está prevista para a próxima terça-feira. Ou seja, depois de
amanhã. Isso, naturalmente, se Suas Excelências não encontrarem uma desculpa
qualquer para continuar empurrando com a barriga uma tarefa que, por imposição
constitucional, deveriam ter cumprido no primeiro semestre.
De acordo com o que diz a
Carta, enquanto os parlamentares não votarem a LDO, não podem sair para o
recesso de meio do ano. Por mais claro que tenha sido, o constituinte que
propôs essa lei não contava com a astúcia de políticos como os presidentes da
Câmara, Hugo Motta (Rep./PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP). Para
driblar a proibição de dar férias para os parlamentares antes de cumprir esse
dever, a dupla apelou para um expediente conhecido como “recesso branco”, em
que fizeram de conta que estavam trabalhando quando, na verdade, estavam de
pernas para o ar. Até aí, tudo bem: o Brasil está cansado de ver os políticos
adaptarem as obrigações às suas conveniências pessoais e esse foi apenas mais
um exemplo dessa prática. A questão é: onde está a diferença gritante
mencionada no início deste texto?
Bem... no mesmo dia em que os parlamentares brasileiros tomaram a decisão de
adiar por mais alguns dias a votação da LDO, o Congresso dos Estados Unidos
também discutia o orçamento federal americano — e mostrava porque as
instituições de seu país são mais sérias do que as brasileiras. Eles discutiram
até o último momento sem, no entanto, chegarem a qualquer acordo.
Por lá, o ano fiscal se inicia
no dia 1º de outubro e vai até o dia 30 de setembro do ano seguinte. Ao
contrário do que acontece no Brasil, onde a falta de acordo sobre os detalhes
do orçamento não gera qualquer tipo de consequência, por lá a falta de acordo
leva à paralisia de boa parte dos serviços públicos. Isso mesmo. Se o orçamento
não estiver fechado no dia 30 de setembro, algumas atividades simplesmente
deixam de ser executadas por falta de verba.
Nos últimos 50 anos houve 13
situações de shutdown — palavra que significa paralisação ou desligamento e
que, nesse caso específico, diz respeito ao corte de verbas para serviços
públicos não essenciais. Enquanto os parlamentares não chegam a um acordo, tarefas
como a emissão de passaportes e de vistos, a inspeção de alimentos, a
administração dos programas sociais, a administração dos parques federais e
outras atividades consideradas secundárias no serviço público simplesmente
deixam de ser oferecidas à população.
SITUAÇÃO IMPENSÁVEL — Funcionários federais considerados “não
essenciais” são afastados, sem direito a salários. De acordo com as análises do
mercado de trabalho, se o atual shutdown se estender por mais duas ou três
semanas, a taxa de desocupação, que foi de 4,3% em agosto, pode chegar a 4,7%
caso os funcionários afastados passem a figurar como desempregos temporários.
(A estimativa é da agência Bloomberg).
O pomo da discórdia, desta
vez, foram os gastos federais com saúde e a falta de acordo em torno de
programas que receberam recursos vultosos nas administrações democratas de
Barack Obama e, depois, de Joe Biden. De forma superficial, pode-se dizer que
os parlamentares republicanos, que controlam a Câmara e o Senado, mas não
controlam todas as comissões das casas, defendem que não haja uma mudança
drástica nos critérios de gastos definidos por Donald Trump — e que são mais
austeros em relação a gastos federais do que desejam os democratas. Sem acordo,
os serviços considerados não essenciais tiveram seus recursos cortados a partir
da zero hora da quarta-feira passada.
Uma situação como essa é
impensável no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos o atraso na elaboração do
orçamento é exposto para sociedade da forma mais eloquente e desagradável
possível, no Brasil os parlamentares sempre encontram um jeito de acochambrar a
situação e justificar a própria omissão. O interessante é que, enquanto por lá
o desentendimento é motivado pela definição das prioridades no destino do
dinheiro público, no Brasil todos os partidos — da esquerda, da direita ou do
centro — se unem na hora de assegurar que os recursos federais continuem a
serviço de seus interesses.
Até o momento, uma das poucas
decisões seguras a respeito dos gastos discricionários para 2026 — ou seja,
sobre a pequena parte do orçamento que não está comprometida com o pagamento
das despesas obrigatórias — é a consta da Instrução Normativa aprovada na
Comissão de Orçamento na terça-feira passada. Ela não diz respeito a programas
essenciais para a população, mas ao financiamento das campanhas eleitorais. A
proposta original, elaborada pelo Poder Executivo, previa destinar R$ 1 bilhão
para o financiamento das campanhas eleitorais — atividade que, em democracias
sérias, é bancada com recursos levantados pelos próprios partidos.
Só que, no Brasil, o dinheiro
público não é tratado com respeito e parece existir para servir aos interesses
dos políticos. Na terça-feira passada, portanto, eles resolveram puxar o valor
de R$ 1 bilhão inicialmente oferecido pelo governo para R$ 4,9 bilhões — e
muita gente já comenta que o número pode aumentar ainda mais até o final do
ano.
PONTES E ESCOLAS — Suas Excelências mexeram na proposta do
Ministério do Planejamento para dizer de onde sairá o dinheiro que financiará
suas campanhas. A conta é simples. R$ 1 bilhão já estava reservado na proposta
inicial. Outros R$ 2,9 bilhões sairão, segundo o deputado Isnaldo Bulhões
(MDB/AL), relator da matéria que trata do Fundão Eleitoral, virá do valor que
estava reservado para as chamadas “emendas de bancada”. Outra parte, R$ 1
bilhão, sairá dos recursos que seriam reservados para as chamadas “despesas discricionárias”
do governo.
Ou seja, uma parte dos
recursos minguados que o orçamento federal reserva para o Executivo gastar de
acordo com suas prioridades, ajudarão a alimentar o Fundão e será torrada no
financiamento das campanhas eleitorais. Ou seja: recursos que deveriam ser utilizados
para a construção de hospitais, para a reforma de escolas, para a construção de
pontes e para o recapeamento das estradas federais será entregue aos partidos e
utilizados nas campanhas de políticos que prometerão construir hospitais,
reformar escolas, construir pontes e recapear estradas federais. Faz sentido?
Não! Não faz o menor sentido.
Mas, no Brasil, situações como essa acabam sendo consideradas normais diante
dos absurdos recorrentes que se vê no uso do dinheiro público. Detalhe: o
pedido de elevação dos recursos que o governo pretendia gastar com o financiamento
do Fundão eleitoral contou com apoio, inclusive, dos parlamentares do próprio
partido do governo. Não houve objeções. Aliás, o barulho gerado pelos atritos
entre a esquerda e à direita em torno de qualquer política pública proposta
pelo governo se transforma num silêncio eloquente quando se trata de assegurar
acesso aos recursos públicos destinados aos próprios políticos.
Isso parece estar no DNA dos
políticos brasileiros. Assim como os deputados da base bolsonarista mantiveram
silêncio em torno desse assunto na administração passada, nunca, jamais, em
tempo algum se ouviu de alguém da bancada do PT qualquer crítica sincera ao uso
de dinheiro público para alimentar o Fundão Eleitoral. Também não se costumam
ouvir críticas ao chamado Fundo Partidário — dinheiro destinado a manter as
máquinas partidárias em funcionamento.
Detalhe: o valor do Fundo
Partidário também não é modesto. A verba que o orçamento deste ano reservava
para essa rubrica era de R$ 1,33 bilhão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
chegou a vetar uma medida que elevava esse valor em mais R$ 164 milhões. Em
junho passado, no entanto, o Congresso derrubou o veto e elevou o Fundo
Partidário para quase R$ 1,5 bilhão. Assim como acontece com os recursos do
Fundão Eleitoral, esse dinheiro é distribuído às legendas de acordo com o
tamanho das bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados nas eleições, no caso
da atual legislatura, de 2022. O maior beneficiário do dinheiro é o PL, que
elegeu 99 deputados, seguido pelo PT, com 68. Em seguida vem o União Brasil,
que fez 59 cadeiras, o PP, com 47 e o MDB, com 42.
FLOTILHA PRÓ-HAMAS— É triste. A verdade, porém, é que o parlamento
brasileiro tem dado seguidas demonstrações de fragilidade institucional em
pontos sensíveis — como é o caso do zelo pelo dinheiro do povo. Ao mesmo tempo,
ele investe uma energia descomunal em questões das quais, a rigor, nem deveria
estar tratando. Na sessão de terça-feira passada, por exemplo, o deputado
Glauber Braga (PSOL/RJ) usou a tribuna da Casa para “denunciar” que, a bordo de
um dos barcos da flotilha de militantes de esquerda que navegava em direção à
Faixa de Gaza havia uma deputada brasileira — e que ela estava sob ameaça do
governo de Israel.
Foi depois dessa “denúncia”
que a maioria dos brasileiros ouviu falar pela primeira vez da deputada
Luizianne Lins (PT/CE), que deixou suas atividades no Brasil para embarcar no
cruzeiro que cruzou as águas calmas do mar Mediterrâneo neste início de outono
no hemisfério Norte, a pretexto de levar “ajuda humanitária” para a população
de Gaza. Os militantes sabiam desde o primeiro momento que seriam impedidos
pela marinha israelense de chegar a seu destino. Sabiam, da mesma forma, que
seriam detidos e, depois, devolvidos a seus países. E, principalmente, sabiam
que não corriam risco de sofrer agressões nem de perder a vida nas mãos das
Forças de Defesa de Israel.
Foi exatamente o que aconteceu
— mas a detenção da flotilha de apoio aos terroristas do Hamas vem sendo
utilizada desde então como peça da propaganda insistente dos que tentam negar a
Israel o direito de se defender. O deputado Hugo Motta, que disse ter concedido
à deputada licença para viajar e embarcar num dos barcos da flotilha
“humanitária” — nos quais, segundo as autoridades de Israel, não havia sequer
um quilo de alimentos destinado ao povo palestino. Motta também telefonou para
o chanceler Mauro Vieira e pediu que o governo brasileiro intercedesse junto ao
governo de Jerusalém para libertar a deputada e mais uma dúzia de brasileiros
que embarcaram na aventura.
Talvez não soubesse que a
interlocução de Vieira e do Itamaraty com o governo israelense é a pior
possível e que a relação entre os dois países foi rebaixada por Israel ao nível
de mera formalidade desde que o Itamaraty, por ordem do chanceler de facto, Celso
Amorim, se recusou a receber as credenciais do diplomata Gali Dagan — indicado
por seu país para a embaixada em Brasília.
O incidente com a flotilha,
como era de se esperar, inflamou a veia antissemita que tem predominado na
diplomacia brasileira em tempos recentes. É lamentável. Enquanto a parcialidade
do governo brasileiro o excluiu das negociações do acordo proposto por Donald
Trump que, neste momento, acontecem no Oriente Médio e podem, finalmente, levar
à libertação dos últimos reféns em poder dos terroristas e ao fim dos
conflitos, a militância continua alimentando o ódio a Israel — atitude que diz
mais sobre os que acusam Israel de cometer violência do que sobre o país a quem
pretendem negar o direito de se defender e até mesmo de existir.
Título e Texto: Nuno Vasconcellos, O Dia, 5-10-2025
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