domingo, 27 de março de 2011

Hamlet

Luiz Felipe Pondé
"'Respeitar o parceiro no amor' é uma das mentiras mais chiques que circula por aí"


Posso ser acusado de estetizar a ética porque me reconheço como escravo do gosto. O que é isso? Por exemplo, o filósofo Nietzsche, muito importante em minha formação, já foi muitas vezes acusado de estetizar a ética, isto é, reduzir a escolha moral à noção de gosto (preferência puramente estética sem agonia moral acerca das consequências da escolha). Algo como uma ética blasé sem sofrimento quanto aos ”valores morais” envolvidos no processo de decisão. Um “dane-se!” para com a exigência de resistir ao gosto. Vivemos numa época brega. Essa breguice aparece na mania de ter uma vida limpa e vivida sobre o “direito de ser feliz” e sob o signo da saúde total. Por exemplo, lembro-me da falecida princesa inglesa “Lady Diana” ou “Lady Di” dizer na TV algo semelhante a “Eu também tenho direito de ser feliz”, chorando porque o seu marido de então, futuro rei da Inglaterra, Príncipe Charles, tinha uma amante. Vê-se bem a alma da classe média dela. A ideia de que alguém que será esposa de um rei queira ser feliz como se fora ela uma esposa de caminhoneiro da zona leste (East End londrino) é brega. Ler livro de auto-ajuda, arrumar sofás de acordo com as energias da casa (submetendo o universo às mesquinharias diárias que toda casa esconde sob sua sala de jantar), reciclar lixo como momento ético mais alto do dia, lavar as mãos com álcool gel por medo de vírus, respeitar o parceiro no amor (aliás, quem respeita o parceiro no amor é porque não ama, “respeitar o parceiro no amor” é uma das mentiras mais chiques que circula por aí), tudo isso é brega. Por isso, uma sociedade que faz estilo de “utilitarista dos afetos”, movida por uma geometria do útil, como a nossa, em que quase todo mundo carrega o rosto idiota de quem vive buscando a felicidade, se desumaniza à medida que se faz estrategista eterno do sucesso existencial. Sim, eu acredito na infelicidade como matéria de vida. Não que a procuremos, nem precisa, ela nos acha, mas creio na infelicidade como medula, espinha dorsal de nossa dignidade. A infelicidade é a lei da gravidade que reúne os elementos que compõem nossa personalidade. O fracasso é que torna o homem confiável. Imagine se Hamlet só quisesse ser feliz?
Texto: Luiz Felipe Pondé, in “Contra um mundo melhor – ensaios do afeto”, página 68.
Digitação e Edição: JP
Relacionados:
"Contra um mundo melhor - ensaios do afeto"
O gosto da culpa

4 comentários:

  1. J'aime, j'aime, j'aime !

    cette histoire est extraordinaire :)

    Je viens d'ailleurs de publier mon avis sur "hamlet" sur mon blog...


    Joli article, je reviendrais ;)

    Bonne continuation !!

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  2. Luiz Felipe Pondé

    Por exemplo, lembro-me da falecida princesa inglesa “Lady Diana” ou “Lady Di” dizer na TV algo semelhante a “Eu também tenho direito de ser feliz”,
    ************************************
    Gostaria de opinar sobre esta declaraçao da Lady Di.
    Na época, fiquei chocada, penalizada e surpresa com essa atitude da princesa.
    Pois era do conhecimento de todos esse relacionamento do principe Charles com Camile
    Ela casou sabendo. Será que ela Lady Di pensou que com o tempo o Charles, ia esquecer da amante?
    Tudo na vida tem seu preço e a noblesse oblige. Literalmente; a nobreza manda...
    Alí me pareceu que ela quería se vingar de Charles e da Camile, pois se achou preterida

    Houve boatos no passado sobre as puladas de cerca do Duque de Edimburgo, não sei se é verdade...
    Porem a Rainha Elisabeth se comportou como manda o protocolo.
    Temos o exemplo do casamento da Grace Kelly, segundo o livro de sua biografia não autorizada,
    O casamento dela tomou outros rumos, que a fizeram muito infeliz.
    E apesar de não ter sangue azul, deu continuidade a sua misão de princesa.

    E muitas mulheres por este mundo afora, sabendo com quem casou, porque ninguem modifica ninguem
    continuam sua trajetoria em benefício dos filhos.

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  3. Olá, Janda!
    Não sei... para mim a Lady Di foi uma excelente vendedora de si mesma...

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