quarta-feira, 23 de março de 2011

Uma última tentativa de evitar eleições

Assembleia da República, Lisboa
José Sócrates devia dizer ao Presidente da República que o PS está disposto a apresentar-lhe um outro candidato a primeiro-ministro, para ainda no atual quadro parlamentar negociar com o PSD um governo de coligação.
Decorre neste momento, na Assembleia da República, o debate sobre o que, bem ou mal, se tem chamado o PEC IV, seguindo-se as votações das diversas resoluções tendentes a 'chumbá-lo'. Face a todos os elementos disponíveis, às posições já repetidamente assumidas pelos diversos partidos e pelo primeiro-ministro, José Sócrates, está iminente a concretização desse 'chumbo' e o pedido de demissão do Governo. Tendo como natural consequência a próxima realização de eleições antecipadas.
Mas serão estas eleições inevitáveis? Tudo indica que sim. Mais do que inevitáveis até seriam, em circunstâncias normais, desejáveis. No entanto, as circunstâncias são tudo menos normais, pois é pacífico, óbvio, que podemos estar à beira do precipício. E creio ser também praticamente líquido, fora dos setores político-partidários que -- com toda a razoabilidade ou possibilidade de estarem certos -- pensam ganhar essas (e com essas) eleições, que uma crise política com a realização de um novo ato eleitoral só fragilizará ainda mais a posição de Portugal na UE e perante os famigerados mercados. Com tudo que aí decorrerá, incluindo a entrada em Portugal do FMI nas piores condições.

Ou seja: se é verdade que o FMI em boa parte já cá está, dado as medidas até agora tomadas, aliás com parcos resultados, fazerem parte do seu "receituário", quando entrar de corpo inteiro ainda será muito pior. Para já não falar de outros aspetos que se prendem com a imagem, ou mesmo com a dignidade, nacional. A situação é dramática, e por isso o apelo "angustiado" à intervenção do Presidente  da República por parte de uma figura central da nossa democracia, com uma experiência única - Mário Soares, claro -, intervenção para tentar evitar ainda as eleições antecipadas e concretizar um entendimento entre o PS/PSD neste período dificílimo da nossa história colectiva. Apelo entre outros apelas, como o de outro antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, que sucedeu a Soares e antecedeu Cavaco Silva.
Sem prejuízo de outras análises possíveis, e em devido tempo necessárias, bem como da repartição das responsabilidades no estado, na crise, a que chegamos, a realidade é a que está perante os nossos olhos e não há que fugir dela. Quem não viva em Marte, ou não esteja cego ou 'limitado' por visões estrita e estreitamente partidárias, tem de reconhecer pelo menos que o Governo foi anunciando sucessivos sucessos que não se confirmaram e sucessivas medidas que dizia ou sugeria serem suficientes para meter as nossas Finanças, o défice, nos eixos, e não foram. Tem de reconhecer pelo menos que o primeiro-ministro José Sócrates foi dos que contribuiu, não importa apurar agora em que grau, para tal estado de coisas e tal crise iminente, em particular ao anunciar em Bruxelas novas medidas muito duras sem previamente as discutir com o líder da Oposição e dele obter o indispensável acordo para serem aprovadas, e sem delas dar sequer conhecimento ao Presidente.
Quer por isto, quer por outros fatores, é inquestionável ser de todo impossível, com José Sócrates, um entendimento PS/PSD, mormente para a constituição de um governo de maioria, que generalizadamente se entende indispensável nas atuais circunstâncias. Assim, e embora saiba muito bem o que isso significa e a improbabilidade de, face à sua forma de fazer política e às suas características, isso ser viável, o que defendo ou sugiro a José Sócrates, como última eventual "saída" para evitar eleições e o que elas representam, é o que se segue.
Quando, se calhar ainda hoje ao fim da tarde, José Sócrates for recebido pelo Presidente da República e lhe apresentar ou pedir a demissão, devia dizer-lhe, como líder do PS, que o partido estaria disposto a indicar-lhe (ao Presidente) um outro candidato a primeiro-ministro, que não ele, para ainda no atual quadro parlamentar negociar com o PSD um governo de coligação e, se necessário, um acordo sobre possíveis medidas a tomar, em substituição das constantes do chamado PEC IV, para atingir os objetivos visados, sem os seus tão elevados custos.
Para quem colocar "Portugal primeiro", creio impor-se essa última tentativa para evitar o que pode ser o pior. Infelizmente, admitindo que Cavaco Silva concordaria em promover tal tentativa, temo que nem José Sócrates tenha a visão, a grandeza e a humildade desse gesto, nem, se ele o fizer, o PSD desista das eleições num momento em que pelo menos aparentemente elas lhe poderão ser mais favoráveis, em termos de resultados.
José Carlos de Vasconcelos, revista Visão, 23-03-2011

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