segunda-feira, 28 de março de 2011

Matéria na "Isto É" sobre a situação em Portugal: "Diga ao povo que não fico"

Saída de José Sócrates e rebaixamento do risco mostram agravamento da crise em Portugal
Não há razão para festa, ó pá. Na quarta-feira 23, o primeiro-ministro português José Sócrates pediu demissão do cargo, após ver sua quarta tentativa de implantar um programa de austeridade nas contas públicas ser rejeitada.  
No dia seguinte, duas agências de classificação de risco, a Fitch e a Standard & Poor’s (S&P), rebaixaram a nota dos títulos portugueses. Segundo a S&P, hoje Portugal ostenta uma classificação BBB. É um nível acima de países problemáticos, como as falidas Islândia e Grécia, mas dois níveis abaixo da Irlanda.
Foto: Armando Franca/AP
Portugal está prestes a lançar ao mar seu grau de investimento. “O rebaixamento da nota reflete o aumento dos riscos fiscais e de implementação da política econômica”, disse Douglas Renwick, diretor da Fitch.
A terra de Camões enfrenta dois problemas de proporções épicas e sem solução à vista. O primeiro é sua situação econômica. Pelas contas neutras do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida pública que encerrou 2010 estimada em 78% do Produto Interno Bruto (PIB) poderá chegar a 82% em 2011 e superar estratosféricos 91% em 2012.
 
A razão do salto é contábil. Nos últimos anos, ironicamente, os gastos com as empresas estatais não entravam no orçamento (não, não é piada de português).  
Por exigência da União Europeia, essa distorção terá de ser corrigida a partir de agora. A estimativa é que só a inclusão dos metrôs de Lisboa e do Porto vai elevar o buraco em mais E 12 bilhões, ou 7% do PIB.
A economia não cresce. Depois de um recuo de 2,5% no PIB, em 2009, e de um crescimento magro de 2,1%, no ano passado, as estimativas para 2011 mal superam 1%. O desemprego está em 10,5%, um ponto percentual acima da média da zona do euro. O governo pouco pode fazer para remediar a situação.
As faces de uma crise - Fila nos bancos: juros sobem, mas protestos (à direita) mostram a fraqueza do governo. Foto: Francisco Leong e José Manuel Ribeiro
“Com o euro, houve uma migração grande de atividades econômicas dentro da Europa”, diz Antonio Bento de Mendonça, sócio do escritório de Paris da consultoria francesa Solving Éfeso. “Portugal acabou perdendo indústrias e concentrando negócios como o turismo, que dependem bastante da situação global.”  
Com isso, mesmo que o governo tivesse dinheiro para injetar na economia, essa medida seria ineficaz, pois não atrairia mais alemães, franceses e ingleses para as praias de onde partiram as caravelas, em 1500.  
Para complicar, o governo nunca teve apoio para adotar medidas de austeridade essenciais para que a situação mudasse, como reduzir as aposentadorias e o salário mínimo. O desgaste foi tanto que obrigou Sócrates a deixar o cargo.
Tudo isso seria contornável, não fosse o segundo problema. Se uma bancarrota lusitana afetasse profundamente a economia mundial, haveria um movimento global de salvação. No entanto, ao contrário do que ocorre com Irlanda e Espanha, os pesares de Portugal não têm a menor importância para o mercado financeiro.

As notícias da queda de Sócrates e do rebaixamento das classificações de risco fizeram as taxas de juros dos títulos públicos portugueses disparar. A rentabilidade dos papéis de dois anos subiu para 6,9% ao ano, o maior nível desde a introdução do euro, em 1999.
No caso dos bônus de dez anos, o prêmio em relação aos papéis alemães ampliou-se para 4,4%. No entanto, os bônus de outros países europeus mal reagiram.
Sem o risco de prejuízos para os investidores, as possibilidades de socorro dos vizinhos europeus são remotas. As autoridades de Bruxelas estão preparando um pacote de ajuda imediata que pode chegar a E 765 bilhões, mas Portugal não terá uma fatia expressiva desse bolo com facilidade.  
Em suas primeiras declarações após a saída de Sócrates, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean Claude Trichet, defendeu medidas de austeridade. “É crucial que Portugal aprove os planos (de corte de gastos) desenhados pela Comissão Europeia”, disse ele.
No que depender das autoridades globais e dos mercados financeiros, a situação lusitana permanecerá mais triste que os versos dos fadistas do Chiado, tradicional bairro boêmio de Lisboa.
Cláudio Gradilone, Isto É Dinheiro, 25-03-2011
Colaboração: Sueli Guerra (Resistência Democrática)

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