sábado, 22 de fevereiro de 2014

Sobre a hipócrita performance do senhor Tordo: artigo final


Introdução, (particularmente para o nosso generoso leitor residente fora de Portugal ou “imigrado de”):
Esse senhor, Fernando Tordo, é um compositor-cantor português que resolveu se mudar de Portugal. Mas, como opositor a este governo, e perfeito conhecedor da opção ideológica da imprensa local, não perdeu a oportunidade de tornar a sua (dele) opção de mudar para o Brasil, numa performance comicial. (Num circo).
A que se juntou o seu filho numa carta “comovente” (assim se expressou o Jornal ‘Público’), que não li.
 
O senhor Tordo pai, antes de partir afirmou “É muito provável que aproveite estes últimos anos da minha vida, porque não os quero consumir aqui. Eu não quero, eu não aceito esta gente, não aceito o que estão a fazer ao meu país. Não votei neles, não estou para ser governado por este bando de incompetentes. Vou-me reformar deste país. Não me está a apetecer ficar aqui, de maneira nenhuma. Acho que ainda tenho muita coisa para fazer”. (Wikipédia)
Grifo meu. 

Toda essa performance político-ideológica da família Tordo me causava náuseas, ia lendo algumas reações em blogues que sigo… algumas bem interessantes, pois mostraram-me o tamanho da mama estatal de que esse senhor se beneficiou, mas continuava com a decisão de não dar bola a essa insultuosa hipocrisia. Até que, e ainda não faz uma hora, leio este post de Ana Rodrigues Bidarra, no blogue “Estado-Sentido”. Li e reli. Considero-o definitivo.
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Acordei a(tordo)ada
Ana Rodrigues Bidarra


O Fernando Tordo decidiu, aos 65 anos, partir para o Brasil, onde irá, de acordo com as fontes noticiosas, dinamizar um espaço cultural no Recife. Diria que não há nada de errado nisto, exceptuando o facto de fazerem do acontecimento uma efeméride, apesar do vácuo noticioso a tanto nos ter já habituado.

Esperem, que isto afinal não é bem assim. Decidiu-se metamorfosear este momento num outro. Vejamos:
Fernando Tordo alega, em directo, no momento do seu lânguido farewell, que Portugal não é suportável, que não está triste com ninguém, mas que este país, que agora deixa, não lhe dá oportunidades. Retorquindo à questão que lhe foi colocada pela jornalista, em que lhe foi perguntado, em tom algo jocoso, se seguia o conselho de Passos Coelho, Tordo demonstra o desdém que tem por PPC dizendo que este não tem tamanho para dar conselhos a ninguém, que é muito pequeno. Certo.

Afinal, aquilo é isto. Só que não. Não é.

O i  revelou ontem que a empresa em que Fernando Tordo é sócio-gerente recebeu, desde 2008, mais de 200 mil euros, 10 mil euros dos quais este ano, pela produção de vários espectáculos. Também não me parece que haja nada de errado nisto, exceptuado o facto de todos os espectáculos terem sido objecto de ajustes directos por parte das entidades adjudicantes.

Tordo explica que deu emprego a 26 músicos, técnicos de luz e som e que, do total das adjudicações directas feitas à sua empresa, recebeu apenas 10%.
Acrescento ainda que Tordo voou para o Brasil mas voltará em Abril, altura em que actuará, a dia 25, num espectáculo no Centro Cultural do Alto Minho, em Viana do Castelo.

Très bien. E agora? Agora fazemos um breve rewind.
Tordo, prenhe de auto-comiseração, diz que não tem oportunidades em Portugal.

Ora, a mim parece-me que Tordo beneficia de uma posição supra-legal, indevidamente conferida pelas entidades com as quais contratou, em que o cumprimento da lei e dos procedimentos pré-contratuais necessários parecem ser um óbice ao desenvolvimento da sua actividade. Ademais, não dá para tolerar a desfaçatez, a impudência e a falta de gratidão de um indivíduo que tanto deve ao país que agora deixa.

Fernando Tordo não é um coitadinho. Tordo parece-me ser um biltre mas, hoje, todos dele se compadecem.

Voltemos à arena mediática:

A Carta ao Pai , publicada no Público. Compreendo que cause comoção a alguns o desabafo do filho de Tordo, um escritor, que entendeu ser necessário defensar a honra do seu pai publicamente, após ter lido no facebook comentários desagradáveis acerca da ida deste para o Brasil mas, porra, a sério? Poupem-me. Se, de facto, como diz o filho: "Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo” por que raio escreve uma carta pública? Quando quero falar com o meu pai, dar-lhe força e transmitir apoio eu telefono-lhe ou vou lá a casa. Que raio de empáfia é esta?

Já para não falar da soberba do tipo, que escreve, e passo a citar: "Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha." 

"Uma mala às costas e uma guitarra na mão". Coitado do pobre senhor Tordo. Abandona o país ciente de que tem de se libertar dos grilhões desta governação, sente-se explorado, cansado, deu tanto a Portugal e recebe apenas 200 euros de pensão. É triste, muito triste. Só que eu e vocês sabemos que não é bem assim. Mas há de ter soado bem e há que deixar o escritor escrever. Deixar o artista expressar-se.

João Tordo tenta ainda um breve diagnóstico político-social e conclui que a geração do pai tudo fez para construir um país melhor para os filhos e netos e que a classe política governante "fez tudo para dar cabo deste país". Não posso comentar isto agora. Sim, é melhor não. Avante.

Fernando Tordo replica, no facebook, ao filho, dizendo: "Não entristeças, João". 

Os Tordos querem dar a esta viagem um sabor de coup de grâce ou torná-la num manifesto mas a tentativa falhou. Falhou, senhores.

Não quero, de todo, com esse texto, descredibilizar a análise feita por Fernando Tordo. De facto, Portugal está insuportável, mas não é para ele. Portugal tem uma classe política que se vê, quer-me parecer, obrigada a injectar esperança nos portugueses, mormente por via dos indicadores macroeconómicos e das análises feitas pelos especialistas e artigos no Financial Times, porque sabe perfeitamente que os efeitos desses sinais positivos na economia real e no consumo só se darão sabe-se lá quando. Bem sei que Portugal está na ruína. A minha geração nasceu com dívidas e morrerá com elas devido à geração do senhor que se diz agora sem oportunidades. 

A si, senhor Tordo, desejo-lhe a felicidade mas não me compadeço. Não posso admirar-lhe a coragem porque a geração dos seus filhos, que é a minha, é uma geração sem oportunidades, em que a resiliência e a coragem são nossos apelidos, graças a si e aos seus.

Senhor Tordo, não ter oportunidades é começar por não ter dinheiro para pagar senhas de almoço na escola primária; não ter oportunidades é não ter dinheiro para pagar uma licenciatura; não ter oportunidades é não ter possibilidade de contrair um empréstimo bancário para concluir os cursos, porque os bancos agem de sobreaviso e está declarado o fim da era do “crédito barato”; não ter oportunidades é, concluída com suor uma licenciatura, não ter emprego; não ter oportunidades é não poder formar uma geração vindoura; não ter oportunidades é ter medo de ter filhos e assistir ao envelhecimento progressivo da população; não ter oportunidades é viver em casa dos pais até aos 40 anos; não ter oportunidades é fazer contas aos descontos para a Segurança Social que perceber que daqui a 20 anos a palavra reforma é coisa do passado; não ter oportunidades é não poder pagar o passe; não ter oportunidades é comer pão com pão durante semanas.

A sua geração, senhor, rebentou-nos as costuras e, agora, estamos como vê, numa situação tão decrépita que fazemos notícia, na nossa televisão pública, da história de um cagão que faz milhares de euros em Portugal, em espectáculos, ao arrepio da lei e decide ir para o Brasil dinamizar um espaço cultural e se dá ao luxo de dizer que Portugal não lhe dá oportunidades.

Adeus, tristeza, até depois.
Título, Imagem e Texto: Ana Rodrigues Bidarra, “Estado-Sentido”, 21-02-2014

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