Miguel Angel Belloso
As crises podem ser uma boa
oportunidade para começar de novo, para tratar de mudar o modelo social e
económico que conduz irremediavelmente ao declínio. Quando Margaret Thatcher
ganhou pela primeira vez as eleições, em 1979, o Reino Unido atravessava um
descontentamento gigantesco. O país estava devastado pelas greves. A economia à
beira do colapso. Ela propôs-se a dar-lhe uma volta de 180 graus, desregulando
o setor financeiro, privatizando as empresas públicas, baixando os impostos e
cortando no poder dos sindicatos. Mas Thatcher nunca viu a sua passagem pela
política como a de um canalizador que arranja a canalização de um país. Tinha a
visão grandiosa que caracteriza um líder. O seu objetivo era transformar o país
na sociedade aberta de que falava Popper: acabar com a intromissão do Estado,
devolver o poder aos indivíduos através da propriedade privada, incentivar o
amor ao risco e restabelecer os níveis de liberdade individual e de responsabilidade
pessoal arrebatados pela corrente coletivista que tinha vindo a contaminar o
Reino Unido desde há uma década.
Receio que nada disto vá
acontecer devido à terrível recessão que acabamos de superar. Os governos que
tiveram de lidar com a crise em Portugal ou em Espanha, por exemplo, não
tiveram outro remédio que não o de cortar na despesa para equilibrar as contas
públicas e flexibilizar o mercado laboral para tornar as empresas competitivas.
Agora o défice público é controlável, a banca está saneada e na disposição de
financiar a economia e a atividade voltou a crescer, começando a gerar emprego.
Passos Coelho e Rajoy funcionaram como uma grande oficina de reparações.
Ninguém sensato pode dizer que sejam maus gestores. Mas não são os líderes que
a ocasião merecia. Não houve substrato ideológico por trás das suas políticas,
um projeto de país capaz de despertar a ilusão coletiva. Um afã por derrubar o
consenso social-democrata em que está instalado o continente europeu há tantos
anos.
Antes pelo contrário, a
esquerda conseguiu incutir no imaginário coletivo a ideia falaciosa de que,
como consequência das políticas de austeridade para combater a crise, os ricos
estão cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres e a classe média está
em fase de proletarização. E neste ambiente, a competição por demonstrar quem
tem uma maior sensibilidade social e defende melhor os interesses dos
desfavorecidos transformou-se no eixo central da discussão política. Em
Espanha, por exemplo, onde a economia vai crescer este ano mais de 3%, o
primeiro-ministro, Rajoy, declarou no último debate sobre o Estado da Nação que
tinha chegado a hora de aliviar o sofrimento dos cidadãos, como se tivesse
problemas de consciência por ter voltado a pôr o país nos eixos! Este tipo de
pensamento é letal. O caminho para melhorar o nível de vida dos cidadãos não
assenta na aplicação de políticas redistributivas à base de subsídios e ajudas
diversas, mas antes na criação de condições para que a economia cresça e gere
postos de trabalho. E isto consegue-se com uma fiscalidade baixa e um mercado
laboral flexível.
Quando Thatcher reduziu os
impostos no Reino Unido estava a passar a mensagem de que o sítio melhor para o
dinheiro estar é o bolso dos cidadãos, que estes devem aspirar a conservar a
maior parte do fruto do seu trabalho para assim ganharem liberdade de escolha.
O ponto de partida da política britânica era o de fazer que as pessoas
ambicionem melhorar as suas condições de vida e as dos seus filhos. Passos
Coelho e Rajoy não pensam o mesmo. Creem que o que há que evitar é que essas
condições se deteriorem, o que é o mesmo que resignar-se a uma sociedade de
expectativas limitadas, presidida pela mediocridade e por um igualitarismo
pífio.
Em Espanha, como consequência
da crise e dos casos de corrupção, está em marcha um movimento generalizado
contra o dinheiro. O enriquecimento ilícito de alguns estendeu a suspeita sobre
todos os que estão bem na vida, mesmo que a sua fortuna seja o resultado do
trabalho duro, de uma boa formação e de ter cumprido a regra máxima do
capitalismo, que é satisfazer a procura dos outros com a melhor qualidade e ao
melhor preço possível. A eficaz propaganda da esquerda conseguiu urdir a trama
de que os ricos e as grandes empresas mal pagam impostos. Mas trata-se de uma
grande mentira. A taxa marginal de 47% sobre o rendimento pessoal em Espanha é
uma das mais altas da Europa e é aplicada a partir de um nível muito mais baixo
do que noutros países, começa nos 60 mil euros, desincentivando o trabalho. E
também não é verdade que a lei fiscal seja generosa para com as grandes
empresas. Mas como a direita que governa Espanha - tal como em Portugal -
apenas aspira a ser uma tecnocracia competente e carece de um modelo social e
económico próprio, um modelo com que seduzir os cidadãos, o sentimento do país
está envenenado. Há um ambiente geral antiempresa, reticente ao mercado,
suspeitoso dos que se destacam e triunfam, mais do que nunca inclinado para a
ideia perniciosa de que o Estado está obrigado a tirar-nos da adversidade. Um
vento oposto ao ar fresco que Thatcher conseguiu imprimir indelevelmente na
sociedade britânica, onde as pessoas possuem uma grande confiança na sua
capacidade para construir o futuro delas.
Como recorda o meu amigo
Lorenzo Bernaldo de Quirós, grande economista liberal, "ser rico, ganhar
muito dinheiro, ter perspetivas e desejos de prosperar são virtudes, não
defeitos". Acumular capital para legar aos nossos descendentes, e que
aquele não sofra da voracidade arrecadadora dos governos, é uma boa causa. Porque
há de impedir qualquer socialista arrogante que preparemos um futuro melhor
para os nossos filhos? Em conclusão, temos de pedir perdão por ganhar dinheiro?
Na resposta a esta simples pergunta está a diferença entre as sociedades com
futuro e as que apostam na mediocridade. E receio que nem Espanha nem Portugal
estejam entre as primeiras.
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