Maria João Avillez
[…]
3. Voltemos à República. Ando com isto na cabeça: terão alguns
jornalistas e algumas das pessoas que frequentam as televisões e têm lugar
habitual no debate público consciência do espanto que poderão provocar nas
plateias vulgares, normais, que os ouvem?
O ar do país mediático está
saturado de acusações. Não se faz mediação, acusa-se; não se informa, julga-se;
não se esclarece, diz-se mal. De tudo e a eito. Perguntadores, mediadores,
esclarecedores ou… exclusivamente advogados de acusação? A suspeita e a desconfiança
têm praticamente lugar cativo, utiliza-se um considerável grau de má-fé e
consome-se por vezes porções de ódio.
O comentário e o debate são
muitas vezes – não todas, eu sei – pilotados por episódios e fait-divers e
veja-se o tratamento dado à tômbola dos candidatos presidenciais – até aqui sem
base de sustentação e com pouca verosimilhança – se não é de meter medo? E
agora, com a introdução na tômbola de uma não despicienda novidade: cada um
chega a um lado qualquer, atira com um nome e o nome passa a ser
notícia-para-se-fazer-caso: igual, ou quase, a uma declaração formal de
candidatura…
Também surpreende a deslizante
leveza com que nos ecrãs, todos sabem que a medida A, a lei B, a decisão C
estão obviamente erradas e deviam ser imediatamente trocadas pela X, a Y, e a Z
(defendida pelas oposições ou os interesses estabelecidos, sendo irrelevante
que nem umas nem outros careçam de mandato eleitoral para governar e logo para
produzir medidas e decisões). Ouço muito falar – e constato-a – da descrença
que paira sobre a política e do divórcio do eleitor face ao político, mas nunca
ouço falar do peso ou da relevância ou da influência (como quiserem) de certos
enviesamentos – não todos, repito – das televisões nisso tudo: quando mil vezes
por dia se acusa a classe política de absolutamente todos os pecados enquanto
ao mesmo tempo não se hesita em permanentemente a julgar na praça pública, e
até com o apoio de documentos forjados? Ou lidando do mesmo modo empenhado com
verdades, meias verdades ou mentiras? Ou ainda não se hesitando no assassinato
moral de Pedro Lomba – por exemplo – como foi o caso há dias num jornal dito de
referência.
Seria aliás incapaz de me
pronunciar ou criticar o novo programa para os imigrantes que fez de Lomba a
sua vítima (?) porque em absoluto desconheço o seu conteúdo. Já não seria
incapaz de manifestar surpresa pelo tom soez usado neste caso onde afinal pouco
ou nada se atendeu aos objectivos, bondades ou maldades do tal programa,
preferindo-se o insulto ao argumento. Não percebo que dê jeito confundir isto
com informação.
Eu sei que é proibido falar
assim. Impopular e condenável, contra a corrente bem pensante e os seus códigos
obrigatórios. Os seus hábitos e tribos. Paciência. Não vou imbecilizar-me ao
ponto de lembrar aqui, ao fim de décadas de oficio, que conheço bem o valor
fundamental da comunicação social e das suas insubstituíveis funções no
equilíbrio e na saúde de uma sociedade democrática. Mas também não me
imbecilizarei ao ponto de achar que o que se vê ou ouve todos os dias é – em
muitos casos – passível de encaixar no adjectivo “verosímil” para já não dizer
num sério e indispensável exercício de informação. Será porque o jornalismo é
afinal a única classe trabalhadora que não “despacha” perante ninguém e é livre
de acusar ou denegrir por opção? (sabendo-se ainda que quem se sinta humilhado
ou ofendido com as consequências de tal “ comportamento” terá o inferno como
destino pronto e único…)
Qualquer ser normalmente
constituído, de esquerda ou de direita (até porque a seguir a uma, vem a
outra…) pasmará com a leviandade risonha dos comentadores, profissionais da
política. Há uns meses, Marques Mendes queixava-se compungidamente do avultado
número de “casos e broncas, surpresas”, etc. (cito de memória) para dizer com
alivio que sim, felizmente havia outro país, normal, óptimo, que seguia em
frente, produzia, etc. Sem lhe ocorrer o que ele próprio (Mendes) contribuía
para o eco das tais coisas: quantas não ampliou já ele nos ecrãs? A quantas não
deu importância, quantas não transformou em “certezas”?
Um dia li aqui no Observador
que Marcelo se dizia “cansado da intriga”. Quem havia de dizer, um
fazedor/produtor/realizador do seu calibre, cansado do seu próprio produto? Mas
a quantas intrigas não ofereceu ele – de bandeja – verosimilhança? A quantas
não concedeu imediato direito de cidade? A quantas não emprestou a legitimidade
do “professor”?
Nada disto é novo, nem
original nem exclusivo e mesmo se com o mal dos outros posso eu bem, é-me
irresistível deixar aqui algumas linhas que julgo pertinentes de alguém que se
atarda sobre estas matérias. É espanhol, chama-se Miguel Angel Belloso, é um
liberal sem grandes ilusões, professor, cronista e mentor de uma revista de
economia que também dirige. Escreve semanalmente no DN e se aqui o cito é
porque ele traduziu de forma simplicíssima, essa espécie de estranheza a que
pretendi aludir acima. Eis um breve excerto de um recente artigo seu:
“Se alguém se questiona por
que pode a Espanha perder a estabilidade política quando vierem as próximas
eleições nos finais deste ano, e há possibilidades de que uma coligação
heterogénea de esquerda possa governar o país, a resposta principal está na
televisão. As duas principais estações do país, vistas diariamente por milhões
de pessoas, são de esquerda. Programam debates políticos de manhã, à tarde e à
noite que têm uma audiência muito respeitável e estão povoados por personagens,
muitas delas irascíveis e desacreditadas, que desconhecem os princípios mais
elementares da economia de mercado. Inclusive os que provêm do mundo
conservador, que são a minoria, carecem de princípios claros sobre como se gera
a riqueza ou em que consiste o dinheiro. O resultado é que uma pessoa senta-se
a jantar com a família e o país, que está a crescer a um ritmo superior a 3% e
vai produzir este ano mais de meio milhão de postos de trabalho – 400 mil em
2014 -, transforma-se no ecrã num país à beira de uma crise humana, numa
situação de emergência social (…)”
Portugal não é a Espanha mas
quem esteja a jantar com a família e abra a televisão, também se espanta: é
como se o país vivesse uma situação de catástrofe social generalizada, a fome
fosse trivial, o desemprego não fizesse senão aumentar e toda a classe política
estivesse sob suspeita.
Pergunto: ou não?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-