João Carlos Espada
A semana passada trouxe boas notícias
pluralistas de Londres e Bruxelas. Em vincado contraste, vozes autoritárias
atacaram em Lisboa o pluralismo do Conselho das Finanças Públicas
A Câmara dos Lordes votou por
larga maioria uma emenda à resolução dos Comuns sobre o Brexit; Jean-Claude
Junker apresentou 5 opções para o futuro da UE, em vez das suas habituais diretivas.
Por contraste, a maioria de esquerda em Portugal ameaçou o Conselho das
Finanças Públicas porque a sua presidente exprimiu uma opinião dissonante. São
dois conceitos de “democracia” que estão em confronto e vale a pena observar o
que está em causa.
Uma vigorosa manifestação de
pluralismo veio da “mãe de todos os Parlamentos”, em Londres. A Câmara dos
Lordes, curiosamente não eleita, aprovou por larga maioria (358 contra 256) uma
emenda à resolução dos Comuns sobre a saída da UE. Os Lordes solicitam que o
Reino Unido declare unilateralmente que os 3 milhões de europeus residentes
poderão continuar nas Ilhas Britânicas, independentemente do que a UE decida
fazer aos 900 mil britânicos residentes no continente. Isto contraria a posição
do Governo de Theresa May, que tem feito depender o futuro estatuto dos
europeus residentes da posição que a UE vier a adoptar relativamente aos
britânicos residentes no continente.
A decisão da Câmara dos Lordes
foi naturalmente criticada por vários defensores do Governo da sra. May. Mas,
que eu tenha visto, nenhum se lembrou de atacar os Lordes por “traírem o povo
ou a democracia”. Essa bizarra acusação coube, como seria de esperar, ao sr.
Farage, ex-líder do UKIP que aliás nunca conseguiu ser eleito para o Parlamento
britânico. Ele disse que os Lordes tinham votado contra o resultado do referendo
de Junho. Obviamente, ele está equivocado: o referendo de Junho votou pela
restauração da soberania do Parlamento britânico. No âmbito dessa soberania
constitucional, os Lordes votaram uma emenda à decisão dos Comuns. Por outras
palavras, o pluralismo constitucional do Parlamento britânico está a funcionar.
Outra iniciativa pluralista
partiu de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Em vez das suas
habituais “diretivas” para “sempre maior integração supranacional”, o sr.
Junker enunciou cinco possíveis opções para o futuro da UE — desde o simples
mercado único a uma maior integração supranacional, passando por várias
possibilidades intermédias. Façamos votos de que este pluralismo — que vozes
moderadas vêm defendendo há muitos anos — ainda chegue a tempo de retirar
espaço eleitoral à demagogia dos partidos extremistas na Europa.
Finalmente, e em triste
contraste com as notícias anteriores, assistimos entre nós a muito
desagradáveis ataques à presidente do Conselho das Finanças Públicas, Teodora
Cardoso, por esta ter exprimido cepticismo sobre as medidas que terão permitido
a redução do défice orçamental. Não se trata de concordar ou discordar da
opinião de Teodora Cardoso. Trata-se de compreender que a função dela é
precisamente exprimir uma avaliação independente. Não é por isso de admirar que
os ataques mais grosseiros contra ela tenham partido do PCP e do BE — dois
partidos reacionários e coletivistas que odeiam o pluralismo. Mas é muito
preocupante que o PS tenha feito coro com esses ataques e tenha mesmo chegado
ao ponto de dizer que a existência daquele Conselho podia ser reavaliada.
A ideia de que deve haver
apenas uma voz não é uma ideia democrática — ou, mais exatamente, corresponde a
uma ideia peculiar de “democracia”. Consiste ela em imaginar que o chamado
“povo” tem uma e apenas uma opinião, ou um interesse único — em regra
coincidentes com a opinião ou o interesse dos que falam em nome do “povo”.
Esta ilusão monista e
autoritária teve expressão durante o Estado Novo na chamada “União Nacional”. E
reapareceu durante o PREC com o célebre slogan “O povo unido jamais será
vencido”. É bom recordar que o Partido Socialista sempre denunciou essas duas
versões autoritárias da “democracia”, ou da chamada “vontade geral” — uma expressão
tristemente celebrizada por Jean-Jacques Rousseau e depois retomada por todos
os autoritários anti-pluralistas, de esquerda e de direita.
A atual direção do PS tem
contado com o benefício da dúvida dos portugueses relativamente à sua escolha
de uma aliança com o BE e o PCP. Mas não deve tomar esse benefício da dúvida
como um cheque em branco. Se o PS optar por subscrever o antipluralismo
autoritário do BE e do PCP, acabará por ser surpreendido por aquilo que Mário
Soares sempre elogiou: o bom senso dos portugueses.
Título e Texto: João Carlos Espada, Observador,
6-3-2017
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