quarta-feira, 28 de março de 2018

Esquerda, direita, “gays” e jornalismo

Miguel Pinheiro

Para Rosas, Adolfo não é homossexual – é “gay”. E não é gay – “diz” que é gay. Mais: não é “moderno” – é “ai que moderno”. E não é só “ai que moderno” – é “ai que moderno” com as mãozinhas no ar.

1. Podemos sempre contar com a extrema-esquerda para algum reacionarismo nos costumes. O último exemplo revelador é o de Fernando Rosas, fundador do BE, a falar na TVI sobre a homossexualidade de Adolfo Mesquita Nunes: “O CDS pode ter esta coisa da modernidade e tal, são muito modernos, até têm um dirigente que diz que é gay… Ai que moderno que ele é!”. Atenção: para Rosas, o dirigente do CDS não é homossexual – é “gay”. E também não é gay — “diz” que é gay. Mais: o dirigente do CDS não é “moderno” — é “ai que moderno”. E não é só “ai que moderno” — é “ai que moderno” com as mãozinhas no ar, como pode comprovar quem for ver as imagens de Fernando Rosas a falar.


Quem conheça a história da extrema-esquerda portuguesa, nomeadamente a do PCP — e a sua relação conturbada com a homossexualidade (por causa das exigências da clandestinidade, mas não só) –, não se espantará. Quando, há uns anos, Carlos Cruz perguntou a Álvaro Cunhal o que ele pensava da homossexualidade, a resposta, desarmante, foi: “Acho que é uma coisa muito triste”.

Já Francisco Louçã tem um particularíssimo conceito sobre a importância da paternidade. No final de um debate com Paulo Portas, quando estavam a discutir o aborto, o então líder do BE iniciou este edificante diálogo:

Louçã: “Não me fale de vida, não tem direito a falar de vida.”
Portas: “Quem é o senhor para me dar ou não o direito de falar?”
Louçã: “O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Eu tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança.”

E temos ainda a forma enternecedora como Jerónimo de Sousa olha para as mulheres. No fim de semana do congresso do CDS, disse, com orgulho, que “as mulheres importantes estão aqui hoje, não no congresso do CDS”. Claro: as mulheres do CDS não são “importantes” (da mesma forma que as mulheres do BE também não são “importantes”, são apenas “engraçadinhas”, para poderem angariar mais votos).

Além do reacionarismo, há o sentido de propriedade. A extrema-esquerda gosta de organizar o mundo a régua e esquadro, como é próprio das cabeças totalitárias. Para eles, na política há os homossexuais, há as mulheres, há as minorias étnicas e por aí adiante — e todos eles se devem arrumar, com obediência, nos seus devidos lugares. Quando algum desses indivíduos se desvia do destino que lhe foi pré-selecionado pelos iluminados, desencadeia-se um curto-circuito. Como é que, nos Estados Unidos, a Conselheira de Segurança Nacional do “fascista” George W. Bush era Condoleezza Rice, mulher e afro-americana? E como é que o vice-presidente de George W. Bush, o Darth Vader Dick Cheney, defendeu publicamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo (antes mesmo de Hillary Clinton) e, tendo uma filha assumidamente homossexual, a chamou para trabalhar com ele em vez de a excomungar com ferocidade e fervor? Ou, em Portugal: como é que alguém “que diz que é gay” acaba no CDS? Ou uma mulher que pretenda ser “importante”?

Quando as pessoas pensam pela sua cabeça, a extrema-esquerda entra em parafuso.

2. Anda por aí uma enormíssima confusão entre política e jornalismo. Não me detenho com Daniel Oliveira porque é escusado perder tempo com quem escreve opinião para ganhar eleições. Mas, esta semana, o fenómeno atingiu um texto de Nuno Garoupa, um académico que não anda a pedir votos.

Na sua coluna no DN, escreveu sobre o que “Cristas tem feito bem” e destacou este ponto: “Beneficiar de uma onda muito positiva na comunicação social como o CDS nunca teve: à direita, porque o aparelho de comunicação do passismo quer acabar com Rio, preferencialmente antes das eleições; à esquerda, porque uma maior dispersão de votos entre o PSD e o CDS favorece inevitavelmente o PS”.

Eu não sei se Nuno Garoupa tem absoluta consciência do que está a sugerir com aquilo que escreveu, mas é isto: os jornalistas “à direita” e “à esquerda” escrevem as notícias que os políticos lhes ditam. “À direita”, um elemento “passista” pega no telefone e manda os jornalistas fazerem uma cobertura exaustiva do congresso do CDS com o objetivo confesso de “acabar com Rio”. “À esquerda”, um elemento do PS pega no telefone e manda os jornalistas fazerem uma cobertura exaustiva do congresso do CDS com o objetivo confesso de incentivar “uma maior dispersão de votos entre o PSD e o CDS” para “favorecer” os socialistas.

No meio de toda esta descarada manipulação estão, na cabeça de Nuno Garoupa, vários jornalistas, todos eles a oscilar entre a ideologia e a cobardia. Os primeiros com os olhos vítreos, aos saltos de emoção com a possibilidade de agradar aos seus amos políticos; os segundos, encolhidos de medo, tentando não despertar a ira de quem define a linha justa.

Compreendo que Nuno Garoupa possa não ter os jornalistas em elevada conta, mas, pelo menos nas redações onde trabalhei, quem ensaiasse um truque remotamente semelhante com aquele que descreve no seu artigo, tentando pilotar politicamente a cobertura noticiosa de um congresso partidário, seria corrido com alcatrão e penas.
Título e Texto: Miguel Pinheiro, Observador, 28-3-2018

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