Miguel Pinheiro
Para Rosas, Adolfo não é homossexual – é
“gay”. E não é gay – “diz” que é gay. Mais: não é “moderno” – é “ai que
moderno”. E não é só “ai que moderno” – é “ai que moderno” com as mãozinhas no
ar.
1. Podemos sempre
contar com a extrema-esquerda para algum reacionarismo nos costumes. O último
exemplo revelador é o de Fernando Rosas, fundador do BE, a falar na TVI sobre a
homossexualidade de Adolfo Mesquita Nunes: “O CDS pode ter esta coisa da
modernidade e tal, são muito modernos, até têm um dirigente que diz que é gay…
Ai que moderno que ele é!”. Atenção: para Rosas, o dirigente do CDS não é
homossexual – é “gay”. E também não é gay — “diz” que é gay. Mais: o dirigente
do CDS não é “moderno” — é “ai que moderno”. E não é só “ai que moderno” — é
“ai que moderno” com as mãozinhas no ar, como pode comprovar quem for ver as imagens de Fernando Rosas a falar.
Quem conheça a história da
extrema-esquerda portuguesa, nomeadamente a do PCP — e a sua relação conturbada
com a homossexualidade (por causa das exigências da clandestinidade, mas não
só) –, não se espantará. Quando, há uns anos, Carlos Cruz perguntou a Álvaro
Cunhal o que ele pensava da homossexualidade, a resposta, desarmante, foi:
“Acho que é uma coisa muito triste”.
Já Francisco Louçã tem um
particularíssimo conceito sobre a importância da paternidade. No final de um
debate com Paulo Portas, quando estavam a discutir o aborto, o então líder do
BE iniciou este edificante diálogo:
Louçã: “Não me fale de
vida, não tem direito a falar de vida.”
Portas: “Quem é o senhor para me dar ou não o direito de falar?”
Louçã: “O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Eu tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança.”
Portas: “Quem é o senhor para me dar ou não o direito de falar?”
Louçã: “O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Eu tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança.”
E temos ainda a forma
enternecedora como Jerónimo de Sousa olha para as mulheres. No fim de semana do
congresso do CDS, disse, com orgulho, que “as mulheres importantes estão aqui
hoje, não no congresso do CDS”. Claro: as mulheres do CDS não são “importantes”
(da mesma forma que as mulheres do BE também não são “importantes”, são apenas
“engraçadinhas”, para poderem angariar mais votos).
Além do reacionarismo, há o
sentido de propriedade. A extrema-esquerda gosta de organizar o mundo a régua e
esquadro, como é próprio das cabeças totalitárias. Para eles, na política há os
homossexuais, há as mulheres, há as minorias étnicas e por aí adiante — e todos
eles se devem arrumar, com obediência, nos seus devidos lugares. Quando algum
desses indivíduos se desvia do destino que lhe foi pré-selecionado pelos
iluminados, desencadeia-se um curto-circuito. Como é que, nos Estados Unidos, a
Conselheira de Segurança Nacional do “fascista” George W. Bush era Condoleezza
Rice, mulher e afro-americana? E como é que o vice-presidente de George W.
Bush, o Darth Vader Dick Cheney, defendeu publicamente o casamento entre
pessoas do mesmo sexo (antes mesmo de Hillary Clinton) e, tendo uma filha
assumidamente homossexual, a chamou para trabalhar com ele em vez de a excomungar
com ferocidade e fervor? Ou, em Portugal: como é que alguém “que diz que é gay”
acaba no CDS? Ou uma mulher que pretenda ser “importante”?
Quando as pessoas pensam pela
sua cabeça, a extrema-esquerda entra em parafuso.
2. Anda por aí uma
enormíssima confusão entre política e jornalismo. Não me detenho com Daniel
Oliveira porque é escusado perder tempo com quem escreve opinião para ganhar
eleições. Mas, esta semana, o fenómeno atingiu um texto de Nuno Garoupa, um
académico que não anda a pedir votos.
Na sua coluna no DN, escreveu sobre o que “Cristas tem feito
bem” e destacou este ponto: “Beneficiar de uma onda muito positiva na
comunicação social como o CDS nunca teve: à direita, porque o aparelho de
comunicação do passismo quer acabar com Rio, preferencialmente antes das
eleições; à esquerda, porque uma maior dispersão de votos entre o PSD e o CDS
favorece inevitavelmente o PS”.
Eu não sei se Nuno Garoupa tem
absoluta consciência do que está a sugerir com aquilo que escreveu, mas é isto:
os jornalistas “à direita” e “à esquerda” escrevem as notícias que os políticos
lhes ditam. “À direita”, um elemento “passista” pega no telefone e manda os
jornalistas fazerem uma cobertura exaustiva do congresso do CDS com o objetivo
confesso de “acabar com Rio”. “À esquerda”, um elemento do PS pega no telefone
e manda os jornalistas fazerem uma cobertura exaustiva do congresso do CDS com
o objetivo confesso de incentivar “uma maior dispersão de votos entre o PSD e o
CDS” para “favorecer” os socialistas.
No meio de toda esta descarada
manipulação estão, na cabeça de Nuno Garoupa, vários jornalistas, todos eles a
oscilar entre a ideologia e a cobardia. Os primeiros com os olhos vítreos, aos
saltos de emoção com a possibilidade de agradar aos seus amos políticos; os
segundos, encolhidos de medo, tentando não despertar a ira de quem define a
linha justa.
Compreendo que Nuno Garoupa
possa não ter os jornalistas em elevada conta, mas, pelo menos nas redações
onde trabalhei, quem ensaiasse um truque remotamente semelhante com aquele que
descreve no seu artigo, tentando pilotar politicamente a cobertura noticiosa de
um congresso partidário, seria corrido com alcatrão e penas.
Título e Texto: Miguel Pinheiro, Observador,
28-3-2018
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