Perante o alheamento dos cidadãos, resolvi
juntar o desagradável ao escusado e contribuir com o meu próprio alheamento.
Eis, portanto, partido a partido, um guia inútil para o voto útil no dia 6.
Alberto Gonçalves
As eleições são um momento
importantíssimo nos regimes democráticos. Nos regimes como aquele que estamos a
construir, a importância é relativa. Em duas semanas de férias, não tive o mais
ligeiro contacto com o que o vulgo designa por “atualidade”, política ou outra.
Não foi um esforço, foi uma propensão natural para evitar os “média”, as “redes
sociais” e os amigos – evidentemente duvidosos – que falam de semelhantes
assuntos. Foi um sossego. E um sossego que, durante quinze dias, me poupou a
tudo o que aconteceu na campanha. Após quinze dias, e o regresso às obrigações
profissionais, verifico que não aconteceu nada. Salvo por uma espécie de
polémica alusiva à proibição de vitela na cantina da Universidade de Coimbra,
que me surpreendeu por revelar que a Universidade de Coimbra ainda existe, o
caminho para as “legislativas” fez-se de 372 debates que ninguém viu, 8193
arruadas que ninguém aturou e 478656 medidas programáticas que ninguém leu.
Perante o alheamento dos cidadãos, resolvi juntar o desagradável ao escusado e
contribuir com o meu próprio alheamento. Eis, portanto, partido a partido, um
guia inútil para o voto útil no dia 6 de outubro. Ou vice-versa.
Aliança. Após perder
não sei quantas eleições internas do PSD, o dr. Santana naturalmente imaginou
que possuía um séquito próprio. Não possui. O Aliança, um de vários partidos
unipessoais, existirá enquanto o chefe plenipotenciário tiver paciência – ou,
nunca se sabe, um emprego no parlamento. Sentença: ele deve andar por aí, mas
não se nota.
Bloco de Esquerda.
Quando não estão a mentir deliberadamente, o que é raro, os beatos e as beatas
do BE deliberadamente produzem moralismos sem sentido. Sucede dirigirem-se a um
eleitorado peculiar, capaz de engolir em êxtase as maiores patranhas. Como
estamos em Portugal, estes inocentes terminais rondam os 10% (ou 5% das
criaturas com direito de voto) e, exceto pelo ocasional devoto tresmalhado para
a concorrência do PAN, não prometem vacilar. Sentença: além de montanhas, a fé
move tontinhos.
CDS. Mesmo face à
concorrência do dr. Rio, tem conseguido a proeza de encolher diariamente nas
sondagens. O dr. Portas não se limitou a sair: como nos filmes de ação, deixou
tudo armadilhado. Sentença: talvez vençam o PAN.
CDU. É o PCP, e a
estranha sensação de, mais de um século decorrido desde 1917, um partido se
afirmar comunista e ser recompensado pela sinceridade. Dado serem imunes à
História, os seus fiéis foram razoavelmente imunes à “geringonça”, pelo que “há
sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não” aos princípios
essenciais da civilização. Sentença: independentemente do resultado, será uma
vitória do povo trabalhador etc.
Chega. Outro partido
unipessoal, no caso de uma pessoa que, ao que parece, ganhou nome em programas
da bola. O Chega, que se diz liberal e conservador, é contra: globalização,
Europa, imigrantes, ciganos, pretos, aborto, eutanásia, drogas, gays,
muçulmanos, pedófilos, corruptos, violadores e, suponho, portistas e
sportinguistas. O Chega é a favor: património, ambiente, polícias e, suponho,
benfiquistas. Sentença: a estátua do Eusébio, fica ou vai abaixo?
Iniciativa Liberal. Sou
amigo do Carlos Guimarães Pinto, logo insuspeito para suspeitar que a IL é o
único partido que não trata os eleitores como atrasados mentais. Sentença: se
me arrancarem de casa no dia 6, adivinhem em quem aproveito para votar?
Livre. Munido de um
optimismo imbecil, tentei ler as centenas de propostas do Livre. Li meia dúzia
e esbarrei numa: “limitar o transporte aéreo às ligações onde é efetivamente
necessário”. Quem decide a necessidade? Decerto um observatório presidido pelo
emérito historiador Rui Tavares, que ao contrário do resto da humanidade apenas
viaja com propósito e justificação. No final do folheto, uma invectiva evoca o
recrutamento militar: “Por que esperas para vir libertar o futuro conosco?”
Sentença: livra!
PAN. Um aglomerado de pequenas
Gretas, que ameaça eleger algumas. O PAN apresenta um programa infantil e
repleto da prepotência típica das crianças. Por ser tão primário, é obviamente
perigoso. Sentença: a esperança é que, enfraquecido por sucessivos
jantares-convívio à base de tofu, o eleitorado desmobilize durante a semana.
PCTP/MRPP. Sem a
oposição no exílio de Arnaldo “Grande Educador da Classe Operária” Matos e a
liderança de Garcia “Tenho o Cabelo um Bocado Seboso para Fingir que sou Pobre”
Pereira, o partido terá perdido a graça. Isto para quem acha engraçado o sangue
de milhões e milhões de vítimas do maoísmo e similares.
PDR. É aquele grupinho
do dr. Marinho Pinto, que, através de um grupinho diferente, adquiriu em tempos
uma estadia prolongada em Bruxelas. Durante a estadia, aliás discreta, o homem
sumiu da vista e da memória dos cidadãos, bem como da reeleição em maio
passado. Se ainda não se cansou a ele, o dr. Marinho Pinto cansou-nos a nós.
Sentença: o “R” da sigla não pode significar reforma?
PNR. Conhecido pelas
proclamações xenófobas, o não tão conhecido lema do Partido Nacional Renovador
é “Nação e Trabalho”. Não aprecio nenhuma das instituições. Os seus 20 mil
votantes são considerados uma ameaça, e um sinal de que o fascismo está à
porta. Sentença: o fascismo já entrou, mas pelo lado aparentemente oposto.
PS. Consta que uns 18%
(pois é) da população adulta (digamos) votarão nos socialistas. É prova de que
gostam da carga fiscal, da austeridade que se fingiu virar e de nova bancarrota
a caminho. Também devem gostar de escolher um primeiro-ministro que, entre
inúmeras habilidades, foi o número dois de um trafulha afamado e o número um de
um sujeito acusado anteontem de quatro crimes. Sentença: são gostos.
PSD. É inegável que o
dr. Rio renovou o PSD, a tal ponto que já poucos o reconhecem e muito poucos
votarão nele. Ficaram o nome, o símbolo e o entulho dito “social-democrata” (?)
que Pedro Passos Coelho procurou enxotar. Certo entulho, de que não mencionarei
o dr. Capucho, até insistiu em regressar, com ganhos eleitorais evidentes. O novo
PSD tem um Centeno igualzinho ao Centeno original, um Costa parecido e resmas
de socialistas comparáveis. Sentença: o segundo lugar não escapa, mas não custa
tentar.
RIR. Muitos acham o sr.
“Tino” de Rans um sujeito engraçado. Por sorte, eu não acho. Para cúmulo, o
segundo “R” do acrónimo significa “Reciclar”, prova de que o sr. Tino aderiu à
lengalenga “ecológica” e de que a lengalenga “ecológica” já desceu a isto. A
Wikipedia define o RIR como “sincrético”. Sentença: chorar.
O resto (JPP, MAS,
MPT, Nós Cidadãos, PTP, PURP). Não imagino o que
sejam estas agremiações, e aviso que deixarei de falar a quem procurar
elucidar-me. Sentença: o que é demais é moléstia.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
28-9-2019
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