segunda-feira, 28 de junho de 2010

Fatores humanos e atores desumanos

Texto do ex-Comissário de Voo, José Carlos Bolognese:

Prezados senhores/sras. ministros do STF, senadores, deputados, membros do executivo federal:

Viajando toda semana, os srs./sras.  usam o  transporte onde mais pesam os fatores humanos no que eles tem a ver com a segurança. Se a percepção  dos senhores não ultrapassa a linha de como são bem ou mal atendidos, saibam que a complexidade e o perigo de voar, desaparecem pelo rigoroso cumprimento de protocolos operacionais, testados e aperfeiçoados ao longo do tempo e de tecnologia cada vez mais atualizada e colocada em uso. Mas isso de nada valeria se não fosse pelas pessoas, seres humanos que cumprem com suas responsabilidades assumidas, não só por serem rotineiramente testados, examinados e fiscalizados mas também...e muito mais por amor à própria vida e respeito pelas vidas dos outros. Ainda assim morre gente em acidentes aéreos? Claro, mas é verdade também que muitas dessas fatalidades são geradas a partir de salas refrigeradas e bem pregadas no chão, onde o fator humano está concentrado apenas em fazer dinheiro - ou política em interesse próprio.
É comum quando ocorre um "quase acidente", dizer-se que o piloto e a tripulação souberam preservar as vidas dos passageiros que estavam em suas mãos. Mas a rigor, esses profissionais estavam, embora no limite operacional, fazendo apenas o que deles se esperava. Na verdade, não é só a tripulação num caso desses, que atua na sobrevivência dessas pessoas. Todos aqueles envolvidos na atividade e que cumprem com suas obrigações, estão salvando vidas. É o papel deles, mas suas vidas e direitos dependem que outros também sejam responsáveis nos papéis que lhes cabem.
O que quero demonstrar é que não basta um profissional estar concentrado em seu ofício, se alguém remotamente o estiver sabotando, na atividade ou quando dela se afasta. Agora pensem as sras./srs. se invertessemos os papéis: profissionais de aviação, tratando o interesse alheio da mesma maneira como vem agindo toda a máquina administrativa do país, contra os interesses de uma comunidade inteira de trabalhadores e aposentados da aviação - nós, os variguianos. Não seria moralmente condenável a negligência de trabalhadores na aviação, fazendo pouco caso de seus passageiros (pagadores de seus salários) deixando-os perecer e ainda culpando as vítimas por sua desgraça? Se as viagens das sras./srs. devem começar e acabar em segurança, porque insistem em manter o vôo dos variguianos rumo ao desastre?
Quem não quer ser chamado à razão, dirá que não procede a comparação. Mas procede sim, por um único detalhe inerente a qualquer papel que nos caiba: A vida e os direitos daqueles que impactamos com nossos atos. O enfoque no fator humano não é só uma ferramenta otimizada para uso em atividades de alto risco como a aviação. Ele decorre do simples fato de sermos....humanos. Por sermos humanos, jamais controlamos individualmente todas as situações. Quem trabalha na aviação, pode muito bem dar conta de suas obrigações e sobreviver numa atividade perigosa. Mas continua a depender que o patrão seja honesto e pague o salário. Mais do que isso, precisa que o governo, o judiciário e o legislativo cumpram com o próprio papel na proteção dos direitos do trabalhador. E se chegar vivo à aposentadoria não pode, depois de ter atuado dentro de regulamentos, que se fossem violados poderiam até causar a morte de inocentes, ser submetido à humilhação de ter sua renda confiscada com legitimação pela "justiça". O caso Aerus destaca a falácia que são as instituições no Brasil.
No drama da justiça social, atuam de um lado trabalhadores sem direito a errar, sendo punidos até quando fazem a coisa certa e do outro, esses atores desumanos, que não carecem de competência, pois conhecem a lei, conhecem os direitos dos trabalhadores e aposentados Varig/Aerus, estão no poder e só não agem por má vontade e indiferença. É preciso então ir além da má vontade e da impunidade porque esta última quando prevalece, causa o grande mal que é a perda de referência dos parâmetros da justiça social.

José Carlos Bolognese
Comissário de Vôo
AposentadoVarig/Aerus

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