No auge da sua juventude, no início dos anos 60, o meu tio Abílio jogou basquetebol e voleibol, em dois clubes diferentes (Vasco da Gama e Académico). Era um atleta mediano, que só por uma vez protagonizou os títulos dos jornais, com direito a foto a ilustrar a história - o motivo foi bom e adequado à velha regra do jornalismo de que notícia é o homem a morder o cão.
Num lance polémico de um set renhido, o árbitro, que começou por julgar a favor do Académico, fez marcha atrás na decisão depois de o meu tio, por sua iniciativa, lhe ter garantido que os adversários tinham razão - a bola batera dentro, o ponto devia ser contabilizado à outra equipa.
Vem a lembrança deste caso luminoso a propósito do início de mais um ano lectivo e do papel decisivo da escola na construção do futuro, pois na sociedade de conhecimento em que vivemos a riqueza das nações não assenta em reservas de ouro, divisas, petróleo ou gás, mas sim na formação dos seus cidadãos.
Não posso deixar de estar preocupado com o facto de, apesar de investirmos em educação 5,3% do PIB (mais do que a média dos países da OCDE), termos a mais elevada taxa de abandono escolar da UE (40 mil deixam todos os anos os estudos) e uma elevadíssima percentagem de chumbos (que custa 700 milhões euros/ano) - e sermos o país europeu onde menos pessoas dizem ter aprendido uma língua estrangeira na escola.
Mas sei que o papel da escola não se esgota na transmissão de conteúdos e que tão importante quanto a acumulação de conhecimentos é a aquisição de outras aptidões, como a de saber pensar e ser melhor cidadão. Neste particular, as melhorias notam-se à vista desarmada. Basta olhar para os passeios. Cuspir ou deitar papéis para o chão são actos cada vez mais raros. Reciclar está a tornar-se um hábito.
Ganha a batalha da higiene pública, é urgente triunfar também no culto da meritocracia, da produtividade e da coragem de assumirmos as nossas responsabilidades, exterminando a velha e cobarde mania de estar sempre a tentar atirar para as costas de terceiros a culpa dos nossos fracassos.
Bento, um guarda-redes recordado com saudade pelos benfiquistas, deu um exemplo acabado desta atitude deplorável quando, em 1983, atribuiu a severa derrota (5-0) sofrida por Portugal frente à URSS ao facto de não haver fruta no hotel moscovita onde os jogadores estiveram hospedados.
27 anos depois, na semana de abertura das aulas, Luís Filipe Vieira volta a dar um péssimo exemplo de carácter aos jovens benfiquistas ao atirar para cima de uma legião de terceiros (árbitros, Liga, Vítor Pereira, Joaquim Oliveira, adversários, secretário de estado, etc) a culpa pelo facto de o seu clube estar a jogar mal - e a perder.
Jorge Fiel, jornalista, Diário de Notícias, 16-09-2010
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