A soprano australiana, vista como a herdeira de Callas e uma das mais extraordinárias cantoras de ópera do século XX, actuou em Lisboa em Abril de 1974
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Sutherland no papel de Lucia, na ópera Bettmann/CORBIS
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Agusto M. Seabra diz que foi "uma das noites mais memoráveis" da sua vida: começou no Coliseu dos Recreios a ouvir Joan Sutherland cantar La Traviata de Verdi, ao lado de Alfredo Kraus, e continuou, madrugada fora, a festejar a revolução que iria acabar com os 48 anos de ditadura fascista em Portugal.
O crítico de música e ensaísta recorda "o momento premonitório" em que, nessa noite de 24 de Abril, perante um Coliseu cheio e em delírio depois de ouvir a grande soprano australiana, a Joan Sutherland "foi oferecido um ramo de cravos vermelhos".
Rui Esteves, que foi programador do 2.º Canal da RTP e que viria a conhecer bem a soprano, não esteve no Coliseu nessa noite histórica, mas diz que Joan Sutherland lhe contou como tinha ficado "surpreendida no hotel, com o marido, o maestro Richard Bonynge, sem saberem o que se estava a passar em Lisboa" - com uma carrinha, a British Airways deixou o casal em Espanha a caminho de Londres.
São memórias da única passagem e actuação em Portugal da cantora que morreu no domingo na Suíça, na sua casa junto ao lago de Genebra, aos 83 anos. "Faleceu calmamente, após uma longa doença", disse a família num comunicado destinado aos amigos e admiradores de Dame Joan Sutherland (n. Sydney, 1926) e citado pela AP.
Augusto M. Seabra recorda ainda que, nesse distante Abril, a soprano se apresentou, nos dias 18 e 21, no Teatro Nacional São Carlos - "como de costume, o primeiro concerto, à quinta-feira, era só para convidados, seguindo-se o de domingo à tarde e o de quarta à noite (este já no Coliseu) para o restante público". O crítico assistiu aos dois últimos, e aí confirmou ao vivo a ideia que já tinha de que Joan Sutherland era "uma das grandes intérpretes do século XX, a digna sucessora de Maria Callas", com quem, aliás - e também premonitoriamente, realça Seabra -, tinha contracenado fazendo um pequeno papel no início da sua carreira. "Era uma estilista incomparável", que, na senda de Callas, continuou o trabalho de redescoberta e devolução à cena da tradição do bel-canto e da ópera italiana do século XIX".
Rui Esteves reforça a ideia, destacando a "técnica deslumbrante", mas também a "personalidade divertida", com quem privou, por exemplo, em Cardiff, quando Joan Sutherland e Marilyn Horne se tornaram patronas do famoso concurso da BBC Cardiff Singer of the World.
O ex-programador da RTP recorda também que a televisão portuguesa foi co-produtora do espectáculo de despedida dos palcos de Joan Sutherland, na noite de 31 de Dezembro de 1990, no Covent Garden - onde a cantora, de resto, tinha iniciado a fase europeia da sua carreira, em 1952 -, quando ela aparece ladeada por Horne e por Luciano Pavarotti, no 2.º acto da ópera O Morcego, de J. Strauss, também dirigida por Richard Bonynge.
Nessa noite, Pavarotti classificou Joan como "a maior soprano de coloratura de todos os tempos". Os melómanos italianos designavam-na como "La Stupenda".
Sérgio C. Andrade, Público, 12-10-2010
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