Em contexto de austeridade os governos apresentaram uma proposta [de orçamento europeu] ultra-forreta. Eles não entendem o mal que estão a fazer à ideia europeia. Ou talvez entendam e até demais...
Os 27 governos da União Europeia dão por estes dias os últimos retoques nas propostas de Orçamento que irão apresentar aos respectivos parlamentos. O remédio é igual por todo o lado porque alguém decidiu que a doença era a mesma na Alemanha, na Polónia ou em Portugal. Claro que a dose de medicamento varia, era o que mais faltava se não variasse. Por exemplo, não ouso sequer imaginar a dose de cavalo prevista para a Irlanda, ainda há pouco cognominada de “tigre celta”, exemplo para o Mundo, e que agora nos deixa, a nós portugueses tristes, sorrindo embora nem por isso. E daí talvez não. Como escreveu o meu amigo Luís Leiria, o défice de 32 por cento sobre o PIB não levou Barroso a Dublin nem fez soar os alarmes em Bruxelas. O presidente do Conselho Europeu, o senhor Rompuy, disse umas palavras de circunstância e o FMI, que me lembre, até preferiu o silêncio ao dislate. É estranho, reconheço. Por muito menos, apenas por uns pozinhos de défice a mais, desembarcariam todos na Portela, disciplinadamente seguidos por uma bateria de criaturas de preto com pastas na mão. Porque não o fizeram em Dublin? Só encontro para tal desinteresse a explicação do meu amigo: o aumento exponencial do défice dos ilhéus destina-se a cobrir a falência de um banco, um objectivo nobre. Crescesse ele para financiar os sistemas de educação e de saúde e logo outro galo cantaria...
Mas hoje não é de orçamento nacional que vos quero falar, mas do outro, o 28º, o de Bruxelas. É uma coisa na casa dos 130 mil milhões de euros. É, ao mesmo tempo, muito dinheiro e dinheiro quase nenhum porque representa apenas 1% do PIB europeu. Ao contrário do nosso orçamento, o europeu obedece a máximos de despesa definidos para períodos de 7 anos e, cereja no bolo, não pode apresentar défice. É o tipo de orçamento que faz as delícias da senhora Merkel e dos Medinas e Duques da nossa praça. Ainda por cima tem um método de financiamento infalível porque sai dos cofres dos 27 Estados. Embora paguem, os governos adoram a fórmula. Afinal, quem paga manda.
Em contexto de austeridade os governos apresentaram uma proposta ultra-forreta. Até aqui, nenhuma novidade, todos os anos repetem o número. Inabitual é, contudo, a falta de memória. Com efeito, os 27 governos assinaram um acordo em que se obrigavam a rever o actual quadro financeiro (2007/2013) a meio do percurso. A crise apenas acrescentou razões para tal necessidade. Ela bem justificaria mais e melhor Europa, em particular para acorrer às situações mais difíceis. Sucede que os governos não querem nem ouvir falar disto. Eles não entendem o mal que estão a fazer à ideia europeia. Ou talvez entendam e até demais: que belo bode expiatório encontraram para as “políticas do inevitável”.
Miguel Portas, Eurodeputado, dirigente do Bloco de Esquerda, jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-