Danielle Nogueira
O Aerus (fundo de pensão de
empresas do setor aéreo, entre elas a Varig) completa hoje sete anos de
intervenção judicial. São 22 mil pessoas que contribuíram com o fundo para ter
um futuro digno e que desde 2006, quando foi decretada a intervenção, não
recebem o que lhes é devido. A pior situação é a dos 8.170 participantes do
chamado plano 1 da Varig, que só têm asseguradas suas aposentadorias até junho.
Muitos contraíram dívidas para pagar contas básicas, como telefone e luz, e
dependem de parentes e amigos para custearem tratamentos de saúde.
A esperança para essa legião
de aposentados e pensionistas é que duas ações que correm na Justiça tenham
decisões favoráveis a eles. Uma delas está com o presidente do Superior
Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, desde fevereiro. Nela, sindicatos e
associações do setor pedem que a União assuma o pagamento das aposentadorias.
A ação foi ajuizada em 2004 e
teve o seu pedido de tutela antecipada reconhecido dois anos depois. Após longa
discussão jurídica, o STF condicionou, em 2010, a aplicação da tutela à decisão
de primeira instância. Isso aconteceu em julho de 2012, quando o juiz Jamil
Oliveira, da 14ª Vara Federal de Brasília, proferiu sentença favorável aos
aposentados, mas a Advocacia Geral da União (AGU) derrubou a decisão em
outubro, o que fez o caso voltar ao STF.
A outra ação tem como autor o
próprio Aerus. O fundo pede que o governo federal assuma o pagamento ao fundo
de pensão da taxa de 3% que incidia sobre a venda de passagens domésticas
nacionais. Essa taxa era uma das fontes de recursos do Aerus quando ele foi
criado, em 1982. As outras eram os trabalhadores e as empresas patrocinadoras,
das quais Varig e Transbrasil eram as principais.
A taxa, que seria válida até
2012, foi revogada nos anos 90 pelo antigo Departamento de Aviação Civil (DAC)
— hoje o setor é regulado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Estima-se que o pagamento retroativo some R$ 7 bilhões. A ação foi indeferida
em primeira instância e está no Tribunal Federal Regional de Brasília. Os aposentados fazem hoje protesto na Cinelândia, no Rio, para chamar atenção para
sua causa.
— Quando o fundo foi criado, a
base atuarial considerava a taxa de 3%. De uma hora para outra, isso nos foi
retirado. Estamos cada vez mais longe de tudo o que construímos — diz Thomaz
Raposo, presidente da Associação dos Participantes e Pensionistas do Aerus
(Aprus).
Protesto na Cinelândia
Além da extinção da taxa, as
contribuições da Varig escassearam. Até que, em 2005, a aérea entrou em
recuperação judicial e foi dividida em duas. A parte boa foi vendida em 2006 à
sua ex-subsidiária VarigLog — então controlada pelo fundo americano Matlin
Patterson — e, no ano seguinte, à Gol.
A parte podre, rebatizada de
Flex, teve a falência decretada em 2010, deixando dívida com o Aerus de R$ 3
bilhões. Nesse meio tempo, a Varig fez 21 renegociações de dívida com o fundo.
Todas aprovadas pela antiga Secretaria de Previdência Complementar, hoje
Previc, ligada ao governo federal. Por isso, o juiz Jamil Oliveira entendeu que
a União deve assumir os benefícios.
— Em 12 de abril de 2006
começou o drama, foi o dia fatídico. Passei a receber 70% do que recebia, e
hoje recebo pouco mais de 10%. É uma tragédia silenciosa — lamenta o
ex-comissário da Varig Paulo Resende, de 64 anos, que contribui com o Aerus
desde 1983.
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Paulo Resende, foto: Rafael Moraes, Ag. O Globo |
Casado e pai de dois filhos
que ainda vivem com ele, Resende recebe R$ 592 mensais, mas deveria receber R$
4.716. Do INSS ganha ainda R$ 3.400 por mês, mas quase R$ 1 mil estão
comprometidos com empréstimos consignados (com desconto em folha). Tem também
dívidas com o Banco do Brasil e com o Itaú-Unibanco, contraídas para quitar
contas atrasadas.
Para dar sobrevida ao Aerus,
seus interventores reduziram o pagamento devido aos participantes a partir de
2006. Dos 22 mil, 17 mil são ex-funcionários da Varig, herdeiros ou cônjuges.
Quem está no plano 1 da Varig recebe, em média, 10% do valor que deveria
receber. Os aposentados do plano 2 recebem cerca de 60%, segundo José Pereira,
interventor do fundo. Se todos os participantes recebessem o que lhes é devido,
a folha atingiria o patamar de R$ 23 milhões mensais.
O desdobramento em dois planos
foi feito em meados dos anos 90. A diferença é que, no plano 1, o contribuinte
sabia quanto ia receber no futuro. No plano 2, o benefício poderia variar de
acordo com o rendimento das aplicações. Apesar de mais arriscado, as 9.190
pessoas do plano 2 estão em melhor situação. Há garantia de pagamento até 2015.
Liquidação do fundo à vista
Segundo Pereira, a previsão de
fim de pagamento para o plano 1 era abril, mas ele conseguiu vender algumas
ações e dar fôlego aos participantes por mais dois meses. O interventor tem
mais algumas ações e dois imóveis que, se forem vendidos, poderiam ampliar a
sobrevida do plano 1 até o fim de 2013, e a do plano 2, até 2016. Depois disso,
o pinga-pinga cessa de vez.
— Já estamos avaliando liberar
o dinheiro de uma só vez e liquidar alguns planos.
O ex-comissário da Varig José
Carlos Bolognese, de 65 anos, é outra vítima da derrocada da aérea. Ele
contribuiu com o Aerus por 20 anos, até 2002, quando se aposentou. Deveria
receber R$ 4.800 mensais, mas apenas R$ 930 são depositados em sua conta a cada
mês. Do INSS, recebe ainda R$ 1.600 por mês, insuficientes para pagar o plano
de saúde. Sua mulher se acidentou e rompeu o ligamento de um dos joelhos. Só
consegue ir às sessões de fisioterapia porque amigos se dispuseram a arcar com
os custos.
— A Varig quebrou, e os
trabalhadores é que pagam o pato — queixa-se Bolognese.
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