Akemi Nitahara
O pedacinho do nordeste no Rio
de Janeiro completa 70 anos este mês. No dia 18 de setembro, a Feira de São
Cristóvão - Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, também chamada de
Feira dos Nordestinos, celebra sete décadas mantendo viva a cultura dos
imigrantes que chegavam ao bairro da zona norte da cidade desde a década de
1940.
Atualmente são cerca de 700
barracas e 100 restaurantes com produtos típicos do norte e nordeste, mas o
começo foi bastante informal. A professora de história da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Sylvia Nemer resgatou os folhetos de cordéis e
histórias orais sobre a Feira de São Cristóvão para seu doutorado e tem um
livro publicado sobre o tema. De acordo com ela, a versão oficial conta que o
cordelista Raimundo Santa Helena leu no dia 18 de setembro de 1945, no Campo de
São Cristóvão, um cordel que tinha feito sobre o fim da Segunda Guerra Mundial.
“O início das atividades da
Feira de São Cristóvão teria sido no ano de 1945 quando os pracinhas
desembarcaram nas imediações do Campo de São Cristóvão e o próprio Santa Helena
leu um cordel que tinha feito para comemorar o fim da guerra. E aí, em função
dessa leitura, começou a surgir um movimento de pessoas interessadas em ouvir e
vender literatura de cordel. Então a feira teria começado a partir dessa
iniciativa,” disse.
Sylvia explica que há outra
versão histórica, cantada nos cordéis de mestre Azulão, de que a feira foi
surgindo ao longo da década de 40 a partir de um movimento de nordestinos que
desembarcavam e ficavam acampados esperando um local para morar ou um trabalho.
“Como era o ponto final dos
caminhões chamados de pau de arara e foi um momento de crescimento urbano muito
acentuado, ali era um local de contratação de mão-de-obra para pedreiros,
porteiros de edifício, que foram as ocupações tradicionais dos migrantes nordestinos
nesse período. Teve algumas figuras, entre elas a do João Gordo, que teria
iniciado esse comércio de produtos do nordeste para cá e daqui para o nordeste,
porque o mesmo caminhão que vinha trazendo gêneros e pessoas, ele costumava
voltar vazio e levava produtos daqui para o nordeste,” acrescentou.
Seja qual for a versão, a
historiadora destaca que o local foi um espaço importante de sociabilidade
dessa comunidade migrante, bem como de preservação dos costumes, que permanece
até hoje. O músico e radialista José Sergival, que comanda há 5 anos o programa
Puxa o Fole na Rádio Nacional do Rio, complementa que, após o início
espontâneo, a Feira de São Cristóvão se tornou um ponto de referência das
tradições nordestinas, frequentado não só pelos nascidos na região nordeste,
bem como por turistas e apreciadores da culinária e da cultura.
“Agora vende artesanato, os
artistas se apresentam, não só o forró pé de serra, mas quando as companhias
culturais vêm para cá, esquetes de teatro, grupos folclóricos, quadrilhas
juninas, bumba meu boi, frevo, a referência é a Feira de São Cristóvão, um
local que eles querem ir se apresentar porque sabem que é um ambiente propício
à cultura nordestina”.
Sergipano que mora no Rio há
10 anos, Sergival costuma ir à feira para matar a saudade da comida típica de
sua região. “Lá dentro tem também as barracas de feira livre, então nós que
somos nordestinos e os cariocas que gostam da culinária nordestina podem
adquirir produtos in natura. A gente compra lá o feijão-de-corda, a carne de
sol, o queijo coalho, a manteiga de garrafa, uma série de coisas para fazer as
refeições da nossa região. Assim a gente não sente tanta falta da culinária da
nossa terra”.
Palco de nomes imortais da
música brasileira, a Feira de São Cristóvão já recebeu Luiz Gonzaga e Jackson
do Pandeiro e ainda recebe ícones como Zé Ramalho, Elba Ramalho, Geraldo
Azevedo, Quinteto Violado e Maria Bethânia, que foi homenageada no local em
junho pelos 50 anos de carreira. De acordo com o presidente da Feira, Helismar
Leite, são quatro mini-palcos “que trabalham com forró tradicional” e dois
palcos para música popular, “só não trabalhamos com funk, mas tem até reggae,
sertanejo universitário, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Martinho da Vila, somos
a casa do carioca e temos que unir a cultura”.
Para o dia 18, ele adianta que
a festa vai ser “arretada”. “O aniversário vai ser comemorado com bolo, muita
festividade, nós vamos ter um show com a banda Forró Real, do Ceará. Estamos
fazendo também um simpósio nordestino, onde estarão presentes várias
personalidades de todos os estados, falando da cultura nordestina, muitos
repentistas, escritores. Serão três dias de palestra discutindo a cultura
nordestina aqui no Rio de Janeiro, 17, 18 e 19 de setembro”.
Em 2003 a feira foi
transferida para o local fechado que ocupa hoje, dentro de um pavilhão de
exposições que foi reformado, e é administrada pela prefeitura. Helismar afirma
que a feira recebe a mesma visitação que o Cristo Redentor, com cerca de 300
mil pessoas por mês.
“O importante é mandar um
recado pro Brasil todo para que visite a feira e veja como ela é. A feira tem
de tudo, tem artesanato, uma culinária maravilhosa, castanha, doce, bolo,
pimenta, mel, cachaça, tapioca, carne de sol, queijo coalho. O que temos no nordeste
nós temos sempre um pouco aqui na feira,” observou.
Fotos: Tomaz Silva/Agência Brasil
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