Como os homens de bem farão, a partir de
agora, para defender Lula sem poder gritar que bandido é o Cunha?
Guilherme Fiuza
Os democratas que defendem
Dilma e a quadrilha do petrolão contra o golpe de Sérgio Moro estão
discretamente eufóricos. Os tanques da direita, que vieram arrancar a
presidenta mulher à força do palácio, resolverão todos os seus problemas.
Estava desconfortável (e, o que é mais grave, trabalhoso) esse negócio de ser
governo.
Foram anos de sofrimento para
continuar do contra, sendo a favor. Foi preciso instaurar o primeiro governo de
oposição da história — e não pensem que isso é fácil. Aumentar os juros e
gritar contra os juros altos, roubar o Estado e denunciar a corrupção, devastar
a economia popular e defender o povo... Isso cansa uma pessoa.
Mas deu tudo certo: após 13
anos e meio de poupança ortodoxa, com propinas por fora e por dentro,
valerioduto e pixulecos garantindo o formidável abastecimento do caixa
partidário, chegou a hora de desfrutar. A elite vermelha volta para o presépio
dos oprimidos, gorda e rica, só para jogar pedras — o que faz um bem danado à
alma progressista e quase não suja as mãos. Mas eis que surge o revés
inesperado.
Quando os professores de
História já abrilhantavam suas aulas-comício, inserindo o golpe contra os
imaculados parasitas para entregar o Brasil ao PMDB de Eduardo Cunha, viraram a
mesa. Num ato sem precedentes, o Supremo Tribunal Federal destituiu o
presidente da Câmara dos Deputados. Cunha caiu. E agora?
Foi um golpe duro demais para
os democratas. É verdade que eles ainda têm o Bolsonaro, a PM de São Paulo, o
Trump e a Guerra do Vietnã, mas a perda de um Eduardo Cunha não se repõe
facilmente. Quem o STF pensa que é para cometer uma arbitrariedade dessas? Como
os homens de bem farão, a partir de agora, para defender Lula — e todos os seus
crimes progressistas denunciados pelo procurador-geral — sem poder gritar que
bandido é o Cunha? A Anistia Internacional não está vendo isso?
O Prêmio Nobel da Paz está.
Pelo menos um dos seus detentores, o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivel,
parceiro de Cristina Kirchner, Nicolás Maduro e toda essa turma boa que ama a
democracia (amor infelizmente não correspondido). Pérez Esquivel fez história
no Senado brasileiro ao denunciar o golpe de Estado contra Dilma Rousseff. E
atenção: o golpe foi executado por Eduardo Cunha, o mau. Quem sabe até o seu
afastamento agora não foi uma espécie de queima de arquivo?
Aí vem o relator da comissão
do impeachment, naquela mesma bancada onde um Nobel da Paz fez história, e
expõe de forma monótona, sem um pingo de glamour, todos os crimes cometidos por
Dilma Rousseff no exercício da Presidência da República. Esse aí nunca vai
ganhar um Nobel. Além de tudo, é estraga-prazeres: mostrou de forma absolutamente
desagradável que Eduardo Cunha não tem nada a ver com o impeachment — apenas o
colocou em votação. A Anistia Internacional não está vendo isso?
Nos dois anos de literatura da
Lava-Jato, entende-se de onde vieram os bilhões de reais que bancam há anos os
advogados mais caros do país para os guerreiros do povo brasileiro; que bancam
há anos as campanhas eleitorais nababescas pelas quais o PT se tornou o feliz
proprietário dos Três Poderes; que compraram movimentos sociais (sic),
entidades de classe, jornalistas com indignação tabelada, espalhadores de
boatos e manifestantes profissionais. Mas nada é tão poético quanto um pedido
de propinas retroativas — atribuído ao companheiro Ricardo Berzoini pelo
ex-presidente da Andrade Gutierrez.
Segundo Otavio Azevedo, o
então presidente do PT e atual ministro da golpeada e oprimida Dilma avisou, em
2008, que a empreiteira deveria pagar propinas sobre as obras feitas desde 2003
(ano em que o Brasil foi redescoberto). O apetite dos representantes desse
governo progressista é conhecido, vide seus tesoureiros presos e o envolvimento
de todos — todos — os seus principais líderes em negociatas democráticas e
revolucionárias. A conta é a seguinte: quem foi mais importante na construção
heroica da atual pindaíba nacional? A gangue do Lula ou a do Eduardo Cunha?
Quem acertar ganha um Nobel da
Paz e meio quilo de mortadela.
Da última vez em que o Brasil
viveu um impeachment, o governo passou às mãos de um presidente filiado ao
PMDB. O que se impôs, então, não foi uma orgia fisiológica — foi o Plano Real.
Itamar Franco foi obrigado pela ruína política e econômica a dar poder ao
Brasil que trabalha. Michel Temer está na mesma situação.
Os prognósticos apontam para a
sexta-feira 13 o fim da agonia. Descerá a rampa, então, a criatura que Lula
inventou para tomar conta da porta, enquanto eles limpavam a casa. Uma criatura
que os brasileiros incrivelmente engoliram — mesmo que, diante dela, um
Tiririca seja praticamente um Churchill. Tchau, querida.
A parada agora é entre o Brasil
que trabalha e o Brasil que atrapalha.
Título e Texto: Guilherme Fiuza é jornalista, O Globo,
7-5-2016
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