João Pereira Coutinho
Lendo e ouvindo o que se disse por aí,
Bolsonaro nasceu do vazio, como as ervas daninhas. Fatalmente, não nasceu: ele
é o produto perfeito da corrupção do PT (e do PSDB); da violência extrema em
que vive a sociedade brasileira; da maior recessão que o país já atravessou
“COMO FOI POSSÍVEL?” Desde 2016, quando Donald Trump chegou a
Washington e os ingleses deixaram Bruxelas, esta é a pergunta das 7h da manhã.
É a a altura em que o português trabalhador e ensonado liga a televisão
enquanto mastiga a sua torrada. Quando surgem as primeiras notícias, lá vem a
evidência de que um meteorito caiu no quintal sem aviso. “Como foi possível?”
Na passada segunda-feira, foi
a mesma coisa: Jair Bolsonaro? Então o jornalismo nativo e o comentariado
encartado não tinham apresentado o homem como um caso perdido? A única
diferença entre os escribas pátrios estava na quantidade de insultos que eram
capazes de disparar sobre o candidato, provavelmente para mostrarem aos amigos
(do Facebook) a medalha de bom comportamento democrático. Essa, no fundo, é a
moda do tempo: os inteligentes ganham likes,
os extremistas ganham votos.
Ponto prévio: não nego os
vícios de Jair Bolsonaro, que me parecem óbvios para qualquer pessoa
civilizada. Mas do jornalismo atento e profissional eu espero outra coisa. Uma
explicação, ou várias, para um fenômeno que os europeus já conhecem bem: a
destruição do sistema partidário por um rebelde messiânico.
Lendo ou ouvindo o que se
disse por aí, Bolsonaro nasceu do vazio, como as ervas daninhas. Fatalmente,
não nasceu: ele é o produto perfeito da corrupção do PT (e do PSDB); da
violência extrema em que vive a sociedade brasileira; da maior recessão que o
país já atravessou; dos sonhos desfeitos de uma classe média que voltou ao
charco com o governo Dilma; e também de um voto de protesto contra um difuso
estado de coisas – saúde miserável, , educação ao mesmo nível, sistema
político-partidário capturado por oligarquias diversas, etc. Alguém pensava que
esta mistura de roubalheira, banditismo e desesperança não iria produzir um
espécime como Bolsonaro?
Com quarenta e nove milhões de
votos, a calculadora favorece o capitão para a segunda volta. Basta que o voto
anti-PT (tradução: uma parte dos cinco milhões de Geraldo Alckmin, a quase
totalidade dos dois milhões e seiscentos mil votos de João Amoêdo e mais um milhão
e trezentos mil do Cabo Daciolo, o Tiririca desta eleição) se faça sentir a 28
de outubro.
Fernando Haddad, com trinta e
um milhões de votos, precisaria de uma transferência maciça de votos de Ciro
Gomes, Marina Silva e do próprio Alckmin para manter vivo o sonho de Lula.
Haddad talvez possa contar com os dois primeiros. O terceiro é uma hipótese
remota.
Claro que, numa segunda volta,
a matemática não basta. Bolsonaro, que foi poupado à exposição pública depois
do atentado, será obrigado a sair da toca. A fragilidade visível do homem é um
ponto a favor do adversário. Mas o Brasil, dia 28, pode mesmo amanhecer com o
Palácio do Planalto ocupado pelo capitão.
Isso não será surpresa para os
brasileiros, mas pode ser surpresa para os portugueses na hora fatídica das 7
da manhã. Sobretudo se a vaidade das comadres, que em Portugal passa por
jornalismo, substituir a informação.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO, nº 754,
de 11 a 17 de outubro de 2018
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21 de outubro, domingo, 16h, no Terreiro do Paço, Lisboa!
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