(31 Jesus - Se alguém vos perguntar:
Por que o desprendeis (o asno)? Respondereis assim: O Senhor precisa dele. –
Lucas 19,29-31)
Sou um asno; como tal, faço asnices. Para ter certeza, invertamos o sentido. Faço asnices, logo sou um asno. Para não haver dúvida, chamemos o sábio Aristóteles, o homem da lógica. Aristóteles chega, se inteira da situação - como deve fazer todo filósofo, ainda mais se, como ele, um lógico -, olha para minha cara e arma o seu famoso silogismo: Todo asno comete asnices (premissa maior); Pedro comete asnices (premissa menor); logo, Pedro é um asno (conclusão). Que alívio! Acabaram-se as dúvidas, sou mesmo um asno e tenho que conviver com essa irretorquível realidade. WOW!
As pessoas costumam xingar minha mãe quando faço, digo, ou
escrevo algo de que não gostam. Coitada de Dona Judite! Xingada de... Em
reverência a ela e aos sensíveis ouvidos e olhos de vocês, omitirei o calão. A
coitada leva a fama de ser algo nunca sido só por ter um filho desnaturado como
eu, um provocador nato que ousa escrever coisas que talvez não devessem ser
escritas. De onde está, lá num cantinho do céu, olha para mim com um sorriso
maroto de censura, como a dizer: tá vendo, menino, que eu tinha razão quando o
advertia que “a vara sempre enverga no do rico e quebra no do pobre”.
Sempre lhe peço perdão pelas ofensas que recebe por mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa.
Há ofensas menores e, vez por outra, tentativas de ofensas
soadas aos meus ouvidos como elogio. Morro de rir quando as recebo. É como se
tivesse atingido a minha meta.
Por exemplo, quando da época do impeachment da
coordenadíssima Dilma, escrevi um texto intitulado “O Impeachment, o Golpe e a
Mula Sem Cabeça”. Ora, todos sabem, ela só admitia ser chamada de “presidenta”.
O Brasil se transformou numa verdadeira tertúlia. Gramáticos de todos os
quadrantes opinaram sobre o tema. Nesse meu prefalado texto, meti a colher de
pau no assunto e cravei o seguinte argumento: “se podemos chamar a fêmea do
jumento de jumenta, por que não tratar Dilma como presidenta”?
Pra quê! Uma pessoa de meu afeto, por laços familiares,
ficou indignada, pediu para não mais a marcar em meus posts e aduziu: “Parei
ali no jumento mesmo! Sabe-se lá que asneira poderia vir adiante...”.
Ora, levando o pensamento de minha querida leitora às
extremas consequências lógicas, eu teria dito uma asneira e poderia cometer
outras mais no resto do texto (post) que se recusara a continuar a ler. E, para
fechar e atingir o último degrau do raciocínio, quem comete asneira é... Perguntem a Aristóteles.
O asno é da espécie equus
africanus asinus; o nome, derivação do latim asinu.
Ser epitetado asno não me causou nenhuma contrariedade. Até
me divertiu muito e, de vera, tenho dito e cometido asnices inúmeras vida a
fora, assumindo, aqui, a forma pejorativa do termo, ainda mais agora que
Aristóteles carimbou e assinou embaixo.
Depois de alguma meditação, entrei em êxtase. Um asno não
faz mal a ninguém. Disciplinado e comedido em gestos, trabalha uma vida em
troca de pouco, sem nenhuma queixa. Educado e bom amante, nunca ofende a fêmea.
Mesmo por ela escoiceado, não perde o aprumo e a ama com visível ardor, como
nem sempre um homem ama uma mulher. Revela-se, no particular, um verdadeiro
gentleman, sempre a relevar os coices recebidos da amada. Talvez por isso
mesmo, por não revidar, nunca se viu ou se verá a fêmea do asno ter quer
recorrer à lei Maria da Penha. Por essas e outras, me senti realmente elogiado com o
epíteto que não me reconheço à altura.
Se asno realmente fora, poderia ter a sorte do jumentinho
Platero, fofinho como algodão, uma alegria e um encantamento para a criançada;
ou a do jumento de Apuleio, o asno de ouro comedor de rosas.
Poderia também ser a mula de Balaão. Bem ou mal, tinha a
dignidade de trazer um profeta às costas e, tocada por Deus, pode ver o anjo,
por Balaão não visto, impedindo-o de proferir impropérios contra o povo eleito,
empreitada a que se obrigara o profeta, em troca do pagamento recebido do
esperto Balaque. Mesmo assim, fazendo o
que era certo, fora espancado três vezes; então, Deus, que já lhe dera
tirocínio, lhe deu a faculdade de falar para lavrar um protesto contra a forma
injusta pela qual o profeta a tratara.
Querem mais? Que
inaudito privilégio ter transportado a Sagrada Família em fuga para o Egito
para livrar Jesus da espada de Erodes, O Grande. Quanta honraria ser o
instrumento de salvação do Senhor e ter convivido com aquela sacrossanta
Família. E o burrico da manjedoura tendo o privilégio de assistir o nascimento
de Cristo. Até hoje os presépios o reproduzem presente ao ato mais importante
da nossa história. Que humanos tiveram tamanha honraria?
Outro asno que nos leva a babar de inveja foi o que
transportou Cristo, levando-O triunfalmente através dos umbrais de Jerusalém
para a celebração da Páscoa Judaica (Pessach), cercado dos apóstolos e pisando
em capas e indumentárias que forraram o chão para a passagem triunfante do
Senhor, evento que deu início ao sagrado episódio da Paixão, sem a qual Cristo
não assumiria todas as dores do mundo para nos salvar.
Os reis Davi e Salomão também transpuseram os portais de
Jerusalém transportados por asnos. A qual outro animal foi conferida tamanha
honraria?
Na esperança de um dia chegar às prebendas de tamanha
dignidade, continuarei, metodicamente, com as minhas asneiras pela vida afora.
Mas, antes que vocês almejem também serem transformados em
asnos, entusiasmados pelas verdades das minhas palavras, hei de adverti-los,
como por advertidos os tenho, do risco de serem transformados em uma subespécie
oriunda de uma mutação genética, permanente ou contingencial, denominada asinus
brasilienses, cuja função única é servir de andor para transportar em triunfo o
Profeta de Garanhuns, afinal, como observava a multimilenária sabedoria romana,
asinus asinum fricat.
E o burro chamado João Paulo, onde entra ele nisso tudo?
Fazendeiro no distrito de minha linda Itati, vilazinha do
município de Itororó, acomodada em um vale cercado de montes, com rio e
ribeirões cristalinos, mais parecida uma paisagem alpina, tive um burro que
atendia pelo nome de João Paulo.
Não se excitem, tenham calma, contarei a saga desse astuto e
precioso animal.
Notava que “João Paulo” já estava velho. Tinha esse nome
porque transportara seu homônimo no dia do casamento. Como João Paulo já tinha
mais de 30 anos de casado, calculávamos que o outro “João Paulo”, passara dos
40 anos, talvez dos cinquenta! Um verdadeiro recorde para alimária dessa
espécie.
Era um animal da estima de todos. Nessa época, normalmente
trocávamos três burros velhos por um novo. Os velhos iam para o abate e
processamento em um frigorífico de Itaobim (MG) que exportava para o Japão.
João Paulo já ia seguir esse triste destino, ia se transformar em comida de
japonês.
Já sabedor de sua estória, concedi-lhe outro destino. Não
mais trabalharia, não seria enviado ao sacrifício e ficaria o resto de seus
dias em verdejante pastagem, por mais enfurecidos que ficassem os japoneses por
não terem a honra de degustar o simpático “João Paulo”.
Ficou famoso na vila como o único burro aposentado das
cercanias, gozando de mordomias só tateáveis por um senador da república, um
ministro do supremo, ou um barnabé fotocopiador da gráfica do senado.
Mas a estória não se acaba aí. Milson Quadros, meu
administrador geral e amigo, revelou-me que “João Paulo” apontava a pata para
as coisas que queria. Era como uma escolha feita pela alimária. Em época de
eleição, a título de curiosidade, estendíamos frente a ele os cartazes de
propaganda com as fotos dos candidatos a vereador. “João Paulo” sempre colocava
a pata em cima de um deles e não escolhia mais nenhum outro. Assim fazíamos
também com os candidatos a prefeito. “João Paulo” olhava e batia de leve, com a
pata, no escolhido. Os presentes, tomados de entusiasmo, iam aos delírios de
uma salva de palmas para o inteligente burro.
Não dava outra, o escolhido por “João Paulo” sempre
correspondia à pessoa mais séria e mais competente, por isso mesmo, no mais das
vezes, seu escolhido perdia a eleição. Mas, quando ganhava, tinha desempenho
acima da média dos antecessores. Essas observações, feitas ao longo de muitos
anos, deixava-nos a todos abismados com o tino político de “João Paulo”.
Vejam bem, um asno sabendo votar com mais prudência e
sabedoria que a média dos eleitores, em demonstração que o bom senso também se
estende ao reino animal. Ao menos ao sensato “João Paulo”.
E por que conto essa estória? Conto porque me ocorreu uma
ideia: poderíamos ter delegado a escolha dos nossos candidatos a presidente a
um asno como “João Paulo”. Então, o Brasil, com o bom senso de um eleitor como
ele, talvez não tivesse chegado à situação que chegou.
Título e Texto: Pedro
Frederico Caldas, Aventura, EUA, 15-6-2017
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