Jaime Nogueira Pinto
Rejeição. Não é, por enquanto, senão isso. Não pelos reacionários, pelos latifundiários, pelos generais golpistas, pelos fascistas declarados ou encapotados, mas pelo povo brasileiro, que vota agora contra a esquerda dita idealista - e notoriamente irrealista quanto à natureza humana (sobretudo à própria) - que montou um "mecanismo" de enriquecimento ilícito e de perpetuação no poder digno dos piores hábitos do coronelismo e do caciquismo que os seus antepassados ideológicos, de Josué de Castro a Celso Furtado, tanto criticaram. Um povo zangado, enganado, roubado, manipulado pelos fariseus da tolerância, dos direitos humanos e das flores de retórica do melhor dos mundos, pelos donos de tudo - do pensamento único aos recursos do Estado.
Nas suas delirantes
interpretações do voto Bolsonaro, incapazes de admitir que o voto também é
popular e que boa parte do povo brasileiro - pobre, favelada, trabalhadora -
votou nele, os comentadores de serviço dizem que o voto é das elites que não
querem perder privilégios (ficamos assim a saber que 47% dos brasileiros são
privilegiados). Ou então que se trata de um povo que o colonialismo e a
ditadura militar condenaram à ignorância, um povo manipulável pela religião e
pelas fake news de redes sociais financiadas por conspiradores
internacionais (sempre de direita e nunca de esquerda). Isto sem que a total
isenção dos grandes media, bem como a sua proverbial independência de
interesses econômicos e de pressões políticas, saiam beliscadas; ou como se a
ideologia por eles propagada não igualasse em zelo e em interditos a mais
fundamentalista das religiões. Dizem ainda que o PT, que estava muito bem a
distribuir recursos, a libertar o povo e a emancipar minorias, foi vítima da
perseguição insana de um poder judicial reacionário ao serviço da CIA e
"dos americanos" (que terão encontrado na luta contra a corrupção um
pretexto para intervir no Brasil) e do "populismo penal" do Lúmpen
que semelhante cabala desencadeou. Dizem muita coisa.
Esta esquerda, que há muito se
habituou a condicionar as cabeças e os corações dos eleitores, controla o
léxico da comunicação, continuando a distribuir qualificativos destinados a
acordar fantasmas de tiranias passadas (só as "fascistas") e a toldar
a dura realidade das presentes tiranias. Mas se ainda domina nos grandes media,
na Academia e até nas Artes, perdeu o domínio do povo. E é isso que lhe dói:
deixar de controlar o que deve ouvir, ver, pensar e escolher "o
povo".
Estabelecida no poder e
corrompida por ele, sem o controlo da nova "rua" ou das novas formas
de dissidência, alienada do povo e das suas velhas causas, esta esquerda
arrogante, decadente mas habituada a ser campeã da revolta e do progresso,
vê-se agora subitamente ancien regime, ortodoxia contra a qual lutam os
novos insubmissos e os novos "danados da terra". E é ela que censura
e policia o discurso; é ela que rasga as vestes e se escandaliza e se ruboriza
com as blasfémias, as barbaridades e as imoralidades proferidas pelos líderes
selváticos que o povo, ou parte dele, sem outra escolha, resolve levar em
ombros.
Desde 2016 que o sistema
estabelecido começou a sofrer derrotas. Por sistema estabelecido entenda-se uma
espécie de hipercapitalismo financeiro, burocrático e global, combinado com os
novos e coloridos direitos humanos, animais e planetários de uma esquerda que
parece ter desistido do velho e humilde "feijão com arroz" para impor
ao(s) gênero(s) humano(s) o seu novo cardápio gourmet.
O denominador comum da
revolta popular e das alternativas escolhidas é a rejeição do que está, sem
medo de correr riscos na alternativa. Por isso, como em todas as revoltas e em
todas as revoluções, as escolhas recaem sobre personalidades extremas, como
Donald Trump e Jair Bolsonaro. Que podem não ser uns santos varões, que
podem não ser cruzados do novo humanismo, que podem dizer coisas chocantes ou
até aviltantes, mas que têm a grande vantagem de não ser nem Hillary Clinton
nem Fernando Hadadd, representantes de um sistema oligárquico adocicado pela
retórica de quem tira milhões da pobreza... para os pôr na Suíça.
Os pobres honestos do Brasil -
que são a maioria - são os mais expostos à brutalidade das máfias que dominam
os bairros periféricos e ao crime desorganizado das violações, dos homicídios,
do terror cleptocrático. Com mais de 62 mil homicídios em 2016, não admira
que os brasileiros queiram mão dura sobre os criminosos. E para os que não
vivem em condomínios de luxo nem têm segurança privada, essa mão dura terá
necessariamente de vir do Estado e da polícia.
Estes dois fatores - a
corrupção de todos, mas sobretudo do PT e a segurança - são sem dúvida os que,
pela negativa, penalizam os partidos clássicos e favorecem Bolsonaro. Mas
há também fatores que, pela positiva, o favorecem: a afirmação da nação e do
seu valor central na equação política e a campanha cultural pelos valores
religiosos e familiares contra a pressão intimidatória dos ativistas dos mil
"gêneros", que querem transformar uma legítima campanha pelas
liberdades e direitos de minorias sexuais numa missionação apostada em elevar a
regra condições, opções e costumes minoritários.
A esquerda radical e o centro
moderado não têm de se queixar: a arrogância, a impunidade e a agressividade de
uns e a cobardia cúmplice de outros, a corrupção ou a tolerância à corrupção de
todos e, sobretudo, a hipocrisia levaram o povo brasileiro ao desespero e à
revolta. Esse desespero e essa revolta encontraram voz num inesperado arauto:
Jair Bolsonaro, 17.
Título e Texto: João Nogueira Pinto, professor
universitário e autor, Diário de Notícias, 19-10-2018
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