domingo, 14 de outubro de 2018

[Pensando alto] O politicamente correto e o portuga da TAP

(Alguém já disse que as boas ideias se perdem pelo radicalismo de seus seguidores)

Pedro Frederico Caldas
              
Civilização supõe educação. Uma geração, educada por geração anterior, desincumbe-se de educar a nova geração que chega. Os pais educam os filhos, ensinam-lhes o bom comportamento pessoal, como higiene, disciplina, autocontrole, e o bom comportamento social, como os bons modos à mesa, respeito aos mais velhos, ceder o assento aos idosos e às gestantes, cortesia para com todos, respeitar a opinião alheia, sem abdicar das próprias, quando apropriado for, discutir opiniões sem exaltação etc. etc. Esse repertório será mais vasto ou melhor observado na direta proporção do nível educacional recebido por quem se desincumbe dessa tarefa pedagógica, de tal modo que uma geração procura sempre entregar uma educação melhor à porvindoura.

Está implícito em todo esse “treinamento” o conceito de respeito a todos, independentemente de credo, raça, se é que raça existe, opinião política, ou costumes sociais, principalmente se tais costumes são decorrentes de outra cultura.

Mas a vida não é plana nem se restringe à monotonia do comportamento correto, com todo mundo certinho, roupa limpa, cabelo alinhado, conversas sussurradas e dissensos sob controle. Há a vida nos estádios de futebol, nas festas familiares, nos eventos sociais, há imprecações no diálogo e, felizmente, há também o riso. As pessoas gostam da irreverência dos humoristas. Eles conseguem ver as coisas por outro ângulo, pegam os aspectos bizarros das pessoas, das situações, da política, das regionalidades, das nacionalidades e assim por diante.

Nas últimas décadas, principalmente a partir dos noventa, surgiu a cultura do chamado politicamente correto. Esse fenômeno começa forte primeiramente nos Estados Unidos, depois se espraia e chega ao Brasil, como sempre de segunda mão, mas de forma muito veemente.

O início desse movimento, pelo menos o seu protótipo mais formalizado, começa pela iniciativa do presidente da universidade de Connecticut, John Casteen, cujo propósito era combater qualquer discriminação contra minorias no campus universitário. Orientações foram passadas aos estudantes negros, hispânicos, ou mulheres, impressas no students´handbook de 1989-1990, estimulando-os a denunciarem comentários depreciativos (derogatory remarks) de que fossem objeto. Esse mesmo John Casteen foi, ao depois, presidente da universidade da Virginia, fundada por ninguém menos do que Thomas Jefferson, isto é, nascida sob o signo da liberdade de expressão. Muitos estudantes e professores foram expulsos da universidade sob a acusação de condutas ou comentários julgados politicamente incorretos (politically incorrect, ou PI).

Essa coisa virou mais do que uma moda, virou uma espécie de praga, disseminada pela imprensa dita progressista. Como tijolos na construção de um muro, cada conduta considerada politicamente incorreta foi recebendo a sua etiqueta e empilhada sobre as inúmeras já existentes. O fenômeno já alcançou uma situação de tal ordem constrangedora que as pessoas têm que a todo momento se autopoliciar para não cair em situação que pode ser considerada racista ou preconceituosa. Dá pena ver os jovens, que naturalmente deveriam ser mais irreverentes, sacarem, a todo momento, nas redes sociais e nas conversas privadas, a palavra preconceito, em grande parte das vezes deslocada do sentido que deveria ter. Parecem querer afetar, assim agindo, a condição de “moderninhos” e senhores de posição política assumida. Realmente dá pena...

Aliada ao politicamente correto e de mãos dadas com ele marcha resoluto o princípio do multiculturalismo, outra praga a ser oportunamente examinada, que considera não haver civilização superior a outra e que as pessoas que emigram para outros países, ao invés de se adaptarem à cultura do país escolhido, podem demandar que o país hospedeiro abdique de os assimilar e passe a abonar a cultura e o costume dos adventícios. Assim, por exemplo, símbolos religiosos são tirados de espaços públicos para não melindrarem o forasteiro. Recentemente, na Alemanha, foram retirados os santos e a cruz do altar de uma igreja que albergava os refugiados mulçumanos para não lhes ferir a sensibilidade religiosa!

Como foi possível em tão curto espaço de tempo o politicamente correto contaminar a Europa e as Américas, colocando-se no limite de uma verdadeira patologia social?
              
O maior propulsor dessa guinada foi a desorientação da esquerda com a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética. Desorientada, acabrunhada e desiludida, escondeu a foice e o martelo, desengavetou Gramsci, teórico comunista italiano forte em recomendar, em vez do assalto armado ao controle do Estado, a tomada do poder por dentro, estratégia pela qual os comunistas procurariam ocupar todos os espaços políticos, promover uma revolução cultural pela disseminação da doutrina socialista nas escolas, universidades, meios de comunicação, clubes, agremiações, forças armadas etc.

Paralelamente e na mesma voga, aposentados a foice e o martelo, a esquerda insuflou ar vivificante na escola marxista frankfurteana e deu uma polida no velho e até então desprestigiado socialismo Fabiano. Assim, o amplo espectro de esquerda formou, com todos os seus matizes, uma espécie de frente ampla para enfraquecer, no limite do possível, o sistema capitalista, mediante arrocho da carga fiscal, regulamentos e restrições de toda ordem para encabrestar a iniciativa privada e o empreendedorismo, parasitando todo o sistema produtivo.

Aos membros da grei seria muito difícil e penoso, impossível até, jogar a toalha e jogar velhas ideias no lixo. Há que carregar o fardo com alguma indumentária nova e certa dignidade.

É nesse esquema de perseguição da conquista do Estado que se encaixa, como linha auxiliar, o politicamente correto como forma não só de adular as ditas “minorias”, mas de as capturar para o projeto de escalada do poder. Vejam bem que o PT e sua linha política auxiliar, Partido Comunista, Psol, Rede e outros menos votados, vestiram a camisa dos homossexuais, dos negros, dos índios, dos quilombolas, dos sem-terra e, até, das mulheres, como se estas fossem minorias.

Se algum dia chegarem a empalmar de forma absoluta e hegemônica o poder, descartarão, como fardos, as reivindicações dantes abonadas porque, então, as minorias serão automaticamente dissolvidas em categorias abstratas como classe operária, ou povo politicamente organizado. Assim será, como assim sempre foi.

O politicamente correto delegou à palavra preconceito a função de aríete para derrubar muralhas. O termo virou senha nos meios de comunicação em geral, principalmente nos meios televisivos.  Virou quase consenso, entre apresentadores de programas, entrevistadores, figuras do talk show e grande parte dos artistas, que as pessoas não têm mais preferências, predileções, gostos, senso estético etc., as pessoas têm preconceito.  Há que eles, os chiques e purificados, apontarem a boa senda a ser por todos palmilhada. Essa marcha batida nos coloca a todos na defensiva, obrigados, com grande constância, a uma autocensura que já orça pela limitação à liberdade de expressão.

 Se o programa social já não mais funciona ou não mais tem razão de ser, a sugestão de sua supressão, ou sua simples limitação ou redirecionamento, é combatida pelo rótulo de preconceituoso a ser pespegado em que ousou sugerir. Se alguém sustenta, por exemplo, que não há lógica em estabelecer cotas em universidade ou em função pública para negros, sob o argumento de que o critério, se regime de cotas se justifica, seria o da necessidade da pessoa, independentemente da cor, lá vem o dedo em riste do politicamente correto a acusar a quem assim pensa de racista.

O politicamente correto está deixando a vida chata e triste. Estamos perdendo o bom humor, a piada engraçada, a roda de cerveja entre amigos entretida com estorinhas de Salim, de Manuel, do sacristão e de “otras cositas más”.

O tema é vasto e comporta um sem-número de variantes. Fiquemos, então, por aqui, mas não percamos de foco que o radicalismo dos seguidores põe as boas ideias em perdição, principalmente quando tais ideias são colocadas sob a custódia da esquerda, completamente perdida e em busca de bandeiras para manter as suas trincheiras e a sua grei política, protegida.

Oh!, e o portuga da TAP?
Ah, já havia esquecido... Vou falar, mas a coisa é politicamente incorreta, por isso mesmo deve ficar só entre nós.
Um empresário paulista tomou um voo noturno da TAP para Lisboa. Começado o serviço de bordo, o comissário dirige-lhe, com sotaque bem lisboeta, a pergunta: Vossa excelência deseja “jantare”? O empresário pergunta: Quais as opções?
Responde o portuga: “Sim, ou não...”.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, Aventura, E.U.A., 11-10-2018

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