Pedro Frederico Caldas
Civilização supõe educação. Uma geração, educada por geração
anterior, desincumbe-se de educar a nova geração que chega. Os pais educam os
filhos, ensinam-lhes o bom comportamento pessoal, como higiene, disciplina,
autocontrole, e o bom comportamento social, como os bons modos à mesa, respeito
aos mais velhos, ceder o assento aos idosos e às gestantes, cortesia para com
todos, respeitar a opinião alheia, sem abdicar das próprias, quando apropriado
for, discutir opiniões sem exaltação etc. etc. Esse repertório será mais vasto
ou melhor observado na direta proporção do nível educacional recebido por quem
se desincumbe dessa tarefa pedagógica, de tal modo que uma geração procura
sempre entregar uma educação melhor à porvindoura.
Está implícito em todo esse “treinamento” o conceito de
respeito a todos, independentemente de credo, raça, se é que raça existe,
opinião política, ou costumes sociais, principalmente se tais costumes são
decorrentes de outra cultura.
Mas a vida não é plana nem se restringe à monotonia do
comportamento correto, com todo mundo certinho, roupa limpa, cabelo alinhado,
conversas sussurradas e dissensos sob controle. Há a vida nos estádios de
futebol, nas festas familiares, nos eventos sociais, há imprecações no diálogo
e, felizmente, há também o riso. As pessoas gostam da irreverência dos
humoristas. Eles conseguem ver as coisas por outro ângulo, pegam os aspectos
bizarros das pessoas, das situações, da política, das regionalidades, das
nacionalidades e assim por diante.
Nas últimas décadas, principalmente a partir dos noventa,
surgiu a cultura do chamado politicamente correto. Esse fenômeno começa forte
primeiramente nos Estados Unidos, depois se espraia e chega ao Brasil, como
sempre de segunda mão, mas de forma muito veemente.
O início desse movimento, pelo menos o seu protótipo mais
formalizado, começa pela iniciativa do presidente da universidade de
Connecticut, John Casteen, cujo propósito era combater qualquer discriminação
contra minorias no campus universitário. Orientações foram passadas aos
estudantes negros, hispânicos, ou mulheres, impressas no students´handbook de 1989-1990, estimulando-os a denunciarem
comentários depreciativos (derogatory
remarks) de que fossem objeto. Esse mesmo John Casteen foi, ao depois,
presidente da universidade da Virginia, fundada por ninguém menos do que Thomas
Jefferson, isto é, nascida sob o signo da liberdade de expressão. Muitos
estudantes e professores foram expulsos da universidade sob a acusação de
condutas ou comentários julgados politicamente incorretos (politically incorrect, ou PI).
Essa coisa virou mais do que uma moda, virou uma espécie de
praga, disseminada pela imprensa dita progressista. Como tijolos na construção
de um muro, cada conduta considerada politicamente incorreta foi recebendo a sua
etiqueta e empilhada sobre as inúmeras já existentes. O fenômeno já alcançou
uma situação de tal ordem constrangedora que as pessoas têm que a todo momento
se autopoliciar para não cair em situação que pode ser considerada racista ou
preconceituosa. Dá pena ver os jovens, que naturalmente deveriam ser mais
irreverentes, sacarem, a todo momento, nas redes sociais e nas conversas
privadas, a palavra preconceito, em grande parte das vezes deslocada do sentido
que deveria ter. Parecem querer afetar, assim agindo, a condição de
“moderninhos” e senhores de posição política assumida. Realmente dá pena...
Aliada ao politicamente correto e de mãos dadas com ele
marcha resoluto o princípio do multiculturalismo, outra praga a ser
oportunamente examinada, que considera não haver civilização superior a outra e
que as pessoas que emigram para outros países, ao invés de se adaptarem à
cultura do país escolhido, podem demandar que o país hospedeiro abdique de os
assimilar e passe a abonar a cultura e o costume dos adventícios. Assim, por
exemplo, símbolos religiosos são tirados de espaços públicos para não
melindrarem o forasteiro. Recentemente, na Alemanha, foram retirados os santos
e a cruz do altar de uma igreja que albergava os refugiados mulçumanos para não
lhes ferir a sensibilidade religiosa!
Como foi possível em tão curto espaço de tempo o
politicamente correto contaminar a Europa e as Américas, colocando-se no limite
de uma verdadeira patologia social?
O maior propulsor dessa guinada foi a desorientação da
esquerda com a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética.
Desorientada, acabrunhada e desiludida, escondeu a foice e o martelo,
desengavetou Gramsci, teórico comunista italiano forte em recomendar, em vez do
assalto armado ao controle do Estado, a tomada do poder por dentro, estratégia
pela qual os comunistas procurariam ocupar todos os espaços políticos, promover
uma revolução cultural pela disseminação da doutrina socialista nas escolas,
universidades, meios de comunicação, clubes, agremiações, forças armadas etc.
Paralelamente e na mesma voga, aposentados a foice e o
martelo, a esquerda insuflou ar vivificante na escola marxista frankfurteana e
deu uma polida no velho e até então desprestigiado socialismo Fabiano. Assim, o
amplo espectro de esquerda formou, com todos os seus matizes, uma espécie de
frente ampla para enfraquecer, no limite do possível, o sistema capitalista,
mediante arrocho da carga fiscal, regulamentos e restrições de toda ordem para
encabrestar a iniciativa privada e o empreendedorismo, parasitando todo o
sistema produtivo.
Aos membros da grei seria muito difícil e penoso, impossível
até, jogar a toalha e jogar velhas ideias no lixo. Há que carregar o fardo com
alguma indumentária nova e certa dignidade.
É nesse esquema de perseguição da conquista do Estado que se
encaixa, como linha auxiliar, o politicamente correto como forma não só de
adular as ditas “minorias”, mas de as capturar para o projeto de escalada do
poder. Vejam bem que o PT e sua linha política auxiliar, Partido Comunista,
Psol, Rede e outros menos votados, vestiram a camisa dos homossexuais, dos
negros, dos índios, dos quilombolas, dos sem-terra e, até, das mulheres, como
se estas fossem minorias.
Se algum dia chegarem a empalmar de forma absoluta e
hegemônica o poder, descartarão, como fardos, as reivindicações dantes abonadas
porque, então, as minorias serão automaticamente dissolvidas em categorias
abstratas como classe operária, ou povo politicamente organizado. Assim será,
como assim sempre foi.
O politicamente correto delegou à palavra preconceito a
função de aríete para derrubar muralhas. O termo virou senha nos meios de
comunicação em geral, principalmente nos meios televisivos. Virou quase consenso, entre apresentadores de
programas, entrevistadores, figuras do talk
show e grande parte dos artistas, que as pessoas não têm mais preferências,
predileções, gostos, senso estético etc., as pessoas têm preconceito. Há que eles, os chiques e purificados,
apontarem a boa senda a ser por todos palmilhada. Essa marcha batida nos coloca
a todos na defensiva, obrigados, com grande constância, a uma autocensura que
já orça pela limitação à liberdade de expressão.
Se o programa social
já não mais funciona ou não mais tem razão de ser, a sugestão de sua supressão,
ou sua simples limitação ou redirecionamento, é combatida pelo rótulo de
preconceituoso a ser pespegado em que ousou sugerir. Se alguém sustenta, por
exemplo, que não há lógica em estabelecer cotas em universidade ou em função
pública para negros, sob o argumento de que o critério, se regime de cotas se
justifica, seria o da necessidade da pessoa, independentemente da cor, lá vem o
dedo em riste do politicamente correto a acusar a quem assim pensa de racista.
O politicamente correto está deixando a vida chata e triste.
Estamos perdendo o bom humor, a piada engraçada, a roda de cerveja entre amigos
entretida com estorinhas de Salim, de Manuel, do sacristão e de “otras cositas
más”.
O tema é vasto e comporta um sem-número de variantes.
Fiquemos, então, por aqui, mas não percamos de foco que o radicalismo dos
seguidores põe as boas ideias em perdição, principalmente quando tais ideias
são colocadas sob a custódia da esquerda, completamente perdida e em busca de
bandeiras para manter as suas trincheiras e a sua grei política, protegida.
Ah, já havia esquecido... Vou falar, mas a coisa é
politicamente incorreta, por isso mesmo deve ficar só entre nós.
Um empresário paulista tomou um voo noturno da TAP para
Lisboa. Começado o serviço de bordo, o comissário dirige-lhe, com sotaque bem
lisboeta, a pergunta: Vossa excelência deseja “jantare”? O empresário pergunta:
Quais as opções?
Responde o portuga: “Sim, ou não...”.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, Aventura,
E.U.A., 11-10-2018
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