São cinco amigos, residem na
mesma “comunidade” de uma cidade dormitório e trabalham em outra cidade, uma
quase metrópole, a trinta quilômetros de distância: João, Euzébio, Waldisnei,
Acácio e Valdomiro. De segunda a sábado, saem juntos. João os leva para a outra
cidade. É motorista do ônibus que faz a linha. Euzébio, que salta no meio do
caminho, passa o dia trabalhando numa fazendinha produtora de leite; Waldisnei,
na construção de um edifício, erguendo paredes ou batendo lajes; Acácio, numa
padaria da esquina, vendendo pão, providenciando cafezinho e sanduíche na
chapa; Valdomiro, na sapataria de conserto rápido, fixando meia-sola e salto.
Ao fim da jornada, voltam todos juntos, no mesmo ônibus pilotado por João.
Antes de casa, passam na venda de uma esquina da “comunidade”, onde tomam uma
cachacinha, que ninguém é de ferro, e compram leite e pão para o café da manhã
dos filhos.
Agora, vem a minha indagação:
Esses homens, com o seu trabalho, provocam as crises econômicas? Antes de
responder, vamos adiante para dar uma olhada nesse bicho chamado “mercado”.
Todos iniciam o dia consumindo
e produzindo. Ali está, em Itabuna (sempre a minha Macondo), o Santu Bule, na
produção de pratos bons, saborosos, chiquérrimos e baratos. Não os trocaria
pela mais refinada comida do mais refinado restaurante internacional. O seu
cardápio é, para mim, uma leitura obrigatória. Um sonho de cardápio. Pudera, é
tocado por um dream team. Ana, Fátima
e outras maravilhosas pessoas que ainda não tive a honra de conhecer. A equipe
trabalha, a clientela se farta; os clientes compram, a equipe vende. Vende as
iguarias e, nelas embutidas, sem que os comensais percebam, serviços: compra da
matéria prima, preparo da comida, lavagem dos pratos, limpeza do ambiente,
serviço das mesas, controle do caixa. As proprietárias, pessoas empreendedoras,
arriscaram capital, geram empregos, pagam impostos, visíveis ou invisíveis,
dedicam seu tempo e criatividade ao negócio e, em qualquer medida ou percentil,
contribuem para o aumento da produção e da riqueza da cidade, da região, do
estado e do país. O mesmo se diga do labor de João, Euzébio, Waldisnei, Acácio
e Valdomiro.
Maria saiu para comprar um
sapato. Despendeu cento e cinquenta reais. O dono da sapataria deu-lhe o sapato
e ficou com o dinheiro. Maria sacou o dinheiro de sua poupança bancária, o dono
da sapataria depositou-o, com a féria do dia, em um fundo de investimento; o
banco, envolvido na operação, prestou serviço a ambos. Mas a coisa não para por
aí. O banco, depositário dos recursos dos clientes, empresta-os, por seu turno
àqueles que, não dispondo do numerário de que necessitam, precisam ser
financiados para consumir ou produzir.
Todos trabalham, todos
produzem, todos consomem e todos pagam impostos. Até o mendigo, abatido pelo
alcoolismo, pega o produto dos óbolos recebidos e, ao comprar uma garrafa de
cachaça, entrega cerca de setenta por cento desse valor em impostos. Quanto aos
impostos, fazer o quê? Como disse Benjamin Franklin, em carta dirigida a um
amigo da Europa, “no mundo só existem duas certezas: a morte e os impostos”.
Seja como for, a atuação de
todos nos garante, sempre, que haverá a escola, o supermercado, o transporte, a
energia, a televisão, o rádio, o show, o cinema, o computador, a internet, o
pão, o arroz, a engraxada, o transporte, a segurança, o banco, o leite... e,
também, porque muito importante, o Santu Bule.
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Foto: Reinaldo Mandacaru |
Olhem para suas cidades, olhem
para a comunidade em que vivem, tudo funciona. Quando uma coisa não vai bem,
desaparece; quando atende ao consumidor, prospera. Essa gigantesca engrenagem,
que a economia chama de mercado, funciona como uma grande orquestra sinfônica
que prescinde de maestro. Se tentarem
colocar um maestro, aquele que a ciência política chama de engenheiro social, o
desastre, cedo ou tarde, virá.
Toda vez que um gênio tira de
seu caldeirão de feitiçaria uma poção milagrosa para organizar o mercado, as
coisas já não funcionarão com harmonia e eficiência, as prateleiras ficarão
vazias, as pessoas perdem o interesse, a livre iniciativa, o ímpeto e o
empresário, a garra, tudo acompanhado pelo que há de pior como inflação,
desemprego, depressão.
O governo que está sob
processo de impedimento e seu antecessor tentaram orquestrar a economia e
interferir no mercado. Deu no que deu. Os argentinos viveram experiência
parecida. Estão acabrunhados. Vejam o
que aconteceu e ainda acontece onde a engenharia social prosperou; vejam, como
exemplo, o que se passou na Cortina de Ferro e o que se passa na Venezuela, em
Cuba ou na Coreia do Norte. É triste.
Minha mensagem final é que
deixem essa sinfônica sem maestro, ela funciona melhor assim.
E, agora, o sorriso da Mimi.
Ela é o xodó do dedicado Euzébio, que cuida de todo o rebanho do sítio. Mimi é
uma vaquinha holandesa lindinha e delicada. É bem alimentada, banhada e
tratada. Já ganhou até prêmio em exposição. Generosamente e em contrapartida libera,
a cada dia, pelas hábeis mãos de Euzébio, trinta litros de leite. Foi um bom
investimento. Quando de boca fechada, parece, como a Mona Lisa, sorrir
enigmaticamente. Ela olha para o dono, para o Euzébio, a quem adora, balança o
rabo e pensa, como uma vaca inteligente que é: “como esses humanos são
preocupados...”.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, junho de 2016
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