Cesar Maia
"Governar é fazer
crer", dizia Maquiavel. As lideranças míticas, sejam políticas, sociais ou
religiosas, se afirmam por dois caminhos distintos.
De um lado, os líderes cuja
autoridade se afirma como guias de seus povos. São os detentores da legitimidade
pelas ideias que conduzirão seus povos ao paraíso. Perón e Vargas são exemplos.
Outras lideranças legitimam a
sua autoridade pela ausência. Representam divindades. O que os legitima está
ausente deles, está em outro plano. padre Cícero, no Ceará, e Santa Dica, em
Goiás, são exemplos. Maria de Araújo, beata de padre Cícero, em transe, ao meio
de milagres, conversava com os anjos.
Santa Dica, em transe, ia até
a "corte dos anjos" e voltava com as orientações a serem seguidas.
Padre Cícero elegia e elegeu-se. Santa Dica elegeu seu companheiro. O monopólio
da legitimação pela ausência trouxe e traz conflitos inter-religiosos.
A autoridade legitimada pela
ausência não é restrita à esfera religiosa. Líderes políticos, em diversas
épocas, ao se incluir no universo dos deuses, assim se legitimavam.
Ramsés 2º, Júlio Cesar e
Hirohito são exemplos. Em outros, a própria nação é uma divindade. Agitam com
símbolos milenares, cenografia e coreografia relativas. Representam essa
divindade-nação ausente. Hitler (a raça germânica superior) é um caso.
Outras vezes, essa divindade é um autor cujas ideias são estruturadas como dogmas. A legitimação pela ausência se refere a eles e a suas ideias. O líder é quem representa essas ideias da forma mais autêntica. Marx foi usado assim. Depois vieram as suplementações de legitimação derivada: leninismo, stalinismo...
Outro tipo de legitimação da
autoridade se dá pela contra-ausência. Ou seja, uma ausência que coloca em
risco o país e exige a delegação de todos ao líder. O "perigo
vermelho" foi usado assim, legitimando líderes e ditadores. "O
imperialismo ianque", idem.
Mas há um tipo de liderança
mítica que se parece com a do tipo guia dos povos. Apenas se parece. Na
verdade, legitima-se também pela ausência. O povo, em abstrato, passa a ser uma
divindade. Um povo amalgamado que incorpora todos os valores de fé, justiça e
de esperança. E de dentro desse amálgama surge o líder, que é ele, o próprio
povo, encarnado em sua pessoa, como redentor. As lideranças míticas são
desintegráveis pelo fracasso, pela desmistificação (falsos profetas), pela
força ou por outros tipos de líderes míticos. Num regime democrático, a força
se exclui. Quando a alternância acontece em uma conjuntura de sucesso, a
desmistificação não é tarefa simples. Nessas condições, um líder racional
alternativo precisaria de alguma dose de legitimação de sua autoridade pela
ausência.
Quaisquer delas.
Título e Texto: Cesar Maia, 29-9-2018
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