Se Deus não existe, tudo é
permitido – Dostoiévski
Meus caros amigos,
Eis a grande inquietação do
homem: Deus existe? Se Ele existe, temos balizas; se não existe, tudo é
permitido. Os ateus não concordam, acham que a ética prescinde de Sua
existência, mas, mesmo entre essa casta de homens oniscientes, há os mais
cautos que intuem que um tribunal divino age como a palmada que coloca a
criança nos trilhos.
Antes, temos que estabelecer
de que Deus estamos falando, qual a traça fundamental do seu caráter.
Dito isso, não quero aqui
falar do Deus mosaico, daquele que entrega as tábuas da lei a Moisés, o Deus
legislador que edita, dentre outras normas, o “não roubarás”. Não, não quero
limitar a ação de Deus a algo tão pedestre, tão humano, de função tão
assemelhada à dos nossos legisladores que, com a mão direita, redigem o
dispositivo do Código Penal “não roubaras” e, com a esquerda, acrescentam mais
um verbo ao vernáculo, o verbo petrolar, da categoria transitivo indireto, cujo
significado reside em “passar a mão, de forma sub-reptícia e indireta, no
dinheiro da Petrobrás”, e, quando adjetivado, tem seu superlativo em Petrolão.
Não, não é desse Deus legislador de que se trata.
Também não é o Deus de Abraão,
aquela figura taciturna do Velho Testamento, a Torá judaica, a emitir sentenças
de morte, a destruir cidades, transformar gente em estátua de sal, ungir um rei
que manda o amigo para a linha de frente do campo de batalha para passar a mão
em sua mulher; ou, o Deus bondoso que manda o Filho nos libertar de nossas
misérias e que, no curso dessa missão, como um Mandrake divino, promove a
multiplicação de pães e peixes para o povo faminto, ou, para uma casta seleta,
dentre os quais faço questão de estar, esnobe e talentosamente transforma a
água em vinho, feito que se erige em meu milagre predileto. Não, esse é um Deus muito humano, que passa
dos maus bofes à bondade.
Nem o Deus espiritual, aquele
que encarna a verdade e a bondade, aquele Deus, ungido em Jesus, que nos
salvará, que nos abrirá as portas de uma outra existência eterna, onde os bons,
os eleitos, estarão apascentados eternamente num Éden, o Deus que, nos dando a
perspectiva de outra vida, nos livra da tanatofobia, nos livra dos psiquiatras,
dos psicanalistas e da depressão senil; Deus que nos sabe humanos e fracos e,
por isso mesmo, sempre pronto a perdoar nossos pecados, desde que tocados por
pio e vero arrependimento; Deus de minha comadre Waldir, que a ela empresta aquele ar bondoso, gentil
e seguro, aquela altivez moral suavizada por um sorriso budista, a contemplar, dos seus
quase cem anos de serena existência, os céticos com a amorosa compreensão da
líder espírita que é, fundada na certeza de que as ovelhas, temporariamente
desgarradas, um dia volverão ao bom aprisco. Esse Deus pode ser bastante, mas
ainda não é dele de que se trata.
E o Deus que “ No princípio,
criou os céus e a terra” (Genesis 1,1), para, ao depois, em faina de seis dias,
criar e organizar ao que à terra interessa, feito que lhe conferiu, como quer a
Justiça do Trabalho, um domingo remunerado e eterno, eis que, baianamente,
decidiu, do sétimo dia para frente, nada mais fazer; esse Deus que os maçons,
como as pessoas simples que almejam sempre ter um doutor na família, pespegaram
o grau de arquiteto, nominando-o Supremo Arquiteto do Universo, numa cincada
sem precedentes, pois esse Deus está mais para operário, eis que não se limitou
a um esboço, a um croquis, pelo contrário, executou a obra com as suas próprias
mãos, o que deixa os maçons atolados numa contradição em termos porque Deus,
sendo onisciente, não precisava de um serviço de arquitetura, de um prévio esboço da obra a
executar, sua onisciência já lhe permitiria saber o que fazer. Nesta hipótese,
já nos aproximamos do Deus que é o objeto de nossa excogitação.
Enfim, chegamos ao Deus
criador do Universo. Deus, para ser Deus, há que ter criado o Universo. Se o
Universo o precedesse, Ele não seria o criador, mas uma criatura, pois algo
antes dele já existiria. Essa hipótese Lhe tiraria a onisciência, porque não
saberia da existência daquilo que já existia antes Dele, como também Lhe
tiraria a onipotência, que aquele que foi feito, que não é o criador, mas uma
simples criatura, onipotente não é. Necessariamente Deus tem que ser, além de
onisciente, onipotente. É dizer, é um imperativo categórico que seja o criador
do Universo.
É ao Deus criador do Universo
que a ciência tenta demolir. Provado, pela sabedoria e ciência dos homens, que
Deus não criou o Universo coisíssima nenhuma, todas aquelas outras facetas de
Deus se esbarrondam.
A Astrofísica tem como certo
que o Universo foi criado por uma grande explosão, um “Big Bang”. Energia
altamente concentrada em uma massa menor que um bola de golfe um dia explodiu
dando origem ao Universo. Quem lê obras sérias de astrofísica vê que complexas
equações, experimentos os mais variados, feitos e provados, formam a conclusão
de que o tal Bang, a tal grande explosão, ocorrida há cerca de quatorze bilhões
de anos, foi que criou tudo o que vemos, o que não vemos ainda, ou que jamais
veremos, tudo isso que se chama Universo. Deus não teria tido participação em
nada. A Ciência, ao tirar de Deus a sua obra, torna sua existência improvável e
entroniza a razão como regedora da vida e das ações do homem.
Ponto para a ciência.
Mas, por outro lado, a ciência
joga a toalha e confessa que não tem como saber o que existia antes da grande
explosão, antes do Big Bang. De fato, a Ciência não sabe o que teria ocasionado
tamanha concentração de energia em algo menor do que uma bola de golfe. E mais,
por que este tão pequeno núcleo de concentrada energia teria explodido para
forjar algo tão grande e tão magnífico que a mente humana é incapaz de abarcar
e conceber. É aí, justamente aí, onde sentam praça os que precisam da prova
provada da existência Deus. Nesse vácuo, nessa zona impalpável para a Ciência,
Deus é recolocado em seu trono.
Ponto para Deus.
Hoje em dia, a minha função
mais séria e importante é tomar conta de um netinho chamado Benjamin, que
sempre me devolve um “por que?” ou “para que?”, a tudo o que falo ou tento
ensinar. O Ben ou Benny, como o chamo, é um moleque sabido, fala três idiomas.
Adora que eu o ponha para dormir contando estórias miraculosas, povoadas por
grandes crocodilos lutando contra anacondas imensas, ou lobos maus tentando
fazer de Chapeuzinho Vermelho um bom mingau. No ápice dessas fábulas há sempre
a minha chegada miraculosa para pisar no rabo do crocodilo ou dar um pontapé no
traseiro do Lobo Mau. Eu sou seu herói. Costumo passear com ele às margens dos
lindos canais de Aventura, centro do nosso secreto universo, ocasiões que
aproveito para lhe ensinar o que é possível ser ensinado. Numa dessas nossas
andanças, fiz-lhe a pergunta que me inquieta: “Ben, quem criou o Universo?”. E
ele, do alto de seus quase quatro aninhos de teimosia, malcriação, mas muito
amor, com um sorriso safado nos lábios, me respondeu: “Foi vovô”.
Ponto para mim.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas
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