Helena Matos
Portugal não tem fascistas que cheguem para
encher uma pequena praça ou até a Rua da Betesga, mas tem cada vez mais dependentes
do fascismo. São eles os caça-fascistas, a versão lusa dos caça-fantasmas
A reação à ida de Mário
Machado ao programa de Manuel Luís Goucha veio lembrar-nos o óbvio: o fim da
censura prévia em abril de 1974 não encerrou de modo algum, em Portugal, o
capítulo do controlo das ideias e das opiniões. Entre nós, tudo é censurável
desde que essa censura seja feita em nome do antifascismo. Daí que, sem nos
alongarmos muito, a lista de tudo aquilo que em determinado momento foi
arredado do écran em nome do combate ao fascismo se assemelhe a uma programação
de fim-de-semana: o fado foi fascista, o Festival da Canção idem e até a
decisão da RTP, em 1976, de exibir a “Aldeia da Roupa Branca” e o “Pátio das
Cantigas” motivou sérios receios de regresso ao fascismo. Debater a Reforma
Agrária era dar a mão ao fascismo. Informar simplesmente que os retornados
existiam foi durante vários meses sinónimo de fascismo, racismo e colonialismo…
Portugal, ironia das ironias,
não tem fascistas que cheguem para encher uma pequena praça ou até a Rua da Betesga,
mas tem cada vez mais dependentes do fascismo. São eles os caça-fascistas, a
versão lusa dos caça-fantasmas. Sem a capa do antifascismo revelar-se-ia o que
de facto são: uns querem ser ditadores, outros servi-los. Para uns o antifascismo
remete-os para um passado que os preserva de se confrontarem com aquilo em que
se transformaram no presente. Para outros, o antifascismo é uma táctica de
exercício de poder. E para outros, de ideais tão ou mais ditatoriais que os do
fascismo propriamente dito, o antifascismo é uma peça na sua estratégia de
controlo sobre as sociedades, independentemente dos votos que obtiveram e
vierem a obter. Por isso, todos os dias, várias vezes por dia, todos eles, por
necessidade e interesse, aí andam à caça de fascistas, vasculhando fascistas,
inventando fascistas, combatendo fascistas. E para o caso tanto dá que Mário
Machado se diga ou não fascista, ou saiba sequer o que foi o fascismo, que já
agora, acrescente-se, não é sinónimo de salazarismo. O espantalho do fascismo
grosseiramente confundido com salazarismo, tornou-se a saída ideológica de
emergência para um regime que depois do discurso sobre a “longa noite” e da
riqueza que havia de vir da CEE ficou sem outro projeto para Portugal que não
seja o do desenrascanço imediato frequentemente na sua versão mais grotesca.
Os mais vulgares são os
antifascistas por escape ou transferência. São aqueles que quanto mais dobram a
espinha, perante o comportamento anómalo dos chefes, candidatos a chefes, líderes
que se dizem animais ferozes e outros espécimes do poder pós-74, mais se fixam
na figura de Salazar. Precisam de Salazar e das histórias sobre a estupidez dos
censores do Estado Novo para não se confrontarem com o que agora calam. Vivem
como se tivessem engolido o lápis outrora azul, mas que nos meandros do seu
corpo passou a vermelho. O antifascismo é neles uma necessidade algures entre a
ética e a oftalmologia: enquanto falam de Salazar, de cada vez que procuram
criar empatia pronunciando “salazarento”, evitam confrontar-se com o seu rosto
no espelho e sobretudo evitam pronunciar-se sobre o pântano, no sentido
guterriano do termo, em que a sua falta de coragem e alguma avidez
transformaram o regime democrático.
Depois temos os antifascistas
por táctica: roubam-se armas em quartéis, a Lei de Programação Militar vai ser
discutida em menos de uma hora no parlamento e sobre o que se pronuncia o ministro da Defesa? Sobre o programa de Manuel Luís Goucha! O ministro João Gomes Cravinho até achou por bem no
país que viveu os incêndios de 2017 – aqueles em que o governo de que faz parte
teve um desempenho miserável – comparar o convite a Mário Machado por parte da
TVI com a atitude “de quem ateia incêndios pelo prazer de ver a labaredas”.
Tocante, não foi?
É precisamente esta ausência
de memória e de senso, que quase nos faz acreditar que estamos num mundo de
absurdos, uma das característica do antifascismo táctico: arma-se um escândalo
porque Mário Machado, defensor de ideais não democráticos pelos quais os
portugueses mostram um enorme desinteresse, vai a um programa televisivo,
mas mal se ouve uma palavra contra decisões autoritárias do Governo que agora, por exemplo, pressiona OCDE a mudar capítulo sobre corrupção (tão
fofinhos os títulos que dizem estar Governo e OCDE “às turras” por causa da
corrupção, como se tudo não passasse de uma birrinha infantil).
Muito menos se sussurra uma
ligeira perplexidade pelo facto de o mesmo governo ter recusado os nomes selecionados pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP) para o cargo de Director-Geral da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público,
com o argumento expresso em despacho da secretária de Estado da Administração
Pública, Fátima Fonseca, de que entre os não indicados pela CRESAP fora identificado
“um candidato com um perfil mais compatível com as orientações estratégicas definidas”. Que interessante. E já agora o “candidato
com um perfil mais compatível” foi identificado por quem?
Pela CRESAP não, certamente,
que não o selecionou. Terá sido pela secretária de Estado da Administração
Pública, Fátima Fonseca? Em conclusão, ou os preteridos no concurso conseguem
que alguém acuse de fascismo o “candidato com um perfil mais compatível com as orientações estratégicas definidas”
ou nada feito! Mas sejamos realistas: o que é a opacidade em torno da escolha
do futuro diretor-geral da Direção-geral da Administração e do Emprego Público
ao pé da seleção dos convidados para o programa de Manuel Luís Goucha?! Nada!
Nadinha. (Aliás o problema de Mário Machado não são as tolices que diz, mas tão
só o facto de as suas tolices não se enquadrarem nas “orientações
estratégicas definidas”.)
Por fim, mas não por último,
temos os antifascistas por estratégia. Gente que usa a expressão antifascista
como um colete à prova de perguntas. Muitos deles, a maior parte, mostra uma
extraordinária simpatia pelos autoritarismos marxistas. A sua estratégia é
simples: impõem o seu poder através da diabolização da divergência. Por isso
eles não debatem, em vez disso adjetivam e compõem um mundo pejado de
fascistas, racistas, homofóbicos (conhecendo o que esta gente disse e fez nesta
matéria é caso para rir e chorar ao mesmo tempo), machistas… discordar deles
implica ser passado automaticamente para o paradigma do odioso do momento.
Podia pensar-se que anos e
anos de democracia nos tinham libertado do fascismo. Nada mais falso. Cada vez
mais o fascismo – enquanto espantalho – se torna indispensável. Não duvido que
o número de fascistas vai crescer exponencialmente nos próximos tempos. Não
porque o senhor Mário Machado obtenha mais votos, mas sim porque, numa
irrefutável prova de que Deus escreve direito por linhas tortas, o PS terá
maioria absoluta nas próximas eleições e, portanto, os estalinistas, trotskistas
e maoístas de cujo apoio o PS agora depende, vão dedicar-se a recuperar os
votos perdidos. Como? Combatendo o fascismo. O do governo, naturalmente.
P.S.: Em
Portugal, passam pelas televisões, rádios e jornais vários acusados, suspeitos
e condenados por crimes de violência, terrorismo, sequestro. O Sindicato dos
Jornalistas não se manifesta contra, nem aliás deveria fazê-lo. Que o faça a
propósito de Mário Machado é o viés habitual. Mas ideologia à parte sempre
podia o SJ aproveitar para tirar algo de proveitoso deste caso. Como? Mostrando
a muitos jornalistas como Manuel Luís Goucha se prepara para as entrevistas que
faz e como de facto conhece os livros de que fala. Preparação essa que falta a
inúmeros jornalistas.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
6-1-2019
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