Deve ser sina: ao menor sinal de crise lá vem a verbalização do desejo
de um Salazar a que agora se juntou o de um golpe e, como não podia deixar de
ser neste reino velho que tantas dificuldades tem em emendar-se, o de um
governo de não políticos.
Entende-se por esta última
solução uma espécie de junta de salvação nacional constituída por gente boa que
o PCP e afins transfiguram em governo patriótico para escamotear que só os
comunistas e seus clones caberiam em tal conceito de patriotismo. Ou então é
aquilo que o centrão apresenta como uma plêiade de tecnocratas que mais não
seriam que políticos maioritariamente maçónicos e não sujeitos a escrutínio. O
que os apologistas destas soluções nunca explicam é como de um momento para o
outro as medidas difíceis desapareceriam ou, tendo de ser implementadas, como
não mais seriam contestadas. E sobretudo ilude-se a principal questão: donde
viria a legitimidade deste tipo de governo?
Esta apologia de medidas
autoritárias é justificada com a excepcionalidade dos tempos, como se a
democracia fosse um regime para os dias felizes e não o regime que nos permite
fazer escolhas precisamente quando essas são difíceis. Mas o pior de tudo é
quando os apologistas destas soluções, tentam explicar o carácter autoritário das
suas propostas, invocando o horror dos tempos que nos coube viver como se nunca
se tivesse passado por nada semelhante. De repente tornámo-nos num desses
quadros ‘naïfs' em que à falta de perspectiva as pessoas são maiores do que os
prédios.
Contudo convirá lembrar que um
desempregado vive hoje melhor em Portugal do que muitos trabalhadores dos anos
50 ou 60. E como é óbvio um desempregado em qualquer país da UE usufrui de
condições de vida muito superiores à de outros países, nomeadamente de grande parte
daqueles que agora apresentam grande crescimento económico e que até nos
emprestam dinheiro. Por fim mas não por último, boa parte dos portugueses
arrepender-se-ia de ter posto o pé fora deste rectângulo se um azar do destino
os levasse aos hospitais onde são tratados os cidadãos comuns de Angola,
Rússia, Brasil, para já não falar da China. E politicamente falando basta
recuarmos 35 anos para percebermos como falharam algumas das soluções que agora
nos propõem como moralmente superiores - Em 1978, tivemos três governos, tendo
durado um deles, o de Nobre da Costa, um executivo tecnocrata de notória
competência, três escassos meses. Internacionalmente, se se tiver em conta que
no mesmo ano a Itália tinha o seu primeiro-ministro sequestrado, percebe-se que
o enredo político que aquele país actualmente vive está longe de ser o pior que
já lhe aconteceu.
Podia encher páginas e páginas
deste jornal dando exemplos de como esta não é certamente a pior crise, nem a
maior crise nem a derradeira das crises. Aliás esta perda de noção da realidade
e da História é em si mesma sintomática do egocentrismo infantil que enquanto
sociedade decadente nos assombra. Se trocássemos as elucubrações sobre
revoluções e golpes de Estado pelo estudo da queda do Império Romano talvez percebêssemos
que para lá da espuma dos dias a nossa verdadeira crise é de identidade e não
de economia. E nesses domínios, o da cultura e o da identidade, a nossa queda
já começou.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 02-04-2013
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