quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Mais uma cacetada no mais recente pobrezinho português. Esta será a última, prometo.

Sobre o mais recente “desgraçado” português, Fernando Tordo, pensei ter postado um artigo definitivo… que nada! Veja este!

A caça ao Tordo
O atual Governo tem culpa de imensa coisa. Mas não da partida de Fernando Tordo para o Brasil.
João Miguel Tavares
O problema de Fernando Tordo não foi dizer que se ia embora para ganhar a vida no Brasil, tal como o problema de João Tordo não foi ter escrito uma bonita carta de despedida ao seu pai. O problema – e é este problema que está na base de tudo o que desde então tem caído em cima das suas cabeças – é ambos terem feito uma ligação direta entre a atuação do Governo e a necessidade de Fernando Tordo emigrar, como se até os insucessos de um músico, profissional liberal por definição, fossem responsabilidade de Pedro Passos Coelho. Ora, que eu saiba, o Palácio de São Bento ainda não tem qualquer poder sobre o "top 10" da Associação Fonográfica Portuguesa.

Quando Rick Rubin foi ter com Johnny Cash nos anos 90, para gravarem juntos os extraordinários discos pela American Recordings que revolucionariam o final da sua carreira, Cash era um sexagenário, tal como Fernando Tordo. E, tal como Fernando Tordo, a indústria tinha-o abandonado e os seus concertos estavam vazios. Quem gosta de música sabe o que aconteceu a Cash a partir de 1994, tal como conhece a amargura que ele sentia antes disso. Mas eu não me recordo de algum dia, em alguma entrevista, ter visto ou ouvido Cash culpar Bill Clinton ou a administração americana pela situação em que se encontrava.

Eu simpatizo bastante com Fernando Tordo e com o seu filho João. São pessoas simpáticas, afáveis, abertas, bem-dispostas e que não têm habitualmente o discurso do português desgraçadinho. Mas, neste caso, Fernando perdeu o pé quando, a 14 de Janeiro, no programa da TVI24 onde tudo isto começou, uniu a frase “não aceito esta gente, não aceito o que estão a fazer ao meu país, não votei neles e não estou para ser governado por este bando de incompetentes” à frase “passou a ser insultuoso, ao fim de 50 anos de carreira, ter de procurar trabalho desta maneira, ter de viver quase precariamente”.

Ambas as frases são inteiramente legítimas, mas ao juntá-las Fernando Tordo sugeriu uma relação de causa-efeito que me parece, no mínimo, abusiva. Relação essa que acabaria por ser sublinhada pela carta de João Tordo, quando a certa altura cai num retrato neorrealista que mete reformas de “duzentos e poucos euros” e pancada aos “nossos governantes” por acabarem com “a cultura”, com “a felicidade”, com “a esperança” e com o seu “pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país”.

Quando Fernando Tordo veio dizer, num direito de resposta ao jornal i, que não havia sido “intenção de nenhum dos intervenientes pedir a misericórdia dos Portugueses” e que ele “não passa dificuldades económicas nem nunca tencionou que isso ficasse implícito”, já era tarde. A notícia dos ajustes diretos no valor de mais de 200 mil euros tinha feito o seu caminho. E se essa notícia ainda pode ser considerada popularucha, a de ontem, sobre a ONG liderada pela sua mulher lhe ter pago 10 mil euros por dois espetáculos, levanta questões éticas sérias, que Fernando Tordo certamente preferiria que não tivessem vindo parar à praça pública.

É evidente que a austeridade prejudicou os músicos portugueses, pois o circuito das câmaras municipais sempre foi fundamental para o seu sustento, e a torneira fechou. Só que subsidiar a música popular é um contrassenso: ou bem que é subsidiada, ou bem que é popular. O atual Governo tem culpa de imensa coisa. Mas não da partida de Fernando Tordo para o Brasil.
Texto: João Miguel Tavares, Público, 27-02-2014 

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