Alexandre Homem Cristo
Eis um efeito da atual preponderância do
parlamento: a exclusão das instituições e a submissão dos temas nacionais às
máquinas partidárias. Só se investiga, discute e conclui o que satisfaz
PS-PCP-BE
Passada uma semana desde o
cancelamento da conferência de Jaime Nogueira Pinto, por decisão da FCSH da
Universidade Nova, para onde nos levou o debate? Para a casa de partida. Ao
longo destes dias, o país (à esquerda e à direita) criticou a decisão do diretor
da faculdade, o ministro do Ensino Superior lamentou a decisão, e Marcelo
abalroou a opção da faculdade. Mas lá veio o BE equilibrar as críticas, no
debate parlamentar, associando tudo a golpes de propaganda dos promotores, sob
o apoio do PS que assegurou ao país que os estudantes censores não fizeram
“ameaças físicas” a ninguém. E, depois, o que aconteceu? Nada. A conivência da
FCSH com formas de censura às liberdades política e de expressão não teve
consequências. E, daqui a uns dias, ninguém se lembrará sequer do episódio.
Passadas duas semanas desde
que a esquerda parlamentar em peso persegue Teodora Cardoso e o Conselho de
Finanças Públicas (CFP), para onde nos levou o debate? Para lado nenhum. O
governo e o PS prosseguem no confronto com o CFP e chumbaram o nome de Teresa
Ter-Minassian, pressionando a sua independência (com ameaça de revisão da sua
orgânica) e intrometendo-se numa decisão do Tribunal de Contas e do Banco de
Portugal. Enquanto isso, o país assiste em silêncio aos ataques e entretém-se
em discussões sobre a relevância da instituição presidida por Teodora Cardoso.
Como se o ponto não fosse o encurralamento institucional do CFP por parte da
maioria parlamentar.
Passadas duas semanas desde
que o “caso das offshores” irrompeu, para onde nos levou o debate? Para lado
nenhum. O país animou-se com teorias da conspiração, segundo as quais o governo
PSD-CDS (e Paulo Núncio em particular) teria deliberadamente ocultado
informação acerca de fuga de capitais e de pagamento de impostos. Entretanto,
percebeu-se que os impostos foram pagos e que, no geral, as operações ocorreram
sob o mandato do atual governo que, pela voz de Rocha Andrade, responsabilizou
o sistema informático pela ausência de registos. Assunto arrumado? Nem por
isso: descobriu-se que, entre 2013 e 2014, milhares de milhões de euros saíram
do BES para offshores, precipitando a queda do banco. De quem era esse dinheiro
e como se explica que essa fuga de capitais, que esvaziou o BES, passasse
despercebida? Culpar o sistema informático não chega. Mas tem bastado ao debate
partidário para apontar o dedo a Carlos Costa e ao Banco de Portugal, já que ir
ao fundo da questão não parece interessar ao PS. Com quinze dias disto, nada
mudou e, agora, dificilmente mudará.
Eis a inconsequência em que se
encontra o debate em Portugal. Sempre foi assim? É certo que o histórico de
casos é longo, multidisciplinar e multipartidário. Mas não há memória recente
de tantos silêncios perante um controlo tão firme de uma maioria política sobre
o rumo do debate público. O que difere entre o passado e o presente? O
enfraquecimento das instituições – intimidadas na sua independência e atacadas
na sua ação – que promoveu o aprofundar da dependência nos partidos políticos,
agora os únicos árbitros das polémicas nacionais. Hoje, é para o parlamento que
tudo escoa, vertido em comissões de inquérito, declarações políticas e debates
de atualidade. E é lá onde todas as polémicas se afogam, convertidas em
discussões de trincheira no teatro parlamentar, onde a verdade não tem lugar e,
em cacofonia, cada lado acusa o adversário de malfeitorias. Nada é mais eficaz
para acabar com um assunto de interesse público do que enviá-lo para o
parlamento.
Este é um dos efeitos da atual
preponderância política do parlamento: a exclusão das instituições independentes
e a submissão dos temas nacionais às máquinas partidárias. Só se investiga o
que não incomoda a maioria parlamentar – o acesso a informação acerca da CGD
foi bloqueado. Só se discute o que convém à maioria parlamentar – observe-se
como as questões sobre o BES têm permanecido sem resposta. Só se conclui o que
satisfaz a maioria parlamentar – veja-se o à-vontade como, no debate
parlamentar sobre a censura à conferência de Jaime Nogueira Pinto, o BE
decretou a ausência de ataques à liberdade de expressão. Sim, é sinal de que a
geringonça tem coesão e condições para sobreviver à legislatura. Mais tarde,
descobriremos se o regime e os seus equilíbrios institucionais sobreviverão à
geringonça.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
13-3-2017
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