Valdemar Habitzreuter
Sei lá, está tudo muito
confuso. Quanto mais filosofamos sobre a vida mais embaralhados ficamos, não
chegamos a um porto seguro. Dizer que somos os donos da verdade e que sabemos
viver a vida bem e feliz é uma pilhéria. Tudo muito complexo esta vida para o
ser humano. Se me proponho a ser feliz, e o quero ser de verdade - a
felicidade, diz-se, só acontece se escolho o bem e evito o mal -, por que é tão
penoso fazer o bem e tão agradável e fácil deixar-se levar pelo lado oposto?
Praticar o bem só me dá alegrias depois de tê-lo praticado, enquanto o mal já
se apresenta delicioso e compensável no ato mesmo de praticá-lo, embora o
depois nos carregue, as mais das vezes, de tristezas e arrependimento.
E não me digam todos vocês que
não tenham o propósito, como meta, de serem felizes. Todos procuramos a
felicidade. No entanto, não tão dispostos a empregar os meios para tal
finalidade. Aliás, podemos até estar firmemente decididos, mas algo sempre
intervém e relaxamos em nossas decisões e puf!, lá estamos nós escorregando
para o lado mais fácil de deixar a vida passar, para o lado onde a felicidade
não se encontra.
Pois é, tudo por culpa da
liberdade, acho. Tenho a opção de escolher entre o bem e o mal. O bem me leva
para a felicidade, o mal para a infelicidade. No entanto, a escolha do bem, na
maioria das vezes, é enfraquecida quando o mal se apresenta como alternativa de
um bem mais gostoso. Que diabos de liberdade é essa em que escolho o bem e
acabo praticando o mal?
Quem já não se viu numa
ocasião festiva ou numa balada, por exemplo, em que iguarias e bebidas
deliciosas estavam disponíveis aos convivas e, ao mesmo tempo sobrevindo o
dilema: deixo-me empanturrar e embebedar, caindo de boca nessa gostosura toda,
ou me refreio? Ao me refrear tenho a certeza de que vou me sentir melhor depois
do que se me entregasse à glutonia. E sabemos, por experiência própria, que a
tentação de se deliciar dessas gostosuras se impõe e adeus, então, com o bem
escolhido, e bem-vindo o ‘bem-bom’ imediato e prazeroso.
Sinal de que a liberdade não é
uma mercadoria que se compra facilmente na esquina da vida. Nossa condição
humana corrupta e frágil não tem meios suficientes para estar de posse dessa
força de vontade que nos possibilite tão somente praticar o bem, por
simplesmente tê-lo escolhido livremente; sempre oscilamos entre o bem e o mal.
São Paulo já se queixava desse problema: “procuro fazer o bem e acabo fazendo o
mal”.
Inclusive muitos filósofos se
debateram em torno da liberdade. Um que se destacou foi Sto. Agostinho no sec.
IV quando enfrentou Pelágio (pelagionismo) que apregoava que o ser humano tem
em si a semente da perfeição e é apto, por suas próprias forças, a somente
praticar o bem; se não o faz é porque escolheu livremente o oposto, e está
destinado a sofrer.
Já Agostinho é mais
condescendente, vai na mesma linha de São Paulo. Para ele, há sim a liberdade,
mas é preciso conquistá-la antes de tudo, como seres imperfeitos que somos; a conquista
aquele que treina sua vontade para, paulatinamente, “curar” sua natureza humana
imperfeita, galgando degraus de liberdade: de menor liberdade, ainda sujeito a
escolher o mal, para maior liberdade, já firmando-se mais na escolha do bem,
até chegar à plena liberdade em que é capaz de só escolher o bem. E tem mais:
esta conquista da liberdade, segundo Sto. Agostinho, não se dá por forças
próprias do homem, ela depende, em grande parte, da graça divina. Assim, como a
graça é de graça, não imposta, a recebe quem a quer; quem não a deseja fica
capenga e sem a liberdade plena que o faria sempre feliz por estar apto a só
escolher o bem.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 8-3-2017
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