Valdemar Habitzreuter
Divirto-me com minhas
galinhas; observo-as soltas no quintal, ciscando aqui e acolá, cada qual por
si. Além da diversão e alegria que isso me dá, delicio-me de seus gostosos
ovos, ainda mais agora que o mito do aumento de colesterol que tal alimento
proporcionaria foi derrubado pela ciência recentemente, e acresce-se a isso a
propagação de ser o alimento ideal com, praticamente, todos os nutrientes de
que o corpo necessita.
Nessa minha pequena sociedade
galinácea observo coisas interessantes. Por exemplo, o egoísmo (não é a palavra
exata, pois galinha não tem um eu), melhor então, o instinto das galinhas de
abicanhar (nos humanos seria abocanhar) o mais rápido possível o alimento que
lhes é jogado, antes que uma outra o pegue, é impressionante. A primeira que
alcançar o alimento foge com ele no bico para poder degluti-lo fora do alcance
das outras. Mas, as outras vão ao seu encalço para roubar-lhe a iguaria. É uma
disputa renhida, sem respeito e sem regras, quem pode mais leva o melhor; a
primeira, que teve a agilidade de se apossar do alimento, não tem direito à
propriedade, nada de justiça, pois. No entanto, convivem sem se matar...
Em outro exemplo, vê-se também
alguma solidariedade dos galos quando encontram algum alimento. Estes, ao invés
de consumir o alimento, chamam as galinhas para que venham se alimentar, e
assistem à briga entre elas. Será por caridade ou há algo planejado com essa
ação altruísta? É claro, não há aí nenhum sentimento de caridade, galo não tem
sentimento, emoção... Parece-me nada mais que um instinto de cortejo
sinalizando marcação de território: as galinhas estão aí para se acasalar só com
ele; nada de caridade ou ação altruísta (só os humanos têm esses conceitos). E
quando há mais de um galo, aí fica patente a marcação de território: é briga
constante entre eles para mostrar quem é o dono do pedaço.
Vê-se que entre os animais não
cabe o conceito de justiça; no entanto, se viram muito bem para sobreviver, se
bastam a si mesmos. Diferentemente, nós racionais somos iminentemente animais
sociais; não nos imaginamos sem o convívio coletivo, necessitamos da coesão
social. No entanto, para que haja ordem e convívio pacífico, temos que contar
com o elemento ‘justiça’ para preservar aquilo que por direito pertence a cada
um: a propriedade, a vida, a honra, a paz... e por aí afora. Sem a justiça
haveria uma desagregação generalizada e o perigo de a humanidade desaparecer da
face da terra seria a consequência. O ser humano não é propenso ao isolamento,
não se basta a si mesmo como a galinha, ele tem a necessidade do convívio
social, mas esse convívio precisa ser regulado pela justiça.
Segundo o filósofo David Hume
(1711-1776), um estudioso da natureza humana (sua obra prima: Tratado da
Natureza Humana), o homem necessita da justiça pelo simples fato de ser útil à
vida social. A justiça é por excelência a virtude social que canaliza os
sentimentos, as paixões dos homens para um mesmo objetivo: o bem-estar de
todos. Embora a moral nasça do sentimento e não da razão - esta apenas serve de
moderadora -, segundo Hume, ela se apoia na justiça para a regulação da fruição
dos bens segundo a justa medida a que cabe a cada um, e, assim, os homens não
se deixem seduzir pelo sentimento egocêntrico.
Se, por exemplo, estivesse
disponível para todos os seres humanos tudo que necessitam sem que houvesse
carência de nada, e seus desejos prontamente satisfeitos em tudo, a justiça
seria dispensável. Ninguém reclama por justiça pelo bem que tem em abundância
ilimitada como o ar, por exemplo – um bem inesgotável ao qual todos têm acesso
(se bem que hoje em dia reclama-se pelo ar poluído na atmosfera). Portanto, se
tudo estivesse disponível ilimitadamente, não haveria a necessidade da
intervenção da justiça para regular os ânimos egóicos dos homens pela posse
exclusiva dos bens materiais limitados.
Ademais, a justiça, sendo útil
à vida social, é a virtude que confere “valor à humanidade, à benevolência, à
amizade, à fidelidade, à sociabilidade, à sinceridade, etc.”, segundo Hume. Não
há vida social pacífica sem a justiça; portanto, os homens não podem ficar
indiferentes ao bem-estar de seus semelhantes, pois todos querem a felicidade,
e a felicidade particular só se sustenta quando é extensiva aos semelhantes.
A justiça, pois, grosso modo,
tem seu aspecto utilitarista que põe os homens em concordância no sentido de
que não é o útil particular que promove a paz e o bem-estar, mas o útil público
que beneficia a todos.
Se esse aspecto utilitarista
da justiça, isto é, a promoção do bem público e não particular estivesse na
consciência de nossos dirigentes e políticos, haveria necessidade de Lava-jato?
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 4-3-2017
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