Maria João Avillez
Pessoas assim enjoam o primeiro-ministro.
Exigem-lhe “nervos de aço. Deve dar um trabalhão fazer passar a direita como um
grupo menor de maltrapilhos, de passado duvidoso e com má folha de serviços
1. Perante a feliz plateia em que se transformou
Portugal e com os portugueses fluidamente despreocupados como bem se nota, devo
ser eu que estou enganada por não cantar a felicidade assente em “cimento
armado”. Qualquer interlocutor, se for bem-educado, boceja com as minhas
discordâncias, se for praticante da má fé, mente e depois propaga e amplia a
mentira. Pessoas como eu poluem o ambiente otimista vigente. As pessoas como
eles, os felizes, estão tão instalados nas suas atuais circunstâncias
(reencontro com a volúpia consumista, crédito amigo, a vida é bela, Marcelo é
porreiro, já não há greves, que é que interessa o endividamento?) que gente como
eu não é convocada: fica no banco.
2. Pessoas assim enjoam o primeiro-ministro. São
“invejosas”, exigem-lhe “nervos de aço”. É natural. Deve dar um trabalhão fazer
passar a direita, aos olhos do país, como um grupo menor de maltrapilhos, de
passado duvidoso e com má folha de serviços. Para isso adultera-se, anula-se e manipula-se
tudo o que ela fez e disse, mentindo sobre o passado recente e revendo a
história. Não pode restar pedra sobre pedra, nem sequer ficar alguma coisa
guardada nas memórias. Está em curso a anulação de uma parte do país, com
recurso a um muito surpreendente exercício do poder político. E a caminho,
está, não um assalto televisivo aos castelos, mas a conquista real do poder.
Todo.
(Será que agora, atingidos os
“milagrosos” 2,1% do défice se sentem “autorizados” a concretizar aquilo que
sempre esteve afinal nas suas intenções, o assalto ao poder?)

Haverá melhor retrato e
espelho mais fiel da avançada da mão?
Se juntarmos a isto – e como
também me fez notar um arguto observador – que “pela primeira vez a esquerda
que está no governo do país é a mesma da rua”, talvez se abram algumas portas
por onde saiam algumas interrogações.
3. Evoquei o tom e o ambiente, ou melhor, esta espécie
de extraordinária “forma” antidemocrática de agir sobre o ar do país. Mas… e os
factos? Cercam-se instituições independentes, atacam-se outras, permite-se que
rancores pessoais interfiram na governação, que a vingança tenha um papel nas
escolhas para o país. E mobila-se a pátria com disponíveis, concordantes e
felizes.
A discordância, que deveria
ser um normal instrumento de valorização da democracia no debate ideológico –
transformou-se agora no assassínio político, profissional ou de caráter de
outrem.
Passaram a ser obrigatórios e
vejam-se alguns desses factos:
· o raivoso ataque ao governador do Banco de
Portugal, tão concertado que quase nos comove o aplicado trabalho de casa da
geringonça – um dia dispara um, no dia seguinte ataca o outro, a seguir insulta
o terceiro;
· o desprezo usado para com Teodora Cardoso… até
um destes dias a esquerda concluir que o melhor é acabar de vez com a liderança
da dr. Teodora que ousa reescrever as ficções da esquerda sobre os seus
sucessos aritméticos;
· a sede de humilhação de Paulo Núncio, útil vilão
de uma história de tal modo desonestamente desenterrada e depois mal contada
pela governação & adeptos que os óbvios erros de Núncio conseguiram a quase
proeza de nos parecer menores ao pé dos meios usados em mais um massacre da
direita. Claro que era preciso que alguém nos distraísse da nociva atuação do
Governo na Caixa, mas que a semana anterior foi fértil para a mão da
geringonça, foi: a mão avançou mais. (E com que desenvoltura).
4. Bem a propósito destas e outras, digamos, anomalias
comportamentais, um leitor amável enviou-me um comentário de Alain
Finkielkraut, feito pelo filósofo francês num diálogo mantido em livro com
Peter Sloterdijk (Les Battements du Monde, Fayard)
Vem a calhar: “La mentalité
de la gauche contemporaine me semble marquée par une inclinaison pour laquelle
je propose le terme d’auto-amnistie. La gauche contemporaine est la partie de
la société ayant le privilège de se pardonner ses propres erreurs.(…) Tout est
pardonné, selon elle, à ceux qui ont la bonne volonté de changer le monde. Tout
est permis à ceux qui sont la conscience. La gauche a voté absent pour empêcher
un procès contre tout ce qui a été commis au nom de ses propres valeurs au
cours du XX siècle – et ce n’est pas négligeable. Tout se passe comme si les ”
crimes de gauche ” étaient des actes sans auteurs.”
É isso: A esquerda tudo se
permite a si mesma e tudo se perdoa a si própria.
5. Mesmo distante de plateaux, sondagens e fóruns onde
se exalta a geringonça, se exulta com Belém e se festeja o ar do tempo, não me
deu jeito calar este insalubre estado de coisas nem, ainda menos, desistir de o
lamentar. Insisto: não somos muitos a fazê-lo. Mas um dia destes talvez eu
esteja menos só na empreitada.
PS: Como
compreender senão pelo avanço da mão da geringonça que Jaime Nogueira Pinto
tenho sido impedido pela direção de uma instituição de ensino superior para
proferir uma conferência para que tinha sido convidado por alunos da própria
casa (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas)? De que é que a nobre direção
teve medo? Do politicamente correto (que o conferencista desconvidado não é) ou
sentiu medo físico das ameaças dos bloquistas da geringonça? A escolha entre um
medo e outro medo é terrível: qualquer deles desgraça um diretor universitário.
Mas depois não se queixem das consequências do precedente agora aberto com esta
miserável cedência.
Título e Texto: Maria João
Avillez, Observador, 8-3-2017
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