Helena Matos
Os gritos “porcos judeus” ouviram-se em
Paris esta semana. Uma mulher judia foi assassinada. Por um vizinho louco dizem
as autoridades. Por um muçulmano radicalizado dizem os vizinhos.
Enquanto escrevo vão chegando
notícias de atentados contra cristãos no Egito. O atentado da Suécia já saiu
dos títulos. Entretanto na Noruega desmontam-se engenhos explosivos.
Já não há velas, nem flores,
nem lágrimas. Entrou na rotina. Por rotina também tento confirmar se já saíram
notícias sobre a morte de Lucie Sarah Halimi. Não encontro nada. O silêncio, o
faz de conta que não tem interesse, o não é bem assim ou quiçá falar nisso seja
“anti-islão” predominam há largo tempo nesta matéria. Por isso a morte de Lucie
Sarah Halimi passou como se tivesse sido o caso de uma senhora sexagenária
assassinada por um jovem vizinho prontamente classificado como desequilibrado.
Mas procurando mais um pouco se
constata que Lucie Sarah Halim, 67 anos, assassinada na noite de 3 para 4 de abril,
num bairro residencial de Paris, pode não ter sido vítima de uma querela de condomínio,
mas sim do ódio aos judeus que muitos muçulmanos não só toleram como traduzem
em atos de violência.
Lucie Sarah Halim foi agredida
por um jovem seu vizinho de 27 anos. Segundo alguns vizinhos este gritava Allah
ou-Akhbar enquanto a atirava pela janela. A confirmar-se esta versão dos factos
Lucie Sarah Halimi é a última vítima da violência crescente exercida sobre os
judeus em França.
Nos últimos anos os ataques
contra judeus têm-se multiplicado: foi o adolescente que em Marselha de machado
em punho atacou um professor judeu (11 de janeiro de 2016); o grupo que cercou
o carro onde viajavam dois jovens com kippa e os agrediu violentamente (24 de fevereiro
de 2017); o homem com kippa que foi esfaqueado em Estrasburgo (agosto de 2016);
o clima de insegurança nas escolas judaicas que em 2012 sofreram ataques com
vítimas mortais…
Os agressores regra geral são
muçulmanos que os vizinhos dizem radicalizados, mas que as autoridades começam
por apresentar como doentes mentais, pequenos traficantes ou ladrões tão
inofensivos que até acreditam que todos os judeus são ricos.
Contudo desde que em Fevereiro
de 2006, em Paris, foi descoberto agonizante o jovem Ilan Halimi, torturado
durante três semanas pelo designado Gang dos Bárbaros – do qual aliás fazia
também parte um descendente de portugueses – tornou-se claro não só que o antissemitismo
existia mas também que o medo das autoridades em assumir esse facto as
paralisava: ao recusarem poder estar diante de um caso de antissemitismo as
autoridades francesas excluíram linhas de investigação que as podiam ter levado
aos sequestradores do jovem judeu. Ian Halimi foi descoberto na via pública
ainda com vida, mas morreu a caminho do hospital. Preso e condenado o chefe do
Gang dos Bárbaros tem dado largas ao seu radicalismo islâmico na prisão.
O recente assassínio de Lucie
Sarah Halimi, os gritos “porcos judeus” e as garrafas atiradas aparentemente
por magrebinos sobre as pessoas que integraram a manifestação de pesar pela sua
morte a par da quase invisibilidade mediática deste caso só surpreendem quem
não segue a realidade francesa.
Sintomaticamente o número de
judeus que está a deixar a França aumenta. Os que partem apresentam como uma
das razões que os levou a tomar essa decisão não tanto a questão da insegurança
– os que deixam a França são suficientemente abastados para o poderem fazer
logo vivem em bairros mais abastados onde a violência não se coloca com a
intensidade que adquire nas zonas mais periféricas – mas sim o facto de
quererem poder ser judeus pois a laicidade e as medidas de segurança
tornaram-se uma ditadura em que todos, à excepção dos fundamentalistas, devem
esconder os seus sinais religiosos.
E claro há também nesses
judeus que deixam a França (e também a Bélgica e a Suécia) o desejo de viver
num local onde não vejam o medo no olhar dos seus interlocutores pois, num
sinal óbvio dos tempos que vivemos, aquele convite para jantar a uma família
judaica vai-se adiando não vá algum vizinho irritar-se e ter um daqueles
episódios de alienação mental que os pode lavar a investir de faca ou bomba em
punho contra os seus semelhantes enquanto gritam que Alá é grande.
O desinteresse com que as
redacções europeias começaram por olhar para as agressões aos judeus em França
transferiu-se em seguida para a Suécia: os ataques aos judeus em Malmo foram um
dos primeiros sinais de que no paraíso oficial da multiculturalidade algo estava
a correr muito mal. Depois veio a fase da negação. Agora temos uma fé:
acredita-se que os factos não ocorrem se não os referirmos.
Mas por mais que isso nos
custe a admitir os judeus partem porque os fundamentalistas já estão aqui. E
estão a mudar o nosso modo de vida.
Dizem agora alguns dos
protagonistas dos celebrados acontecimentos num hotel espanhol que os estragos
causados surgiram num ato de “revolta” contra a gerência do hotel. Portanto os
infantes quando se revoltam partem o que lhes aparece?
Os jovens da geração mais
preparada de sempre, da consciência do corpo, da educação sexual e para a
cidadania (com e sem sexo), do apoio psicológico, do trauma e da intolerância à
lactose não sabem que existe um objeto chamado livro de reclamações?
Filipe II não tinha um fecho
éclair e estes adolescentes a quem as manias da pedagogia e as alterações da
família tornaram numa espécie de reizinhos partem móveis para protestar contra
a falta de papel higiénico.
Toda a vida houve quem fizesse
disparates. Mas os disparates eram isso mesmo: disparates.
Agora são ato de “revolta”.
Não sei que notas têm estas criaturas a Português e Matemática ou se já andam
nos currículos da felicidade da Catarina Martins. Mas em matéria de eduquês já
passaram com distinção.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 10-4-2017
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